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Justiça arquiva inquérito sobre morte de miliciano em van da polícia

Investigação mostrou contradições nos depoimentos de agentes envolvidos na morte de Ecko

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Rio de Janeiro

A Justiça do Rio de Janeiro arquivou no ano passado a investigação sobre a morte do miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, numa operação policial em junho de 2021 que tinha como objetivo capturá-lo após mais de quatro anos de fuga. Ele morreu dentro da van da polícia.

O arquivamento, homologado em julho de 2022, ocorreu apesar de uma série de contradições nos depoimentos dos policiais envolvidos na prisão e morte do criminoso.

A investigação que durou um ano também não esclareceu uma das principais dúvidas do episódio: por que razão Ecko, até então considerado o bandido mais perigoso do estado, era transportado sem algemas na van em que foi morto?

O miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, ainda vivo logo após ser baleado no momento de sua prisão no Rio de Janeiro - Reprodução

Ecko foi baleado pela primeira vez no momento de sua prisão, ao tentar roubar a arma de um policial que buscava prendê-lo dentro da casa da mulher, em Paciência (zona oeste).

Ele foi baleado uma segunda vez dentro da viatura da Polícia Civil quando era socorrido por agentes após sua prisão. De acordo com a polícia, ele tentou puxar o fuzil de uma policial que fazia sua escolta dentro do veículo. Um outro agente atirou para, de acordo com os depoimentos, evitar o roubo da arma e disparo contra policiais.

Em seu relatório final, a Delegacia de Homicídios afirmou que os elementos colhidos indicam a excludente de ilicitude na atuação dos policiais. "Não se pode afirmar que eles estavam efetivamente em legítima defesa, mas sim que não há prova de que não estavam acobertados por tal excludente."

O Ministério Público, por sua vez, entendeu haver "suporte probatório claro e harmônico no sentido de que os agentes dos Estado apenas revidaram a injusta agressão". A Justiça homologou o arquivamento.

Ecko estava na lista dos bandidos mais procurados do Brasil, elaborada pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública ainda na gestão do ex-juiz e atualmente senador Sergio Moro (União Brasil - PR). O Disque-Denúncia oferecia R$ 10 mil por informações que levassem à sua prisão —a maior recompensa disponibilizada pela entidade.

Ele era símbolo de um novo perfil de milicianos do estado. Investigações apontavam que seu grupo mantinha aliança com traficantes da facção TCP (Terceiro Comando Puro) e se expandia pela região metropolitana, montando uma espécie de sistema de franquias.

Havia contra ele dez mandados de prisão por homicídio, extorsão, associação criminosa, entre outros crimes. O primeiro foi expedido em dezembro de 2016.

À época da prisão, a polícia declarou que não algemou o miliciano para não agravar o ferimento causado pelo primeiro disparo. A versão, porém, não aparece nos depoimentos prestados à Delegacia de Homicídios da capital, responsável pela apuração, pelos dois agentes que o acompanhavam na van.

A policial Roberta Duarte, que estava ao lado de Ecko no veículo, atribuiu a ausência das algemas à "pressa em prestar socorro e pela quantidade de policiais que estavam ajudando no auxílio para levá-lo para a van". A mesma versão deu o policial Nivaldo Pereira, que estava com os dois.

Os dois agentes afirmaram em depoimento que Ecko oscilava momentos de calma e agitação durante o trajeto de cinco minutos na van. Perto de chegar ao campo de futebol, Roberta disse que o criminoso tentou puxar seu fuzil. Em reação, Nivaldo empurrou o miliciano e disparou contra seu peito.

Roberta foi submetida a exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal) que identificou hematoma com formato de faixa no pescoço, compatível com a bandoleira do fuzil, e escoriação no antebraço esquerdo. Ela afirma que as marcas foram resultado do embate físico com Ecko na van.

O relato da policial também levanta dúvidas sobre o transporte utilizado para socorrer o miliciano. A agente afirmou que se tratava de uma "van de carga" com dois bancos de madeira improvisados na caçamba.

Ela declarou que o espaço não tinha janela, permanecendo totalmente escuro durante o trajeto. Roberta afirmou que precisou usar a lanterna do próprio celular para iluminar o ambiente.

Os relatos sobre a dinâmica do primeiro ferimento em Ecko e sua prisão também contêm contradições.

O inspetor Patrick Carvalho, responsável pelo primeiro disparo, afirmou no dia da operação que "se chocou" com o miliciano quando este saía do quarto. No depoimento, ele destacou que "sequer teve tempo de verbalizar com Ecko, já que no momento em que se preparava para entrar no cômodo em que ele estava, ocorreu o encontro repentino".

"Ecko veio em sua direção quando tentava empreender fuga e tentou pegar o armamento do depoente [Patrick]; que diante do risco iminente de ser desarmado, alega que foi obrigado a efetuar um disparo com sua pistola Glock", afirma a transcrição do depoimento do agente.

Dezessete dias depois, Patrick prestou novo depoimento à delegacia. Desta vez, ele afirmou ter empurrado o miliciano e "obrigou que ele se rendesse". "Ecko não obedeceu [a]o comando e novamente tentou retirar a pistola da mão do declarante, momento que o mesmo efetuou um disparo", afirmou o agente no segundo depoimento.

Este segundo depoimento incluiu um novo personagem à cena: a mulher do miliciano. Ele afirmou que Ecko usou sua companheira como "escudo" para não ser imobilizado, mas os agentes conseguiram, de acordo com o relato, retirá-la de seu domínio.

Essa ação teria, segundo os depoimentos, motivado o avanço do miliciano sobre os policiais, que culminou no primeiro tiro no criminoso.

A forma como a mulher foi retirada pelos policiais, contudo, só ganhou uma versão mais clara quase um ano após o episódio. O delegado Thiago Neves, que não havia prestado depoimento até então, afirmou em maio de 2022 ter puxado a companheira do miliciano, momento no qual o criminoso se voltou contra Patrick.

Contudo, há contradição até mesmo na identificação do responsável por retirar a mulher da cena. O delegado Felipe Cury, que comandou a operação, disse que foi Patrick quem a libertou do miliciano, motivando a reação que culminou no primeiro disparo.

Não há registro de que a polícia tenha sequer tentado tomar o depoimento da mulher do miliciano sobre o episódio. O Ministério Público também não determinou a diligência. Apenas a mãe de Ecko foi ouvida no inquérito, no momento em que foi liberar o corpo do IML (Instituto Médico Legal). Ela não estava na casa no momento da prisão.

Ecko foi atingido por dois disparos no peito, de acordo com o laudo cadavérico. Um causou lesões no coração e no pulmão. Outro transfixou o fígado. Apenas este segundo tem marca característica de tiro à curta distância. Na van, o projétil perfurou o assoalho da caçamba em que o miliciano era levado.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), foi à entrevista coletiva que detalhou a operação e afirmou que aquele era "um dia histórico". "Havia alguém que sintetizava como eles se achavam impunes. Essa figura se materializava no miliciano Ecko."

"Não estou celebrando uma morte. Não celebramos a morte de ninguém. Celebramos o objetivo de tirar de circulação uma pessoa que fazia tão mal à sociedade. Resgatado ele com vida, porque nosso objetivo era levá-lo preso", declarou Castro.

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