Descrição de chapéu PSDB fora do ninho

Processo de desgaste tirou PSDB do governo de SP após 28 anos

Partido liderou o mais longo ciclo de um mesmo partido na gestão de um estado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Assim que desembarcaram de uma van nos arredores da avenida Paulista, o governador Geraldo Alckmin e o senador Aécio Neves foram recebidos com xingamentos. Era 13 de março de 2016. Hostilizados, os dois nomes fortes do PSDB não conseguiram ficar nem meia hora no protesto a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Aquele domingo foi um marco do desgaste que o PSDB sofria no coração de seu poder. O partido havia vencido seis eleições seguidas para o governo de São Paulo e ainda ganharia mais uma, em 2018. Surgiam, no entanto, os sinais de um processo de enfraquecimento que, nos próximos dias, encerrará um ciclo de 28 anos.

A saída de Rodrigo Garcia (PSDB) do Palácio dos Bandeirantes em 1º de janeiro põe fim à mais longa sequência, desde a redemocratização, de um mesmo partido no comando de um estado –iniciada com a eleição de Mário Covas, em 1994.

Da esq. para a dir, no alto: os ex-governadores de São Paulo Mário Covas (1995 a mar.2001), Geraldo Alckmin (mar.2001 a mar.2006 e 2011 a abr.2018) e José Serra (2007 a abr.2010); na segunda linha, Alberto Goldman (abril a dez.2010), João Doria (2019 a abr.2022) e Rodrigo Garcia (abril a dez.2022)
Da esq. para a dir., no alto: os ex-governadores tucanos de São Paulo Mário Covas, Geraldo Alckmin (hoje PSB) e José Serra; na segunda linha, Alberto Goldman, João Doria (hoje sem partido) e Rodrigo Garcia - Juca Varella - 2.jun.00/Folhapress; Zé Carlos Barretta - 19.set.17/Folhapress; Bruno Poletti - 24.jun.16/Folhapress; Bruno Poletti - 15.set.14/Folhapress; Greg Salibian - 21.abr.19/Folhapress; e Marcelo Chello - 12.dez.22/Folhapress

O PSDB estabeleceu em São Paulo seu principal polo político e implantou o que tucanos gostam de apresentar como pontos essenciais de sua plataforma: controle de gastos, investimentos privados, obras de mobilidade, novos serviços públicos e foco na segurança.

Esses mesmos integrantes do PSDB apontam alguns motivos para a corrosão da força da sigla: marcas de gestão desbotadas, manchas provocadas por suspeitas de corrupção, interesses políticos pessoais e a substituição da legenda no campo da direita.

Foi pela direita que os tucanos se consolidaram no eleitorado paulista, ainda que Mário Covas tenha vencido a eleição de 1994 na linha da social-democracia. "Meu partido é de centro-esquerda", declarou, no dia do segundo turno.

Covas assumiu um estado cuja dívida havia quadruplicado e escolheu o impopular caminho da austeridade. O governador cortou contratos e adotou uma linha dura com o funcionalismo, que rendeu greves e conflitos que o envolveram diretamente. No segundo mandato, enfrentou manifestantes que acampavam em frente à Secretaria de Educação e foi agredido com pedras.

O governador de São Paulo, Mário Covas, com ferimento na cabeça após ser agredido por manifestantes em frente à Secretaria de Educação, em 2000 - Jorge Araújo -1º.jun.2000/Folhapress

Medidas amargas quase custaram a reeleição em 1998. Naquela disputa, Covas superou Marta Suplicy (PT) por 74 mil votos para ir ao segundo turno. Depois, conseguiu uma virada sobre Paulo Maluf (PPB).

A vitória, para cardeais do PSDB, fez com que a agenda do tucanato paulista tomasse corpo sob a forma de um aperto nas contas do governo, um programa abrangente de privatizações, parcerias para a gestão de estradas e selos como o Poupatempo.

O plano continuou após a morte de Covas, vítima de câncer, em março de 2001. O vice Geraldo Alckmin se comprometeu: "O governo Mário Covas continua".

A era Alckmin viu reproduzida em São Paulo a oposição que se desenhava no plano político nacional entre PSDB e PT. O tucano concorreu à reeleição em 2002 e venceu o petista José Genoino, num ano em que Lula foi vitorioso entre os paulistas na corrida presidencial.

O segundo mandato de Alckmin foi o que tucanos classificam como conservador, optando pela continuidade a programas que pareciam sólidos. O governador ampliou concessões de rodovias e implantou uma parceria público-privada no metrô.

Em meio a disputas internas no PSDB, o controle do maior estado do país credenciou Alckmin para uma candidatura à Presidência em 2006, em que ele seria derrotado no segundo turno. O vice Cláudio Lembo (PFL) concluiu seu mandato no governo.

Naquele período, São Paulo enfrentou uma onda de ataques orquestrados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Na era tucana, ações da facção ameaçaram o cartaz que o partido buscava pintar na segurança pública, com base na queda das taxas de homicídio –da casa dos 35 por 100 mil habitantes em 1999 para 6,04 em 2021.

