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De piso da 'casa da vó' à musicalidade, mapeamento mostra vocação de cidades paulistas

Cria SP promete ajudar a potencializar áreas como cultura, turismo e economia

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São Paulo


Nos anos 1940, a Cerâmica São Caetano, que fabricava azulejos no ABC paulista, costumava enterrar os cacos vermelhos danificados. Funcionários, então, pediram permissão para usar o material descartado em seus quintais. As peças nessa cor, mais baratas, eram misturadas com pedaços amarelos e pretos, mais caros.

O estilo agradou vizinhos, a moda pegou e ganhou o país. Ficou tão popular que a empresa passou a desenterrar os caquinhos do buracão da cerâmica, onde hoje é um parque, para fazer propaganda.

Essa história era pouco conhecida e não havia documentos que comprovassem o pioneirismo de São Caetano do Sul nesse modelo de piso. Até agora.

Esse resgate histórico foi possível após a cidade participar do Cria SP, programa inédito da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do governo de São Paulo, que incentiva municípios a descobrirem suas vocações para potencializar áreas como a cultura e o turismo e, assim, estimular uma economia mais criativa.

"Na época esses caquinhos viraram uma coqueluche, tinha até na casa da minha avó. Mas não havia uma consciência coletiva dessa história marcante em tantos lares. Fizemos pesquisas e achamos ‘as provas’ escondidas na Fundação Pró-Memória", afirma Erike Busoni, secretário municipal de Cultura de São Caetano do Sul.

Numa visão do alto, há um homem parado em portão de uma casa, olhando para cima; na parte de cima da imagem nota-se que o quintal de uma casa é feito de cacos de porcelana vermelhos, e na outra metade observa-se a calçada
O secretário municipal de Cultura de São Caetano do Sul, Erike Busoni, 46, no quintal da casa de sua avó, no bairro Cerâmica, na mesma cidade; local preserva os cacos vermelhos, misturados à peças amarelas e pretas - Karime Xavier/Folhapress

A cidade do ABC, que já tem um perfil de cultura tradicional no artesanato, une-se a outras nove do interior paulista na iniciativa. Juntas, formam um conjunto de municípios criativos eleitos pelo governo estadual para receber mentoria especializada.

Os documentos elaborados em cada uma das dez cidades estão disponíveis no site do Cria SP.

Confira as vocações de cinco cidades

  1. Bauru (a 329 km de SP)

    No audiovisual, destaca-se pela cadeia de animação, cinema e games. Nas artes midiáticas, empresas de games, software e futuros parques tecnológicos

  2. Cubatão (a 56 km de SP)

    Educação para música, principalmente orquestral, baseada em sopros, percussão e canto coral

  3. Itanhaém (a 106 km de SP)

    Cultura caiçara, numa aglutinação das culturas originárias e européias

  4. Presidente Prudente (a 558 km de SP)

    Diversidade musical que inclui música popular, caipira, japonesa e erudita, com destaque para a educação musical orquestral

  5. Ribeirão Preto (a 313 km de SP)

    Rota de shows nacionais e internacionais, formação musical (inicial ao ensino superior), especialmente erudita, além da cultura de shows em bares, música e cerveja

  6. Fonte: organização social Amigos da Arte

Com base nesses relatórios, o passo seguinte será preparar as candidaturas dessas cidades para ingressar na Rede de Cidades Criativas da Unesco, explica Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

As cidades aprovadas farão parte de projeto da entidade para promover a cooperação entre municípios que reconhecem a criatividade como um fator importante no seu desenvolvimento urbano em áreas sociais, culturais, econômicas e ambientais.

"O Cria SP vai dar um impulso no desenvolvimento da economia criativa em São Paulo. Pode ter como consequência uma visibilidade internacional por meio da escolha para integrar esse grupo da Unesco. É importante que essas cidades tenham dossiês consistentes para concorrer com chances reais", afirma Sá Leitão.

A ideia do Cria SP, segundo ele, foi ter um programa em que o estado bancasse a elaboração de planos de economia criativa para municípios, em que se faz um levantamento dos ativos e das vocações, para depois avaliar as forças e as fraquezas.

