Prefeitura de SP investiga três mortes suspeitas por uso de droga K9

Consumo da substância está concentrado em bairros da zona leste da capital paulista

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo investiga três mortes suspeitas de terem sido causadas pelo consumo da droga K9. O primeiro óbito ocorreu no início de maio, e os demais nas últimas duas semanas de junho —a Secretaria de Saúde não forneceu mais informações sobre o perfil das vítimas.

Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), as mortes são investigadas pelo IML (Instituto Médico Legal) e aguardam resultado laboratorial para confirmar a presença da substância.

Em comum são pacientes que deram entrada em equipamentos da rede municipal de saúde com sintomas de intoxicação e relatos de consumo de K9.

Mão de usuário de droga K9
Mão de usuário de droga K9 que mora na zona norte de São Paulo, segunda área de São Paulo com maior incidência de casos de intoxicação por canabinoides sintéticos - Zanone Fraissat - 17.mai.23/Folhapress

Em maio, foi firmada uma parceria entre município, governo federal e Ciatox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica, ligado à Unicamp) para estabelecer um sistema de testagem para casos suspeitos de uso do K9.

Desde o início deste ano, a cidade registrou 464 casos suspeitos de intoxicação por canabinoides sintéticos, termo técnico para K9, que também é chamada de K2 e spice. Ao longo de todo ano passado foram registrados 99 casos. Os números se referem a atendimentos em equipamentos de saúde públicos e privados.

Os dados apontam que a zona leste de São Paulo concentrou a maioria dos registros este ano, com 265 casos (57,1% do total).

A Vila Jacuí, distrito às margens da avenida Jacu-Pêssego e vizinho de São Miguel Paulista, lidera com 108 casos (23,3%). Em seguida, estão Itaquera com 49 casos (10,6%) e Cidade Tiradentes com 23 casos (5%).

Em comum, esses bairros estão localizados na periferia da capital paulista onde a população de jovens em situação de vulnerabilidade é maior. Nesses locais, uma porção de K9 é vendida por R$ 2,50 a R$ 10.

"Não podemos dizer que não há consumo de K9 em bairros ricos, mas, por ser uma droga barata e de fácil circulação, acaba atraindo os jovens com menor poder aquisitivo", diz Wagner Laguna, psicólogo e assessor técnico da Divisão de Saúde Mental da Coordenadoria de Atenção Básica.

A forma mais consumida do canabinoide sintético na cidade é a que imita um cigarro de maconha em que tabaco ou ervas são borrifados com a substância psicoativa disponibilizada em meio líquido. Por essa semelhança a droga passou a ser comercializada como uma "super maconha", apesar de não ter as mesmas substâncias psicoativas da Cannabis sativa.

A única semelhança é que os canabinoides sintéticos agem nos mesmos receptores do cérebro que o THC, a substância psicoativa da maconha. Criadas em laboratórios para a fabricação de medicamentos, essas fórmulas circulam como substância proibida no Brasil desde 2014, quando ocorreram as primeiras apreensões em presídios.

Outra explicação para a zona leste figurar como a região da cidade com maior incidência de casos de intoxicação por K9 é a maior frequência de notificações feitas pelos equipamentos de saúde, segundo o técnico em saúde mental da Coordenadoria de Atenção Básica. "As equipes de saúde nas periferias estão mais atentas à droga", diz Laguna.

O motivo, segundo ele, foi a publicação de uma nota técnica em abril que orientou os técnicos atendem o público infantojuvenil na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do município.

Assim, o Programa Municipal de Prevenção e Controle das Intoxicações do município começou a monitorar o consumo da droga de forma detalhada há cerca de oito semanas, quando os boletins epidemiológicos passaram a ser publicados. Entre maio e junho, os registros subiram 83,3%.

De acordo com as publicações, o público que mais consome a droga são homens (81,3%) pardos (55,3%) com idade entre 20 e 39 anos (59,6%). A maior parte tem o ensino médio incompleto (27,3%).

O ambiente externo foi o local de uso da droga declarado com mais frequência, 52,2%, entre os usuários que deram entrada em equipamentos municipais de saúde, seguido pela própria casa, 27,8%.


ENTENDA AS DROGAS K

O que são?
É a forma popular como ficaram conhecidos os canabinoides sintéticos, criados para estudos farmacológicos que buscavam entender o sistema endocanabinoide e o próprio mecanismo de ação no cérebro do THC, princípio psicoativo da maconha. Pesquisadores e a indústria farmacêutica buscam análogos sintéticos ao THC desde 1960, principalmente, para desenvolver novos analgésicos.

Do que são feitas?
No formato mais consumido, é dissolvido em acetona ou etanol é borrifado em ervas para imitar o aspecto de folhas secas de maconha. Além disso, várias outras substâncias, como conservantes e drogas ansiolíticas e estimulantes, podem estar presentes.

Por que não se trata de 'maconha sintética'?
A maconha é derivada da planta Cannabis sativa que produz os fitocanabinoides, entre eles, o THC e o canabidiol (CBD). As "drogas K" são produzidas a partir de canabinoides sintéticos e atuam nos mesmos receptores que a substância psicoativa THC.

Quais os efeitos?
Usuários relatam estado de torpor imediato e muitos dizem "apagar" após o consumo. Os efeitos já observados no organismo são: psicose, paranoia, alucinação, alteração de humor com irritabilidade, agressividade, desorientação, ansiedade, ataques de pânico, tremores, espasmos musculares e convulsão, transpiração intensa, queimação nos olhos, perda de percepção de tempo, sedação, dor no peito, taquicardia, bradicardia, hipertensão, hiperventilação, dormência e formigamento, náuseas, vômitos, ressecamento da boca, entre outros. Muitos dos sintomas da intoxicação aguda tendem a desaparecer duas horas após o consumo da droga e pouco se sabe ainda sobre os sintomas mais persistentes.

A droga causa dependência?
Sim, as drogas K podem causar tolerância, sendo necessárias doses cada vez mais elevadas para obter o efeito psicoativo, e, com isso, há aumento de chances de desenvolvimento de dependência.

Fontes: biomédico Eric Barioni e Sociedade Brasileira de Toxicologia

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