O PSDB venceria uma eleição no primeiro turno em São Paulo pela primeira vez em 2006, com José Serra. O tucano explorou o antipetismo dos paulistas naquela disputa. Ao renunciar à prefeitura da capital, Serra afirmou que deixava o cargo para evitar que o PT conquistasse o governo do estado.

A gestão Serra buscou reforçar uma impressão digital tucana na área de transportes e criar marcas como os AMEs (Ambulatórios Médicos de Especialidades). A doutrina do aperto nas contas levou a greves nas universidades estaduais e na Polícia Civil –esta última, em 2008, produziu um confronto inédito entre os grevistas e a Polícia Militar.

O governo paulista repetiu a vocação de trampolim para candidaturas presidenciais. Serra deixou o governo em abril de 2010 e embarcou em mais uma candidatura derrotada ao Palácio do Planalto. Alberto Goldman (PSDB) completou o mandato até o retorno de Alckmin, selado em primeiro turno na eleição estadual.

Alckmin fez mais dois governos, buscando replicar uma cartilha que completava 16 anos. Nesse período, surgiram rachaduras que contribuíram para o desgaste da legenda, como acusações de desvios em obras do metrô e do Rodoanel, além da crise de desabastecimento de água de 2014.

Suspeitas de corrupção foram determinantes na deterioração do PSDB, segundo os dirigentes da sigla –os tucanos citados apontam que as acusações não foram comprovadas.

A mancha política, no entanto, atingiu uma dimensão considerada fulminante com a denúncia envolvendo Aécio Neves feita por Joesley Batista, da JBS. Gravado pedindo R$ 2 milhões ao empresário, o mineiro foi absolvido em 2022.

Tucanos consideram que o discurso anticorrupção servia ao PSDB como combustível para o antipetismo. Estas e outras desconfianças em relação ao partido, como a hesitação inicial diante do processo de impeachment de Dilma, teriam acelerado um processo de substituição da sigla como depositária do voto contra o PT –o que se manifestou na hostilidade aos tucanos naquele protesto de março de 2016.

Aécio Neves e Geraldo Alckmin em manifestação contra Dilma Rousseff na avenida Paulista, em São Paulo, em março de 2016 - Bruno Poletti - 13.mar.2016/Folhapress

Uma nova direita tomaria o espaço do PSDB nacional em 2018. Alckmin deixou o cargo com o vice Márcio França (PSB) para disputar o Planalto mais uma vez. Sofreu uma derrota classificada como humilhante, com menos de 5% dos votos, e viu Jair Bolsonaro (PSL) vencer o PT.

Naquela eleição, o PSDB manteve o controle do governo paulista, mas dependeu de um arranjo político peculiar, com consequências pesadas sobre o partido no estado.

O empresário João Doria, que dois anos antes havia sido apadrinhado por Alckmin para chegar à Prefeitura de São Paulo, concorreu a governador mantendo distância do tucanato tradicional e vinculando sua imagem a Bolsonaro. Doria surfou na onda da nova direita e venceu Márcio França no segundo turno.

A eleição de Doria num momento de fragilidade de outros líderes alçou o governador paulista ao posto de tucano mais poderoso e provocou conflitos dentro do PSDB. Ele tentou reduzir a influência de figuras como Aécio e Alckmin, numa postura que costuma ser descrita por adversários internos como desagregadora.

Doria fez um governo marcado pela atração de investimentos, pela manutenção das contas no azul e, principalmente, pela gestão da pandemia. O governador assumiu a bandeira da vacina contra a Covid-19 e fez uma operação intensiva de marketing para extrair benefícios políticos de olho na disputa presidencial de 2022.

O comportamento de Doria e os conflitos no PSDB moldaram os anos finais desse ciclo. Avessa ao governador, parte da cúpula da sigla trabalhou contra sua candidatura ao Planalto. Esses dirigentes apontavam que, ainda que Doria tivesse vencido as prévias do partido, ele não tinha força para enfrentar Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

O embate se tornou uma crise aguda no fim de março. Doria pressionou o partido e avisou que, sem disputar a Presidência, ficaria no governo do estado. A manobra impediria que o vice Rodrigo Garcia assumisse o cargo para concorrer à reeleição.

Tucanos e outros aliados de Garcia ameaçaram derrubar Doria do governo se ele seguisse adiante. O governador, então, decidiu renunciar, mas o PSDB fechou os espaços para sua candidatura ao Planalto e declarou apoio a Simone Tebet (MDB).

Garcia disputou a reeleição, porém não decolou. O novo governador era pouco conhecido e não encontrou espaço numa eleição nacionalizada, entre os candidatos de Lula (Fernando Haddad) e Bolsonaro (Tarcísio de Freitas). Sem marca forte ou um pilar na disputa presidencial, o PSDB foi derrotado pela primeira vez em oito eleições paulistas.

28 anos do PSDB na política de São Paulo

28 anos de PSDB na política nacional

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.