Líbano acorda com 2 fusos horários, o muçulmano e o cristão

Primeiro-ministro interino, Najib Mikati, adiou o início do horário de verão no país, decisão boicotada por setores cristãos e empresas

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Beirute (Líbano) | Reuters

Uma disputa entre autoridades políticas e religiosas devido ao horário de verão fez o Líbano acordar com dois fusos horários no domingo (26).

Na quinta-feira (23), o primeiro-ministro interino, Najib Mikati, decidiu não iniciar o horário especial no último fim de semana de março, como geralmente acontece, e sim no dia 20 de abril.

Embora o premiê não tenha apresentado justificativas, a decisão foi vista como uma concessão aos muçulmanos, já que não entrar no horário de verão permitirá àqueles que cumprem o mês sagrado do Ramadã quebrar seus jejuns por volta das 18h em vez das 19h.

Torres com relógios perto do palácio do governo em Beirute, no Líbano - Mohamed Azakir - 27.mar.23/Reuters

A confusão aconteceu porque diferentes organizações anunciaram que não acatariam a decisão. A Igreja Maronita do Líbano, a maior entre as cristãs do país, decidiu aderir ao horário de verão, alegando que não houve consultas por parte do governo. Outras organizações cristãs, partidos e colégios tomaram o mesmo caminho.

Por outro lado, instituições e partidos muçulmanos pareciam decididos a não mexer em seus relógios, em um cenário que mostra as profundas divisões do país, abalado por uma guerra civil entre 1975 e 1990.

Dois dos principais canais de notícias do Líbano, a LBCI e a MTV, estão entre as empresas que decidiram boicotar a decisão e entrar no horário de verão. "O Líbano não é uma ilha", disse a LBCI em comunicado.

Há ainda quem tenha optado por uma espécie de meio-termo. A Middle East Airlines, companhia aérea do Líbano, afirmou que seus relógios seguiriam a decisão do premiê, mas que seus voos seriam ajustados para se adequar aos padrões internacionais, que entraram no horário de verão. As estatais de telecomunicações sugeriram aos clientes acertar a hora em seus dispositivos caso os relógios tivessem sido adiantados automaticamente.

Mikati, um muçulmano sunita, anunciou a decisão após se reunir com o presidente do Parlamento libanês, o muçulmano xiita Nabih Berri, que insistiu na mudança, de acordo com um vídeo da reunião publicado pela emissora local Al-Jadeed.

Durante a reunião, o premiê respondeu que o pedido não era viável porque causaria diversos problemas, inclusive na programação dos voos. Mais tarde, porém, anunciou a decisão de adiar o horário de verão. Seu gabinete afirmou no sábado (25) que a decisão foi um "procedimento puramente administrativo".

Em contrapartida, o ministro interino da Justiça, o cristão Henry Khoury, pediu em um comunicado também no sábado que a mudança fosse revertida, na primeira objeção do primeiro escalão do governo. Ele afirmou que a decisão "violou o princípio da legitimidade" e causou divisões na sociedade libanesa em um momento no qual as crises se acumulam.

Houve desvalorização de 95% da moeda do país em relação ao dólar, e a dívida libanesa supera 150% do seu PIB (Produto Interno Bruto). Parte expressiva da população tem sido levada para baixo da linha da pobreza.

A confusão dos fusos horários afeta, evidentemente, o cotidiano dos libaneses. No sábado, um jornalista da agência de notícias Reuters ouviu um cliente de um café perguntar se o estabelecimento seguiria o relógio cristão ou o muçulmano a partir do dia seguinte.

No Twitter, usuários compartilhavam uma composição antiga do famoso músico libanês Ziad Rahbani. "A cada ano, você adianta o relógio uma hora e nos atrasa 10 anos", diz ele, dirigindo-se aos políticos do país. "Você deve prestar atenção aos anos também, não apenas à hora."

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