Descrição de chapéu Dias Melhores refugiados

Projeto para refugiados em SP já fez mais de 2.300 atendimentos médicos gratuitos

Iniciativa é conduzida por médicos de ascendência árabe, com consultas realizadas no Hcor

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São Paulo

A afegã Hashemi Shilla estava entre os refugiados que aguardavam pelo atendimento do projeto Saha Brasil no quinto andar do Hcor (Hospital do Coração) no último sábado de fevereiro.

Ela chegou sozinha a São Paulo seis meses atrás e até agora não encontrou emprego —sua procura tem ido muito além da enfermagem, sua área de formação. Sem dinheiro para pagar aluguel, pediu para se hospedar em uma mesquita em Guarulhos.

A médica dermatologista Samira Yarak durante atendimento a uma refugiada síria que vive na cidade de São Paulo; em 2022, o projeto Saha Brasil, que funciona no Hcor (Hospital do Coração), promoveu 690 atendimentos - Eduardo Knapp - 27.fev.2023/Folhapress

Não bastasse a dificuldade financeira, existe o entrave do idioma no caminho dessa muçulmana de 31 anos. As línguas mais comuns no Afeganistão são o pashto e o dari (versão afegã do persa). "O português é muito difícil para mim", conta.

Naquela manhã de 25 de fevereiro, as falas e os gestos da enfermeira expunham um contraste: de um lado, o relato angustiante das condições adversas na vida brasileira; do outro, uma certa serenidade demonstrada ao lado de pessoas que já conhecia naquele ambiente hospitalar. Com hipotireoidismo, Shilla estava no Hcor pela terceira vez.

Ela foi uma das cerca de 40 pessoas —entre mulheres, homens e crianças— examinadas e ouvidas naquele dia pelos profissionais da Associação Médica Líbano-Brasileira (AMLB) como parte do projeto beneficente Saha Brasil. Nas duas salas de espera, ouvia-se o árabe falado por famílias de sírios, o espanhol com acento venezuelano, o português de Angola, o inglês da Nigéria, entre outras línguas.

O Saha (saúde, em árabe) nasceu em maio de 2018 a partir de uma iniciativa do oncologista Riad Younes, um dos integrantes ilustres dos mais de 600 membros da AMLB. Aqui, aliás, vale um adendo: embora tenha Líbano no nome, a entidade também tem médicos de origens síria, palestina, entre outras. O que pesa mesmo são as raízes árabes.

"A associação foi fundada em 1997 e vivia num estado de dormência. Havia jantares e reuniões, mas nenhum objetivo, nenhum projeto do ponto de vista social que estivesse consolidado", lembra o cirurgião Renato Samy Assad, presidente da AMLB quando o Saha foi lançado.

Desde então, foram mais de 2.300 atendimentos, sempre voltados para refugiados e sempre gratuitos. O projeto passou por duas casas ao longo desse período: no primeiro ano, o hospital Oswaldo Cruz; desde meados de 2019, as consultas acontecem no Hcor durante uma manhã de sábado a cada duas semanas.

De acordo com Walid El Andere, atual presidente da AMLB, o atendimento proporcionado pelo Saha é, em geral, secundário, ou seja, os pacientes já passaram por uma primeira avaliação, normalmente em UBSs (unidades básicas de saúde).

Segundo ele, o tempo e a capacidade de acolhimento estão entre as razões para que o projeto seja bem avaliado pelos pacientes. "As consultas são mais longas do que no SUS, há tempo pra gente conversar, não vamos direto ao assunto", afirma. "Além disso, o fato de cumprimentar o paciente na língua dele muda tudo. Há muitos médicos da equipe que falam árabe, francês, inglês, espanhol."

O ginecologista Julio Elito Jr. atende a angolana Joana Zeton como parte do projeto Saha Brasil, que funciona no Hcor (Hospital do Coração), em São Paulo; as consultas, que acontecem aos sábados, a cada duas semanas, são sempre gratuitas - Eduardo Knapp - 27.fev.2023/Folhapress

Surgem, porém, situações como a da afegã Hashemi Shilla, cujos idiomas nenhum médico da AMBL domina (43 nacionalidades já passaram pelo Saha). Em ocasiões assim, a associação conta com o apoio das ONGs, que cedem seus tradutores. No caso de Shilla, Shirin Saraeian era quem vertia o persa para o português e vice-versa.

O Saha recebe refugiados ligados a pelo menos dez ONGs paulistas, mas o cadastro para as consultas é feito por apenas um delas, a Compassiva, por meio do endereço assistentesocial@compassiva.org.br.

No dia em que a reportagem acompanhou o projeto, a angolana Joana Zeton estava ali pela primeira vez e aguardava para ser atendida por uma ginecologista. Ao lado dela, na sala de espera, o sírio Samir al Kayal conversava com seus dois filhos. O pai e os meninos estavam no Saha pela quarta vez, já que Ahmad, um dos garotos, precisa de acompanhamento constante de cardiologistas e pediatras.

São dez especialidades conduzidas por cerca de 35 médicos, que atuam no projeto de forma constante. Ortopedia, ginecologia, cardiologia e endocrinologia encabeçam a lista das áreas mais procuradas. Além disso, há uma equipe de dentistas, coordenada por Rada El Achkar.

Graças ao apoio da Associação Beneficente Síria Hcor, sob a presidência de Vera Lucia Chaccur Chadad, o Saha tem hoje oito salas de consulta à disposição. Segundo El Andere, o objetivo é dobrar essa capacidade a fim de oferecer outras especialidades, como psiquiatria, e reduzir a fila de espera no caso das áreas já existentes.

Em meio ao clima de amizade entre os médicos, que não raro tratam um ao outro como "habib", o Saha Brasil se fortalece. Uma boa notícia para os pacientes.

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