Brasil tem 10,1 milhões passando fome, diz ONU

Número de pessoas com fome diminuiu, enquanto insegurança alimentar aumentou e atinge um terço da população do país

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São Paulo

Cerca de 10,1 milhões de brasileiros passaram fome no período de 2020 a 2022, uma redução em relação aos anos interiores. Ao mesmo tempo, porém, o percentual de pessoas que sofrem insegurança alimentar no país aumentou nos últimos anos e atingiu 70,3 milhões de pessoas —um terço da população.

No mundo, os números chegam a 735 milhões com fome e 2,4 bilhões em insegurança alimentar, no ano passado.

As informações foram publicadas nesta quarta-feira (12) no relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, feito por cinco agências da ONU (Organização das Nações Unidas). Segundo a organização, a fome é caracterizada pela desnutrição crônica.

foto mostra panelas vazias, mulher, da qual não vemos o rosto, segura os utensílios
Moradora de Maceió (AL), mostra panelas vazias; fome atinge 10,1 milhões de brasileiros, segundo ONU - Itawi Albuquerque - 14.set.22/Folhapress

As pessoas que passam fome no mundo são quase 10% de toda a população, com 122 milhões a mais do que em 2019, antes da pandemia.

No Brasil, a prevalência da insegurança alimentar severa no país passou de 1,9% entre 2014 e 2016 para 9,9% entre 2020 e 2022 —o que representa 21 milhões de habitantes. Já o total de pessoas que passam fome entre os períodos caiu de 6,5% (12,1 milhões de pessoas) para 4,7% (10,1 milhões).

O relatório não traz os dados de 2019 do país para esse indicador específico.

A pesquisa da ONU se baseia na Escala de Experiência de Insegurança Alimentar, medida por um questionário sobre acesso a comida, e considera duas categorias além da fome: insegurança alimentar moderada ou grave. Vale ressaltar que a fome não é um estágio da insegurança alimentar, mas um indicador separado.

A insegurança alimentar severa, segundo o relatório da ONU, é caracterizada pela falta de comida que gera a ocorrência de um ou mais dias sem comer, com riscos à saúde e ao bem-estar. A moderada, por sua vez, se verifica na redução da qualidade e da quantidade dos alimentos consumidos, além de uma incerteza sobre o acesso a comida.

O estudo pode, por isso, apresentar números e indicadores diferentes do que os feitos no Brasil. Na metodologia do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por exemplo, o que faz a insegurança alimentar passar de moderada a grave (considerada fome) é a extensão do impacto às crianças.

Segundo o relatório, o número de pessoas passando fome no mundo ficou estável entre 2021 e 2022, mas ainda é superior ao período anterior à pandemia de Covid-19, com 9,2% da população mundial atingida no ano passado contra 7,9% em 2019.

Houve progresso na redução da fome entre 2021 e 2022, segundo o documento, em regiões da Ásia e da América Latina, mas a situação piorou no Caribe, no oeste asiático e em todas as regiões da África, que tem uma a cada cindo pessoas passando fome no planeta.

As projeções apontam que 600 milhões vão sofrer com a fome em 2030 no mundo. Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o FIDA (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola), o Unicef (fundo para a infância), a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Programa Mundial de Alimentos, isso ameaça o sucesso do objetivo de desenvolvimento sustentável de zerar a fome até o fim da década.

Os dados também indicam problemas no desenvolvimento de crianças. Cerca de 148 milhões delas com menos de cinco anos, quase um quarto do total, apresentaram atraso no crescimento. No Brasil, a prevalência aumentou de 6,3% para 7,2% entre 2012 e 2022.

"A insegurança alimentar na primeira infância pode levar a impactos negativos duradouros, que vão afetar aquela pessoa para o resto da vida", diz Stephanie Amaral, oficial de saúde do Unicef Brasil.

Francisco Menezes, consultor de políticas da ActionAid e ex-presidente do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), segue na mesma linha, apesar da queda do indicador de fome. "A desnutrição nessa faixa, acentuadamente de 0 a 2 anos, traz sequelas definitivas, comprometendo capacidade física e cognitiva."

Parte das políticas para enfrentar o problema está em políticas de transferência de renda, segundo Stephanie, e outra, no fortalecimento de programas que reforcem a alimentação escolar.

"O Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar] é muito bonito na escrita, mas na prática não vem funcionando bem, porque sofreu cortes. Mas, para muitas crianças, é a oportunidade de ter alimentação de qualidade todos os dias. Às vezes, a única refeição."

O componente racial também complica os efeitos para minorias. Outras pesquisas, como a segunda edição do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, mostram que a fome atingiu o dobro de lares chefiados por pessoas negras na comparação com aqueles liderados por brancos, com efeitos mais nocivos entre mulheres negras.

Para Menezes, da ActionAid, uma das organizações que executou o inquérito, políticas públicas mais eficazes precisam aumentar a precisão sobre seu público-alvo.

"É interessante, por exemplo, usar o Cadastro Único [CadÚnico], mas precisamos ir além e entender as necessidades dessas pessoas. Por exemplo: se revelamos que a população negra tem uma presença elevada em relação a pobreza e insegurança, isso precisa ser considerado", afirma o especialista.

O agravamento nos últimos anos, diz ele, pode ser amenizado em 2023. "Mas não acho que será o suficiente para contrabalançar os outros anos" afirma.

"Aproveito a ocasião para ressaltar que é preciso, sim, um esforço para sair do Mapa da Fome, mas essa saída precisa ser mais permanente. Saímos em 2014 e, entre 2017 e 2018, já era previsto que voltaríamos."

Segundo o Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, 18,52 milhões de famílias deixaram a linha da pobreza por meio do Bolsa Família, relançado pelo governo Lula (PT) em março.

"O país sofreu muito nos últimos três anos pela falta de cuidado e atenção com os mais pobres", disse, em nota, o ministro Wellington Dias (PT).

Entre as metas da pasta, o governo pretende tirar o Brasil do Mapa da Fome até 2030, reduzir a extrema pobreza e fortalecer a produção de alimentos saudáveis.

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