Sírios e libaneses no Brasil se mobilizam para ajudar vítimas do terremoto

Em meio às celebrações da imigração árabe neste dia 25 de março, comunidades se unem para auxiliar famílias afetadas pelo desastre de fevereiro no Oriente Médio

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São Paulo

Em 5 de fevereiro, a comunidade síria de São Paulo se reuniu na Catedral Ortodoxa Antioquina para a missa de Santo Elian, um de seus padroeiros. A festa culminou, mais tarde, em café e doces árabes, servidos no salão social dessa igreja.

O contraste com o dia seguinte foi imenso. Em 6 de fevereiro, aquela mesma comunidade só falava —descrente— sobre o terremoto que tinha acabado de devastar o norte da Síria e o sul da Turquia, deixando ao menos 56 mil mortos nos dois países.

Cores da Síria são projetadas no Cristo Redentor, em fevereiro deste ano, como um tributo às vítimas do terremoto que afetou as populações turca e síria - Lucas Landau - 16.fev.2023/Reuters

Desde então, entidades sírias têm se coordenado para arrecadar ajuda humanitária para a população afetada na sua terra de origem. Organizações libanesas se uniram a elas. Afinal, esses dois grupos chegaram juntos ao Brasil há mais de um século.

A imigração árabe para o Brasil é celebrada todo dia 25 de março, data escolhida por causa da rua 25 de Março, no centro de São Paulo, onde tantos deles foram morar e trabalhar. Neste ano, as comemorações coincidiram com a campanha de arrecadação Juntos pela Síria.

As doações, feitas em dinheiro, foram concentradas na Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. O time de 19 entidades já comprou 3,2 toneladas de alimentos desidratados, 1,1 tonelada de medicamentos e 2 máquinas de purificação de água.

"Apesar de estarmos aqui há tanto tempo, guardamos vínculos com nossos países de origem e existe um sentimento de pertencimento", diz Osmar Chohfi, presidente da câmara. Ele é filho do sírio Michel Chohfi e da brasileira de origem síria Olga Abud Chohfi. Foi secretário-geral do Itamaraty e liderou a embaixada em Quito.

"O terremoto na Síria ecoou na comunidade, assim como a explosão no porto de Beirute", diz Chohfi, citando o acidente que em agosto de 2020 destruiu parte da capital libanesa, causando ao menos 218 mortes e um prejuízo de quase R$ 80 bilhões.

O fato de entidades sírias e libanesas terem participado, juntas, da campanha de arrecadação é simbólico. Dá conta de que, apesar das divisões internas, os sírios e os libaneses podem se articular como um só grupo, agregado pela cultura e história.

É emblemático também que haja entre as entidades doadoras representantes de diversas crenças. Ajudaram a arrecadar fundos, por exemplo, a Arquidiocese Ortodoxa, a Fambras (Federação das Associações Muçulmanas do Brasil) e o Lar Druzo Brasileiro. "Existe uma fraternidade muito grande entre nós", diz Chohfi.

As doações devem ser entregues para o governo brasileiro, que, por sua vez, vai providenciar o transporte aéreo para a embaixada em Beirute e, dali, o deslocamento terrestre para a Síria. O destinatário é o Crescente Vermelho da Síria, que vai fazer a distribuição. A lista de remédios foi fornecida pelo governo sírio.

Os árabes começaram a imigrar para o Brasil na virada do século 19 para o 20. Saíam do leste do mar Mediterrâneo, da região conhecida como Levante, que àquela época era parte do Império Otomano, razão pela qual ficaram conhecidos como "turcos".

A Síria e o Líbano só surgiram depois como Estados. Com o tempo, as identidades nacionais de "sírio", "libanês" e "sírio-libanês" apareceram. Havia também, entre esses imigrantes de fala árabe, palestinos, jordanianos e egípcios.

Eles se espalharam por todo o território nacional. Ficaram conhecidos, em particular, pelas lojinhas na rua 25 de Março, em São Paulo, e na rua da Alfândega, no Rio de Janeiro. Mas não foi só no comércio que se destacaram. Desde meados do século 20, por exemplo, rumaram à medicina, talento que foi mais tarde consolidado no Hospital Sírio-Libanês, uma das referências na América Latina.

