Após presidente da Funai barrar sepultamento, 'índio do buraco' é enterrado

Funeral ocorreu no mesmo lugar onde corpo foi encontrado, em terra indígena no sul de Rondônia, e só se deu por decisão da Justiça, três meses após óbito

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Manaus

Os restos mortais do "índio Tanaru" –ou "índio do buraco", como era mais conhecido– foram finalmente enterrados nesta sexta-feira (4), no mesmo local onde o corpo foi encontrado, na terra indígena Tanaru, sul de Rondônia.

A informação foi confirmada pelo OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e pelo MPF (Ministério Público Federal) em Rondônia, que acompanham o impasse sobre o sepultamento do indígena desde o início.

Cerimônia na qual o indígena conhecido como 'índio do buraco' foi enterrado na palhoça onde seu corpo foi encontrado no sul de Rondônia
Cerimônia na qual o indígena conhecido como 'índio do buraco' foi enterrado na palhoça onde seu corpo foi encontrado no sul de Rondônia - Divulgação/Funai

"Tanaru" morreu há mais de três meses, e o enterro vinha sendo postergado por ação do presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Augusto Xavier da Silva. Ele barrou o enterro na véspera do dia previsto para a cerimônia, 14 de outubro, mesmo com todos os exames feitos a partir da coleta de material pela Polícia Federal.

Por um lado, Xavier barrou o enterro. Por outro, fazendeiros que circundam o território ingressaram na Funai com pedidos para exploração da área preservada. Eles alegam ser donos da área de 8.070 hectares.

O sepultamento só foi possível porque o MPF ingressou com uma ação civil pública para que a Justiça Federal obrigasse o enterro, na mesma palhoça na terra indígena onde "Tanaru" morreu.

Em decisão liminar na quinta (3), a Justiça determinou o sepultamento na palhoça na terra indígena. O enterro foi feito no dia seguinte.

Quem conduziu o sepultamento foi o indígena Purá, um dos três kanoés sobreviventes do povo que vive na terra Rio Omerê, também em Rondônia.

"Tanaru" era o último de seu povo, dizimado pela ação de madeireiros na região. Ele viveu sozinho e isolado por 26 anos.

Na véspera do programado para o enterro, o presidente da Funai agiu para barrar o sepultamento. Ele enviou um ofício à PF em Vilhena barrando os procedimentos com a alegação de que era necessário aguardar a conclusão dos laudos dos exames feitos nos restos mortais de "Tanaru".

Naquele momento, todos os exames já haviam sido concluídos, assim como todas as coletas de materiais pela PF. Não havia necessidade de mais nenhum exame no corpo do indígena.

Xavier foi colocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na Funai para barrar ações de fiscalização, esvaziar as funções do órgão e atender a interesses de ruralistas, o que foi feito, segundo indigenistas e servidores da linha de frente da fundação.

Ao impedir o enterro do "índio do buraco", o presidente da Funai buscou atender a interesses de fazendeiros que circundam a terra indígena, conforme técnicos a par do processo de sepultamento. O enterro no território deve dificultar a exploração da área por esses proprietários de terra.

A terra indígena Tanaru não é demarcada. Por haver incidência de um indígena isolado, o território conta com uma restrição de uso, definida em portaria da própria Funai. Ela vigora até 2025. É esta portaria que os fazendeiros querem derrubar, a partir da morte de "Tanaru".

A Justiça determinou que o enterro ocorresse na palhoça onde o corpo do indígena foi encontrado. A Funai tinha cinco dias para adotar "todas as ações administrativas necessárias" ao sepultamento, "em conformidade com a organização social, costumes, crenças e tradições indígenas", como consta na decisão.

"Além da comoção dos povos indígenas próximos, com o desrespeito dispensado ao ‘índio do buraco’, caracterizado na demora excessiva no seu sepultamento/rituais, tem-se ainda a probabilidade de repercussão da omissão do Estado brasileiro", cita a liminar. "Verifica-se que desde a morte do ‘índio do buraco’ já se passaram vários meses e, mesmo o corpo já tendo sido liberado pela perícia técnica da PF, a Funai não o sepultou."

"Tanaru" optou pelo isolamento após seus familiares serem mortos por madeireiros na década de 1990. Segundo a Funai, o grupo tinha seis pessoas e existiu até 1995. O órgão passou a monitorá-lo, e a respeitar seu modo de vida, a partir de 1996.

O presidente da Funai decidiu contrariar os profissionais envolvidos no tratamento dado ao "índio do buraco" após a morte e segurou o sepultamento do indígena, que deu mostras do lugar e da forma como gostaria de ser sepultado, conforme indícios deixados por ele no momento do óbito.

O corpo foi encontrado em 23 de agosto. O óbito ocorreu de 30 a 40 dias antes, segundo análise feita.

Quando o corpo foi encontrado, estava com um "chapéu" na cabeça e plumagens de penas de arara na nuca, "fatos que indicam consciência e preparativos para a morte ou pós-morte", conforme o MPF.

"A ausência de sepultamento de Tanaru, tendo sido levado seu corpo há quase dois meses, tempo mais do que o necessário para a realização de todos os exames necessários, fatos confirmados pela própria PF, configura nítido desrespeito à sua memória e à sua história", diz a ação da Procuradoria. É o mesmo entendimento de indigenistas, servidores e outras pessoas a par do processo.

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