ONGs pedem ao Porto Seguro R$ 15 mi de indenização por separar aluno bolsista de pagante

Educafro afirma que escola de elite promove ambiente propício para discriminação e preconceito; colégio nega segregação

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São Paulo

Nesta quarta-feira (30), as ONGs Educafro e Ponteduca entraram com um pedido de conciliação extra-judicial com Colégio Porto Seguro, um dos mais tradicionais de São Paulo. As entidades dizem que a escola segrega os alunos bolsistas dos pagantes e, por isso, pedem uma indenização de R$ 15 milhões por danos morais coletivos e sociais.

Além disso, querem a integração de todos os estudantes em uma mesma unidade —hoje pagantes estudam em um endereço e bolsistas, em outro. Isso, diz o documento, impede "o convívio e o saudável relacionamento entre eles".

As organizações dizem ainda que se os pedidos não forem atendidos, irão entrar com uma ação civil pública contra a escola.

Fachada norte do prédio do Colégio Visconde de Porto Seguro
Fachada norte do prédio do Colégio Visconde de Porto Seguro, na unidade do Morumbi - Wikimedia Commons

Em nota, o colégio disse que não há qualquer discriminação ou diferença de tratamento dos alunos.

A proposta da Educafro acontece depois da revelação de que alunos da unidade do Porto Seguro em Valinhos, no interior do estado, trocaram mensagens com expressões nazistas, racistas e xenofóbicas. Oito estudantes foram expulsos devido ao caso.

O Porto Seguro, fundado há 144 anos, criou em 1966 a então chamada Escola da Comunidade exatamente para atender estudantes pobres. Hoje, cerca de 1.250 alunos de baixa renda recebem bolsas de estudo integral divididas entre educação básica e educação para jovens e adultos. Além das vagas, eles recebem uniforme, material escolar e alimentação gratuitamente.

A escola afirma que "não há qualquer discriminação ou diferença de tratamento dos alunos, sendo oferecido em todos os campi proposta pedagógica de excelência reconhecida internacionalmente. Inclusive o qualificado corpo docente é recrutado e remunerado de maneira exatamente igual para todos os campi do colégio."

Até 2020, alunos pagantes e não pagantes estudavam na mesma unidade, localizada no Morumbi (zona oeste de São Paulo), porém isso mudou quando todos os bolsistas passaram a estudar em outro prédio na Vila Andrade (zona sul). As duas unidades estão separadas por cerca de quatro quilômetros.

A mudança, de acordo com a instituição de ensino, aconteceu porque a nova unidade está em um local mais acessível para moradores de Paraisópolis e da Vila Andrade, bairros de origem de grande parte dos bolsistas. As ONGs discordam e dizem que os alunos dos dois locais conseguem acessar a unidade do Morumbi.

Márlon Reis, advogado da Educafro, disse que a concessão de bolsas não é uma benevolência do colégio, já que a ação permite que a escola possa receber um abatimento de impostos por ter o Cebas (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social), concedido pelo MEC.

"A partir do momento que as escolas deixam de pagar os tributos é como se nós, como sociedade, estivéssemos bancando isso", diz ele.

Em texto publicado no site, o colégio diz que o Campus Vila Andrade é um projeto social que beneficia bolsistas e pagantes, "que indiretamente usufruem da imunidade obtida pela instituição, já que a Fundação não recolhe impostos e contribuições sociais, possibilitando mensalidades reduzidas para os alunos não bolsistas".

A lei que regula o Cebas estabelece que "é vedada qualquer discriminação ou diferença de tratamento entre alunos bolsistas e pagantes". Para o advogado, isso demonstra que a separação feita pelo colégio é ilegal.

Reis diz que o Porto Seguro é "uma ótima escola, que os professores são excelentes, mas que o custo de estudar lá é muito alto". A separação, diz o advogado, estimula práticas de racismo entre estudantes, como bullying e problemas com os bolsistas. "Muitos saem machucados, levam o nome do Porto no currículo, mas o preconceito é muito alto."

Frei David, presidente da Educafro, disse que as escolas particulares são omissas frente ao racismo estrutural. "Queremos que essa ação do Porto Seguro dê um sinal para as associações das escolas privadas, que se elas não fizerem um plano de inclusão, vamos abrir processo contra várias outras no Brasil inteiro."

Estudante de direito, Oscar Neto, 25, foi bolsista do Porto Seguro entre 2014 e 2016. "Me sentia inferiorizado. Não era muito bem visto circular por todos os ambientes da escola e não éramos bem-vindos."

Hoje, o jovem afirma que reconhece o papel da educação que teve no Porto Seguro na sua formação, mas tem traumas.

Alessandra Gotti, presidente do Instituto Articule, afirma que é importante que os alunos aprendam a conviver em um mundo plural. Ela considera também que o colégio tem uma atuação que contribui para redução da desigualdade educacional.

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