Outro sucesso óbvio se deu na política. Não só o ex-presidente Michel Temer tem origem levantina como diversos outros nomes que circulam por Brasília, incluindo os de Fernando Haddad, Guilherme Boulos e Simone Tebet. No passado, o maior símbolo da intersecção entre imigração árabe e política brasileira foi Paulo Maluf.

Como parte das celebrações da imigração árabe para o Brasil, a comunidade se reuniu na terça-feira (21) na avenida Paulista para inaugurar a exposição "140+ Anos da Presença Libanesa no Brasil".

A mostra, no espaço cultural do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073), conta a história da visita de d. Pedro 2º ao Oriente Médio no final do século 19. A exibição vai até 16 de abril, com entrada gratuita.

Nos últimos anos, têm surgido diversos projetos semelhantes, em paralelo a um aumento de interesse nessa história, inclusive da comunidade acadêmica.

A Câmara tem uma parceria com a Universidade do Santo Espírito de Kaslik, no Líbano, para a digitalização de jornais, revistas e livros publicados pelos árabes no Brasil. É uma literatura rica, em língua árabe, ainda desconhecida pelos brasileiros.

Recentemente, o artista brasileiro Kleber Pagú produziu uma obra de arte em homenagem aos árabes na fachada do Edifício Garagem Automática Senador, no centro histórico de São Paulo, região atrelada aos sírios e libaneses. O prédio era propriedade de Zaki Dib, um imigrante da cidade síria de Homs. A instalação teve patrocínio da Câmara, da Fambras e do CDIAL.

O arabesco ocupa apenas uma das quatro fachadas do prédio. A equipe busca agora patrocínio para concluir o projeto, que chamam de Monumento da Imigração Árabe. A ideia é dar destaque às contribuições dos povos árabes à civilização e, em particular, ao Brasil.

Entidades doadoras

  • Arquidiocese Ortodoxa
  • Associação Beneficente A Mão Branca
  • Associação Beneficente Síria - Hcor
  • Associação Beneficente Sírio-Libanesa
  • Associação Cedro do Líbano
  • Associação Médica Líbano-Brasileira
  • Câmara de Comércio Árabe-Brasileira
  • Câmara de Comércio Brasil-Líbano
  • Club Homs
  • Clube Atlético Monte Líbano
  • Esporte Clube Sírio
  • Fambras - Federação das Associações Muçulmanas do Brasil
  • Hospital Sírio-Libanês
  • Instituto Kanoun de Direito Comparado Brasil-Líbano
  • Lar Druzo Brasileiro
  • Lar Sírio
  • Mesquita Brasil
  • Sociedade Antioquina do Brasil
  • CDIAL

Região de Raouche em Beirute, no Líbano - Lalo de Almeida -8.fev.2017/Folhapress

A imigração árabe para o Brasil

Entenda melhor a jornada de sírios e libaneses

Números

Entre 1880 e 1969, cerca de 140 mil árabes —na maioria sírios e libaneses— foram para o Brasil. É a maior comunidade árabe fora do Oriente Médio. As estimativas variam muito, sugerindo que há entre 7 e 12 milhões de descendentes.

Motivação

Havia muitas razões para deixar o Levante. Entre elas, a crise do mercado da seda, que estava na base de sua economia. Havia também desgaste com as autoridades otomanas. Em resumo, buscavam uma vida melhor em um país bastante promissor.

Trabalho

Os árabes ficaram conhecidos pelo comércio. Foram caixeiros-viajantes e abriram lojinhas em lugares como a paulista rua 25 de Março e a carioca rua da Alfândega. Mas eles trabalharam também em outros setores, inclusive na economia do café.

Contribuição

Há hoje descendentes de sírios e libaneses em todos os campos. Na política, são conhecidos os nomes de Michel Temer, Fernando Haddad, Paulo Maluf, Jandira Feghali, Simone Tebet e Guilherme Boulos. Todos eles têm origem no Levante.

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