Descrição de chapéu Quilombos do Brasil

Entenda o papel da Fundação Palmares para os quilombos do Brasil

Ex-chefes da instituição comentam a história e os desafios da nova gestão, sob comando de João Jorge Rodrigues

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São Paulo

Protagonista de algumas das crises institucionais mais famosas dos últimos anos, a Fundação Cultural Palmares é responsável por promover e preservar valores culturais, históricos e sociais da influência negra na sociedade brasileira.

Não à toa, faz referência ao extinto Quilombo dos Palmares, comunidade que abrigou alguns dos maiores nomes da luta abolicionista do país, como Zumbi, Dandara e Ganga Zumba.

um idoso negro olha para a câmera
Carlos Alves Moura, o primeiro presidente da Fundação Palmares, em 3 de março de 2023 - Pedro Ladeira/Folhapress

"A fundação nasceu de uma reivindicação do movimento negro", afirma o advogado Carlos Alves Moura, primeiro presidente da instituição. "Queríamos proporcionar conhecimento da nossa identidade cultural, política, existencial, enfim, de tudo o que somos a partir dos povos africanos."

O surgimento da fundação, em 1988, veio quando o Brasil completou cem anos da abolição da escravatura. Apesar da efeméride remeter à emancipação negra, as sequelas do regime seguiam —e seguem— latentes no país, o que, segundo Moura, fez da instituição uma importante ferramenta contra o racismo.

Em 1988, houve ainda a promulgação da nova Constituição federal. Pela primeira vez, o documento garantia aos quilombolas o direito à posse territorial, lei que, desde 2001, está relacionada a uma das principais atribuições da Palmares.

"No início, a Fundação era responsável por titular terras dos remanescentes dos quilombos, junto com o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Hoje, faz o reconhecimento deles, do ponto de vista histórico e antropológico", diz Moura.

Vinculada ao Ministério da Cultura, a instituição é responsável pela certificação de terras quilombolas, ou seja, por emitir a certidão que reconhece oficialmente um quilombo.

Formados no período colonial, os quilombos surgiram com escravizados que, em fuga, conceberam suas próprias sociedades. Com o tempo, o conceito se expandiu e englobou comunidades de resistência negra fundadas no período pós-abolição.

Existem mais de 6.000 povos brasileiros que se reconhecem como quilombolas, mas a maioria não tem suas terras tituladas.

Segundo Eloi Ferreira de Araújo, também ex-presidente da Palmares, a titulação é uma política de reparação histórica e uma possibilidade de frear a tensão fundiária que predomina em grande parte desses territórios. É urgente, ele afirma, acelerar o processo de titulação, que, em vários casos, leva anos até ser concluído.

A fundação é responsável pela primeira etapa do processo —a certificação da comunidade. Para isso, exige três documentos: uma ata de reunião sobre a autodeclaração daquele povo, ou em caso de associação já formalizada, uma ata de assembleia sobre a certificação solicitada; um relato sobre a história e as tradições culturais do grupo; e um requerimento de certidão enviado à presidência da instituição.

Com isso, o órgão analisa o pedido e, se achar necessário, solicita outras informações, ou faz visitas à comunidade.

Além da certificação, a fundação tem ações como a Bolsa Permanência, que auxilia financeiramente universitários quilombolas, e uma ação de distribuição de alimentos a comunidades em situação de insegurança nutricional.

Há também uma área online de denúncias de crimes praticados contra quilombolas. A Palmares deve tomar providências e auxiliar o denunciante.

A fundação tem ainda iniciativas culturais como o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, fundado em 2007. "Ali é um lugar simbólico. Precisa ser preservado", afirma Araújo. "É um museu a céu aberto."

O ponto turístico remonta ambientes da comunidade Palmares —como as casas de farinha, de ervas e de culto religioso— e traz mirantes paradisíacos, apresentações culturais e pratos da cozinha afro-brasileira.

Foi na gestão de Joel Rufino dos Santos, entre os anos de 1994 e 1996, que a fundação se aproximou dos quilombos. Santos já afirmou que a decisão havia sido, na época, mal recebida pelo Ministério da Cultura, então chefiado por Francisco Weffort.

Mas essa não seria a primeira vez que a Palmares teria incomodado a pasta cultural. Carlos Alves Moura diz que enfrentou grande resistência parlamentar —da direita, do centro e da esquerda— para fundar a instituição.

"Diziam que não havia necessidade. Que era preciso focar nos mais pobres para resolver o racismo", diz ele.

Com o passar do tempo, as críticas à fundação deixaram de questionar sua importância. Nos últimos anos, porém, uma crise se alastrou pelos seus corredores, com várias demissões, corte no orçamento, órgãos extintos e acusações de assédio moral, discriminação e perseguição ideológica.

homem negro de terno
Sérgio Camargo, então presidente da Fundação Cultural Palmares, em 6 de maio de 2020 - Pedro Ladeira/Folhapress

Nomeado por Jair Bolsonaro (PL), o jornalista Sérgio Camargo presidiu a instituição entre 2019 e 2022, sob uma enxurrada de polêmicas. Crítico ferrenho do movimento negro, ele removeu quase 30 nomes da lista de homenageados da casa, extinguiu o Comitê Gestor do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, censurou obras literárias do acervo interno e até sugeriu que o nome Palmares fosse trocado por Princesa Isabel, em referência à monarca branca que assinou a Lei Áurea, de 1888.

Em março de 2022, Camargo deixou o cargo, em meio a acusações de assédio moral, discriminação e perseguição ideológica contra funcionários da instituição. A reportagem entrou em contato com ele, mas não teve retorno.

Agora, militantes antirracistas exigem que o novo presidente da instituição, João Jorge, reaproxime a entidade de sua essência.

Segundo Iêda Leal, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, é urgente que a fundação se dedique às análises de certificação que estão paralisadas há meses ou anos.

"Que a Palmares possa se reerguer desta tempestade", afirma. "Ela é a guardiã das memórias do povo negro deste país."

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

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