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Revisão do Plano Diretor mantém regra que levou mais moradia a bairros caros de SP

Só 6% das novas habitações surgiram nos distritos onde imóveis são mais baratos

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São Paulo

Em quase uma década, o atual Plano Diretor de São Paulo produziu efeitos desiguais quanto à oferta de moradia na cidade. Se, por um lado, a lei de 2014 atingiu a meta de estimular o mercado a fazer prédios residenciais nas áreas onde há mais transporte público, por outro, concentrou o adensamento imobiliário nas regiões mais caras da cidade.

Os 25% dos distritos com metro quadrado mais valorizados tiveram crescimento de 46,6% de novas habitações no período. Na mesma proporção, os mais baratos apresentaram aumento de 5,6%, segundo levantamento da Folha com base no cruzamento de dados do IPTU com os valores médios das áreas comercializadas onde há eixos com estações de metrô, trem ou corredores de ônibus.

Vista aérea mostra avenida e ferrovia ao centro, cercadas por casas e prédios baicos de ambos os lados
Na avenida dr. Assis Ribeiro, no entorno da estação da CPTM Engenheiro Goulart, em Cangaíba (zona leste), presença do eixo de transporte não resultou em verticalização - Zanone Fraissat/Folhapress

Especialistas em urbanismo atribuem essa distorção à falta de calibragem dos incentivos oferecidos pelo plano, algo que não foi alterado durante o processo de revisão que deverá ser concluído pela Câmara nesta segunda (26). O principal estímulo, que é a liberação para construir o máximo possível em um terreno, continuará a ser aplicado igualmente nos eixos localizados em toda a cidade.

"Se a vantagem é a mesma, o mercado vai disputar só o filé-mignon", afirma Bianca Tavolari, coordenadora do Núcleo de Questões Urbanas do Insper. "Acaba faltando produção habitacional para quem não tem renda suficiente para morar nas regiões mais valorizadas", completa.

Cumprindo a sua estratégia de orientar como a cidade deve crescer, o Plano Diretor de 2014 permitiu a construção de prédios sem limite de altura nos eixos de transporte. Além disso, aceitou que a área construída em relação ao terreno fosse duas vezes maior nesses locais. Concedeu ainda ampliação de 50% da permissão para edificar, caso a parte acrescida ao empreendimento fosse voltada à população de menor renda.

Todos esses benefícios potencializam o lucro das construtoras, pois o preço do terreno e os gastos com a construção ficam mais diluídos quando o número de apartamentos ofertados em um prédio é maior.

Essa vantagem fica ainda maior porque o Plano Diretor deu uma isenção às construtoras que produzissem HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação de Mercado Popular), como são chamadas as unidades destinadas a famílias com renda de zero a seis e de seis a dez salários mínimos, respectivamente. Empreendimentos para essas categorias não pagam a taxa cobrada pelo município quando se constrói mais do que a área do terreno, a outorga onerosa.

A diferença do plano vigente para o revisado é que o novo permitirá construir ainda mais em todas as regiões onde há eixos de transporte. A desigualdade na produção habitacional, considerando essa lógica, poderá crescer.

Ex-vereador e relator do Plano Diretor de 2014, o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Nabil Bonduki afirma que, embora as principais regras sejam iguais, alguns dos fatores que compõem a outorga onerosa são mais vantajosos para se construir nas áreas que carecem de produção habitacional.

"Não é verdade que os estímulos são iguais para toda a cidade, mas se a crítica é de que eles foram insuficientes para desenvolver algumas regiões, é exatamente para isso que deveria servir a revisão", diz Bonduki.

Para quem constrói, porém, o que mais importa é o potencial de aproveitamento do terreno, segundo Claudio Bernardes, vice-presidente do Secovi-SP, entidade que representa o mercado imobiliário paulista. E isso é igual em todos os eixos. "Outras coisas [como a outorga], quando somadas, até fazem alguma diferença, mas o que conta mesmo é o quanto dá para construir", explica.

Bernardes defende a concentração dos lançamentos em áreas mais estruturadas. "O mercado busca essas áreas porque as pessoas querem morar onde há mais infraestrutura e empregos", diz. "Para desenvolver outras regiões é preciso pensar em como torná-las mais interessantes para os moradores", afirma.

Algumas das distorções produzidas pelo Plano Diretor seriam corrigidas se a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a Câmara Municipal tivessem acatado durante a revisão recorrentes sugestões para a criação de planos específicos para os bairros, afirma a urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo.

Lacreta explica que o Plano Diretor de 2002, da gestão Marta Suplicy, remetia à regra de zoneamento que estabelecia diferentes estoques de potencial construtivo para a cidade. "Havia um limite de adensamento previsto para cada região", diz.

Ideia que foi retirada das legislações urbanísticas seguintes porque agentes do mercado alegavam dificuldade de adequação do setor à complexidade da regra, segundo Lacreta. "Os empresários se queixavam que dava muito trabalho", afirma a urbanista. "Eles não queriam controle."

Relator da atual revisão do Plano Diretor, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) alega que a diferenciação dos estímulos nos eixos está um passo além do permitido nesta etapa. "A revisão precisa respeitar a ideia central do plano, não podemos mudar tudo", afirma o vereador.

A Secretaria de Urbanismo e Licenciamento da Prefeitura de São Paulo diagnosticou a concentração de novos imóveis em bairros nobres no estudo que fez sobre o crescimento da cidade entre 2014 e 2021.

"Cerca de 55% da produção imobiliária ocorreu na Macroárea de Urbanização Consolidada, onde se localizam bairros como Pinheiros, Butantã, Vila Mariana e Vila Madalena, e há grande heterogeneidade na distribuição e forma dos empreendimentos nessas regiões", disse a secretaria, em nota.

Diante disso, durante o processo de revisão no Executivo, técnicos da prefeitura estudaram mudar um dos fatores da outorga onerosa para buscar equilíbrio na distribuição de empregos e moradias no município, informou a administração.

"No entanto, ao final do processo revisional pela prefeitura, o Executivo entendeu que os fatores estabelecidos em 2014 permaneciam adequados", informou a secretaria.

A prefeitura também afirmou que não comentará as decisões da Câmara sobre o Plano Diretor.

Sapopemba tem disparada da atividade imobiliária com acesso ao metrô

Investimentos em transporte de massa em regiões mais afastadas podem reverter a lógica de concentração da atividade imobiliária onde o preço é mais alto, indicam os dados de crescimento habitacional em Sapopemba, na zona leste. Apesar de figurar no grupo das regiões mais baratas, o distrito representou 3% do crescimento de novas habitações na cidade na vigência do Plano Diretor de 2014.

Foi a partir de 2015 que teve início a operação do monotrilho da Linha Prata, criando uma conexão mais rápida com as linhas de metrô que dão acesso a polos geradores de emprego como as avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima.

O índice de Sapopemba chegou perto do atingido por bairros valorizados, como o Tatuapé (3,9%), também na zona leste. No topo da lista, Vila Mariana, Saúde (ambos na zona sul) e Pinheiros (zona oeste) acumularam, respectivamente, 7,9%, 6,2% e 6,1%, da produção habitacional.

Em alguns bairros consolidados, como a Vila Mariana, a atividade imobiliária é muito superior à da cidade. O bairro fica à frente dos demais, portanto, mesmo que não tenha ocorrido crescimento no número de novas habitações na comparação com o período anterior a 2014.

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