Ânsia por fim do ano reflete período marcado por eleições e retomada ao presencial

Para especialistas, momento é de reflexão, para colocar em perspectiva os desejos para 2023

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na reta final do ano, é comum que cada um dê início a sua própria retrospectiva. É neste momento que conquistas, perdas, saldos e prejuízos são colocados na balança. Em meio a essas reflexões, é comum ouvir (e dizer) frases como "acaba logo, 2022, eu não aguento mais".

O anseio pela virada de página no calendário se torna ainda mais presente quando as últimas semanas são marcadas por acúmulo de tarefas para encerrar o mês e uma agenda cheia de confraternizações de fim de ano.

Não é como se entre o dia 31 de dezembro e 1º de janeiro a vida de todos fosse mudar automaticamente, mas psicólogas concordam que o desejo por um novo ano está ligado ao costume de ritualizar o tempo, somado ao fato de que procuramos atribuir a elementos externos a dificuldade de lidar com alguma situação.

Queima de fogos durante a virada do ano de 2018 para 2019, na praia do José Menino, em Santos
Queima de fogos durante a virada do ano de 2018 para 2019, na praia do José Menino, em Santos - Fernanda Luz/Folhapress

"É mais ou menos como o ‘na segunda-feira eu começo o regime'", diz Liliana Seger, doutora em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP. "Fica todo mundo enlouquecido, mas, depois do 31, vem o dia 1, 2, 3."

Seger explica que esse sentimento costuma ser uma fantasia de que algo extraordinário vai acontecer no ano seguinte, alheia à realidade de que a maior parte dos resultados de nossas vidas são uma consequência do que construímos no dia a dia.

Além disso, a psicóloga alerta que não devemos generalizar as situações de fim de ano, porque nem todos estão com o mesmo nível de otimismo. "Para alguns, é cheio de rituais, família feliz, troca de presentes, mas, para quem já viveu algum trauma, também pode ser um período de muita angústia, de sentir vontade que passe logo e que chegue logo o novo ano", afirma.

Psicanalista e colunista da Folha, Vera Iaconelli analisa que este ano foi marcado por dificuldades coletivas. Ou seja, mesmo para quem não passou por dificuldades, o ano foi capaz de promover uma atenção generalizada, tanto pelas questões políticas quanto pela interminável pandemia de Covid-19.

"É a sensação de que temos que voltar a tomar pé na vida, pois temos muitas coisas pendentes", diz ela.

Iaconelli analisa que, enquanto há um grupo aliviado pelos últimos acontecimentos, como resultados políticos e uma parcial melhora na economia, outros seguem arrasados e inconformados pelo cenário que deve pautar 2023.

"Não sabemos o que esperar do novo ano. As apostas devem ser minimamente otimistas, mas não exageradas, porque tudo que é exagerado tende ao fracasso", alerta.

Para a psicanalista, neste momento o importante é a reflexão em relação aos desejos, aspirações e rumos a tomar. Afinal, o fim de ano, resume ela, é como uma espécie de marco simbólico que carrega importância psíquica, pois nos dá a possibilidade de avaliação pessoal.

"Esses marcos servem para que avaliemos a nossa experiência. A partir daí, podemos apostar e aspirar novas realizações no período que segue. Para alguns, é o período de grande comemoração, para outros de grande luto."

Gabriela Malzyner, psicóloga e psicanalista, concorda que o momento de virada de ano permite a dimensão da esperança. No consultório, o que ela mais ouve dos pacientes é a sensação de que o ano passou rápido.

Malzyner reflete que essa sensação pode ser explicada pelo fato de que em 2022 a população saiu do isolamento em meio à pandemia e voltou a ocupar os lugares que eram frequentados anteriormente.

"Tivemos muito desejo reprimido. Não foi um ano qualquer. Além da Copa e das eleições, houve essa retomada ao presencial durante todo o ano. Estamos lidando com o traumático, aquilo que estava em cena, que foi retirado e volta a aparecer como possibilidade", explica ela.

A psicóloga Liliany Souza destaca, porém, que, por um lado, é bom que exista a marcação de tempo do fim do ano, justamente para que exista essa reestruturação e novos desafios e anseios sejam colocados em prática.

Isso, lembra ela, não acontece só no Ano-Novo: ocorre também em diversos outros momentos da vida, como no término de um relacionamento e no começo de um novo ou ainda quando a pessoa se gradua na faculdade e ingressa no mercado de trabalho.

O importante nesse tipo de momento, ressalta ela, é pensar nas modificações de que gostaria para a vida —tendo em mente que, depois da virada, nada vem como mágica.

"O trabalho, o emprego, as coisas do cotidiano, com quem você mora e se relaciona... Tudo continua igual, mas existe um processo psicológico de um início de um novo ciclo. Mas tudo isso só acontece com uma mudança de perspectiva da pessoa. Só a virada do ano não muda nada."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.