Filhos únicos e sonhos dos pais: quem foram as vítimas do atentado em Blumenau

Crianças atacadas na creche Cantinho Bom Pastor tinham entre 4 e 7 anos e foram sepultadas nesta quinta; feridos receberam alta

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Catarina Scortecci Cristiano Farias Martins
Blumenau (SC) e Porto Alegre

O ataque de um homem de 25 anos ao centro educacional Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC), nesta quinta-feira (5), matou quatro crianças e arruinou também sonhos recém-realizados por pais e mães catarinenses.

De idades entre 4 e 7 anos, Bernardo Pabst da Cunha, Bernardo Cunha Machado, Larissa Maia Toldo e Enzo Barbosa tinham em comum o fato de serem filhos únicos e de terem sido todos "muito desejados pelos pais", relatam pessoas próximas. Outras quatro crianças feridas no ataque precisaram ser hospitalizadas e tiveram alta médica.

Uma mãe e um menina estão de costas de mão dadas diante da fachada de uma escola com a fachada tomada de buquês de flores.
Escola Cantinho Bom Pastor, alvo de ataque com quatro mortes na quarta-feira, recebeu flores e velas em homenagem às vítimas. - Bruno Santos/ Folhapress

Janaina de Oliveira Tavares, próxima da família de Bernardo Pabst da Cunha, 4, conta que o menino de quatro anos "era um milagre na vida" do casal, os pais Jenniffer e Paulo.

"Eles ficaram uns dez anos tentando engravidar. Ele foi muito esperado e era muito amado mesmo", disse ela, à Folha.

"Era uma criança muito alegre. Gostava muito de super-heróis", disse ela, ao lembrar que Bernardo estava vestido com a roupa do seu personagem predileto, o Homem-Aranha, na despedida desta quinta –o corpo foi enterrado no cemitério São José no final da manhã, onde também foram sepultados os corpos de Larissa e do seu xará.

Em homenagem a Bernardo, alguns familiares e amigos também compareceram ao velório do menino com roupas de super-heróis. Ele foi descrito como uma criança meiga, simpática e alegre. Era fã também de dinossauros, do personagem de videogame Sonic e do Vasco da Gama, mesmo time do pai.

Bernardo Pabst da Cunha, 4 anos - Rede social

Bernardo Cunha Machado, 5, foi outro muito aguardado pelos pais, Neide e Bruno, que estavam cercados de amigos no velório. Neide Cunha coordena programas federais no âmbito da secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Blumenau e, segundo uma amiga que estava no velório, a gravidez do menino foi algo muito esperado.

Abalada, a mãe não conseguiu falar com a imprensa.

Pai do menino, o cabo da Marinha Bruno Machado, foi às lágrimas em frente à creche, na quarta-feira, ao contar que horas antes havia chegado ao local com o filho saltitando, imitando um coelho de Páscoa.

Por causa da profissão do pai, Bernardo era apaixonado pelo universo marinho, como barcos e animais. Tinha, por exemplo, uma tartaruga de pelúcia e se orgulhava de ter apreendido a soletrar o nome do animal.

Diversos oficiais da Marinha compareceram ao velório e entregaram uma bandeira nacional ao colega e à mãe de Bernardo.

Bernardo Cunha Machado, 5 anos - Janaína da Cunha no Facebook

A menina Larissa Maia Toldo, 7, estava na creche Cantinho Bom Pastor na manhã do atentado por uma casualidade.

Estudante do segundo ano do ensino fundamental da Escola Alberto Stein, ela costumava frequentar a creche, localizada a 500 metros dali, para realizar atividades extracurriculares no contraturno. Na quarta-feira, a escola não funcionou em razão de uma reunião pedagógica do corpo docente, e Larissa foi para a creche mais cedo.

Larissa Maria Toldo, 7 anos - Rede social

Moradores que não conheciam pessoalmente as famílias foram até o velório acompanhar a despedida. Na frente da creche, pessoas também chegam a todo momento, inclusive de bairros distantes, para fazerem homenagens, levando velas e mensagens.

Coroas de flores que tinham sido entregues nas capelas que abrigaram os velórios das crianças também foram depois levadas até a entrada da creche.

O corpo de Enzo Marchesin Barbosa, 4, foi o único enterrado em outro cemitério, no Salto Norte. O menino havia sido adotado pelo casal Samira Valeriano Barbosa e Carina Marchesin, ao final de 2021. As duas tinham tatuagens nos braços com a data da adoção, junto a um triângulo rodeado de flores.

No aniversário de Enzo, em maio de 2022, Carina publicou em seu Instagram: "Meses atrás era apenas um sonho, hoje se torna realidade. Que você permaneça sempre com esse sorriso no rosto, as mães vão fazer de tudo para isso".

A chegada de Enzo à família veio em meio a outro desafio: em janeiro do ano passado, Samira começou o tratamento de um câncer no ovário. Os perfis dela e de Carina compartilham fotos sorridentes da família ao longo do tratamento.

Nesta quinta-feira, Carina e Samira postaram uma foto do filho com um sorriso tímido e um texto se dirigindo ao menino: "Você tinha entendido que veio para ficar e que aqui é sua casa e que nunca mais sairia dela" e "daí de cima você vai estar ajudando em todas batalhas".

O texto termina com a frase: "Te amamos muito, esse 1 ano e 4 meses foi o melhor de nossas vidas".

Menino com o cabelo arrepiado sorri tímido
Enzo Marchesin Barbosa, 4 anos - Foto: @cahmarchesini no Instagram

Outras quatro crianças que ficaram feridas com o ataque à creche deixaram o Hospital Santo Antônio e já estão em casa.

"Todas as crianças passaram por exames e avaliação médica. A equipe médica constatou que um dos pacientes apresenta uma lesão na mandíbula, que será tratada ambulatorialmente", informa a nota do hospital.

Também nesta quinta, o autor do ataque teve a prisão em flagrante convertida em preventiva (sem prazo) pela Justiça, após manifestações do Ministério Público e da Defensoria Pública —até aqui, responsável pela defesa dele.

Conforme a decisão, a prisão se justifica pela "manutenção da ordem pública e da reta aplicação da lei penal". Por envolver crianças nos autos, cuja identidade é protegida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o processo tramitará sob sigilo na 2ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau.

O ataque ocorreu na manhã de quarta. Segundo as investigações, Luiz Henrique de Lima, 25, chegou à escola em uma moto, pulou o muro e golpeou as vítimas aleatoriamente. Ao perceber que as professoras correram para proteger as demais crianças, ele tentou fugir pulando novamente o muro. Em seguida, se entregou.

O autor não tem aparentemente nenhuma ligação com a creche, conforme a apuração. A motivação para o ataque ainda é investigada, mas, para a polícia, trata-se de um "caso isolado", não conectado a outros atentados e não coordenado.

A Polícia Civil aponta até agora para quatro crimes de homicídio qualificado por motivo fútil, emprego de meio cruel, sem possibilidade de defesa e contra menor de 14 anos, além de quatro crimes de tentativa de homicídio, com as mesmas qualificadoras, em relação às crianças que ficaram feridas.

A pena para o homicídio simples é de 6 a 20 anos de reclusão, além de multa. Com circunstâncias qualificadoras, a pena pode aumentar de 12 a 30 anos de reclusão.

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