"Faz-se um planejamento estratégico de crescimento e também são pensadas ações que estimulem a participação do poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Nesses planos, há um diagnóstico, uma avaliação e uma proposição de medidas a serem tomadas, além de próximos passos para potencializar ainda mais a economia criativa nesses municípios. O relatório pode virar um legado", diz Sá Leitão.

Veja as vocações das demais cidades

  1. Santa Bárbara d’Oeste (a 135 km de SP)

    Gastronomia, com destaque à comida caipira regional. É conhecida por vários títulos: terra das melancias, da cana-de-açúcar, da costela, das coxinhas, da cachaça etc.

  2. Santa Fé do Sul (a 625 km de SP)

    Piscicultura, sendo uma das maiores produtoras de peixes da América Latina com destaque à tilápia, de onde saiu iguarias como torresmo de tilápia

  3. São Caetano do Sul (ABC Paulista)

    Berço da indústria brasileira, materiais de forja, metalurgia e cerâmica, sendo que esse último se destaca pelos pisos de caquinhos vermelhos da ‘casa da avó’

  4. São Luiz de Paraitinga (a 182 km de SP)

    Música que mescla a tradição caipira com contemporânea. Destaque às marchinhas luizenses, ritmo original da cidade, e à autoralidade musical

  5. Sertãozinho (a 333 km de SP)

    Cervejarias artesanais, produção de açúcar orgânico e biotecnologia, pratos elaborados da cana-de-açúcar como melaço e garapa; agricultura familiar

Outra cidade escolhida para o programa estadual foi São Luiz do Paraitinga, região do Vale do Paraíba a 182 km de SP, conhecida pelas festas folclóricas, como a do Divino, além do carnaval de rua e arquitetura em estilo colonial que preserva características da época dos barões do café.

A música movimenta a economia da cidade o ano todo, de acordo com a prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle (PSDB).

"A cidade, que virou instância turística em 2001 devido à sua cultura tradicional, tem festas religiosas e profanas ao mesmo tempo no coreto que envolvem todos os luizenses. Valorizamos a cultura local. Temos o quarto melhor Carnaval do Brasil só com marchinhas. Tudo de graça no coreto da praça."

Ana Lúcia afirma que o consultor do Cria SP ajudou na elaboração do Plano Municipal Participativo de Desenvolvimento da Economia Criativa sugerindo a inclusão de informações que a administração não enxergava serem importantes.

"Ele trouxe um novo olhar. Foi traçando tudo o que a gente precisa ter e quais os desafios. Estamos nos preparando para ser vitrine", diz a prefeita, que espera conquistar uma posição no projeto da Unesco.

"Poderemos ficar reconhecidos mundialmente. Uma cidade que valoriza a música e onde as pessoas vivem desse ofício."

A gestora municipal lembra do apoio que São Luiz do Paraitinga recebeu após as enchentes de 2010, que causaram enorme destruição, principalmente ao patrimônio histórico.

"O município acabou de comprar um terreno na praça onde caiu uma casa na enchente e vai ser a nossa escola de música. O Cria SP tem muito a ver com isso, já que está nos dando a oportunidade de ter um projeto onde o ritmo fala totalmente com a comunidade", diz Ana Lúcia.

Sá Leitão afirma que a primeira edição do Cria SP, deste ano, teve um investimento de R$ 1 milhão, mas que esse valor dobrou e já está incluso no orçamento de 2023 para o próximo governo, de Tarcísio de Freitas (Republicanos).

"Espero que o programa continue. Nós estamos criando a rede de cidades criativas do estado de São Paulo. A próxima gestão já tem os recursos para fazer a segunda edição, podendo incluir 20 cidades.", relata o secretário.

A iniciativa abarca também cidades como Sertãozinho, que se inscreveu com uma proposta para o desenvolvimento a partir da gastronomia, mas o relatório do Cria SP apontou potencial para inovação e sustentabilidade da cadeia da cana-de-açúcar. Em Santa Bárbara d´Oeste, o município descobriu identidade na gastronomia, além do artesanato local.

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