Ministério dos Povos Indígenas anula norma que permitia venda de terras invadidas por fazendeiros

Medida abriu brecha para certificação de territórios não homologados, que agora podem ser revisadas

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Brasília

O Ministério dos Povos Indígenas determinou, nesta terça-feira (24), a anulação da instrução normativa editada no governo de Jair Bolsonaro (PL) que permitia a fazendeiros explorar e vender áreas invadidas dentro de territórios ainda não homologados de povos.

A medida foi editada pela Fundação Nacional do Índio em abril de 2020, então na gestão do policial Marcelo Xavier. Ela foi criticada por entidades indigenistas, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça, que chegou a determinar sua suspensão em alguns estados.

A anulação abre espaço, agora, para que todas as TIs (terras indígenas) que tenham sido certificadas pelo governo Bolsonaro como de posse de fazendeiros, com base na medida, sejam também anuladas —o que, no entanto, não acontece imediatamente, mas depende de nova análise dos casos por parte do Executivo.

Sônia Guajajara durante posse no Palácio do Planalto
Sônia Guajajara durante posse no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 11.jan.2023/Folhapress

Segundo ofício assinado pela ministra Sônia Guajajara nesta terça, os territórios ainda não homologados constituem, por exemplo, a grande maioria das terras dos povos isolados: 86 dos 114 registros deste tipo que se tem conhecimento no Brasil atualmente.

A homologação é a última etapa do processo demarcatório e há 230 territórios pendentes desta assinatura atualmente.

A instrução, agora anulada, promoveu mudanças na DRL (Declaração de Reconhecimento de Limites) que fizeram com que os indígenas que vivem em regiões pendentes deste procedimento —mesmo povos já reconhecidos e cuja área de direito já foi medida e confirmada por estudos— ficassem vulneráveis à perda de parte de suas terras.

Essa declaração, até então, servia apenas como certificado de que uma propriedade privada não invadia uma terra indígena. Com a medida editada pelo governo Bolsonaro, a DRL passou a ter caráter de atestado de posse, e poderia dar a entes privados o domínio de territórios indígenas não homologados.

Com a DRL em mãos, expedida pela Funai, invasores de terras indígenas puderam requerer junto ao Incra, por cadastro auto declaratório, o reconhecimento da propriedade das áreas que invadiram, tomando-as dos indígenas.

Levantamento feito pela Agência Pública apontou que, desde a publicação da instrução normativa, em 2020, o governo Bolsonaro certificou mais de 200 mil hectares de mais de 400 fazendas em TIs, algumas 100% dentro dos territórios.

A ministra diz no ofício obtido pela Folha que a instrução "coloca tais territórios à mercê de invasores e empreendimentos que causam tanto violência direta quanto risco de contágio por doenças infecciosas".

Ainda segundo o ofício, a norma era inconstitucional, uma vez que os indígenas tem direito ao seu território e a demarcação é apenas um procedimento burocrático para reconhecê-lo —ou seja, a falta de homologação, etapa final deste processo, não quer dizer que a área não pertence aos povos, mas sim que falta apenas sua documentação.

"O ato de demarcação de terras indígenas constitui ato meramente declaratório, que apenas reconhece um direito preexistente e assegurado constitucionalmente", completa o ofício.

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