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Instituto usa esporte para formar jovens líderes no Maranhão

Atividades como futebol e skate são ligadas a discussões sobre concentração de renda e igualdade de gênero

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São Paulo

Usar um par de chinelos para fazer a trave do gol é algo quase intuitivo para a molecada brasileira, que, se também não tiver uma bola de futebol, improvisa embolando o que encontrar pela frente: meias, papel ou até folhas de bananeira.

A brincadeira está garantida, mas ela pode ir além. E se essa turma, enquanto brinca, aprender a se respeitar e a jogar de forma ética e entender que as Havaianas no lugar da trave podem representar a escassez, assim como a abundância de criatividade?

Monitor ajuda menina de cerca de seis anos a andar de skate; ela está descalça em cima do equipamento e usa capacete e cotoveleira
Crianças durante atividades no Instituto Formação, projeto que promove ações de esportes e cidadania para crianças e jovens no Maranhão - Matheus Soares/Folhapress

É essa a filosofia do Instituto Formação, uma organização não governamental que atua em municípios da Baixada Maranhense, em que a pobreza da população contrasta com as riquezas naturais da região, conhecida como o "Pantanal do Maranhão".

Há pouco mais de duas décadas, o instituto deu início à instalação de Fóruns da Juventude em dez cidades da baixada. Nesses locais, os jovens se reúnem para desenvolver projetos e atividades de acordo com as necessidades da comunidade.

Em um deles, por exemplo, na cidade de São João Batista, os jovens construíram uma sala de cinema, a única da Baixada Maranhense. Em Palmeirândia, o grupo investe em teatro, dança e música, montando apresentações que abordam questões da realidade da região, como o problema dos latifúndios e da concentração de terra e de capital.

Diane Pereira Sousa, que sempre adorou jogar futebol, tinha 17 anos quando começou a frequentar oficinas de esporte do instituto em sua cidade. "Durante muito tempo, eu só jogava bola no projeto, não me preocupava com mais nada", conta ela à Folha. "Mas, com a bola, veio toda a formação de cidadania que me transformou."

Diane nasceu em São Bento, uma cidade com pouco mais de 45 mil habitantes, na Baixada Maranhense. Foi criada pela avó paterna, desde que o pai e a mãe se separaram, quando ela tinha dois anos. Sua mãe foi trabalhar como empregada doméstica na capital, São Luís, a 300 km de sua cidade, e o pai formou outra família.

"Vivíamos em um ambiente extremamente pobre, minha avó fazia redes para vender e, com isso, criar seus dez filhos e mais dois netos", conta Diane. "Ela era analfabeta e queria muito que eu estudasse, até porque eu era muito inquieta, sempre fui questionadora", diz. "Além da escola, a minha avó me enfiava em tudo o que surgia na cidade, curso de fanfarra, coral e até de bombeiro mirim", lembra ela, rindo.

Quando Diane tinha 18 anos, o Instituto Formação a convidou para participar de um intercâmbio na Alemanha, para a troca de experiências do esporte como ferramenta de inclusão social. "Eu me encontrei com jovens de muitos países, como Ruanda e África do Sul. Eu não sabia falar inglês, nada, só maranhês", conta.

Quando Diane retornou do intercâmbio, foi chamada para integrar a equipe de monitoria do instituto e desenvolver projetos. Criou, então, a Escola de Mediação, com o objetivo de transformar jovens em lideranças por meio do esporte e da cidadania.

"Funciona assim: nós chegamos a uma comunidade e mapeamos os movimentos e grupos da juventude daquele local", explica. "Com esses jovens, construímos os projetos", diz. Tanto os encontros iniciais como as atividades que surgem a partir deles podem acontecer "em qualquer lugar que esteja disponível". "Em uma sala da escola, na cozinha da casa de alguém, debaixo de um cajueiro. É só sentar junto e conversar."

Essa ideia de trabalhar com os recursos disponíveis é também central no programa, batizado Incubadora de Esportes e Cidadania. "Não dá para depender de verbas para tudo, nós temos que buscar soluções sustentáveis, mobilizando ideias, talentos e materiais que estejam disponíveis naquelas comunidades", diz. "E os moradores têm que ser preparados para seguir com o projeto quando nós vamos embora."

Entre os projetos já desenvolvidos está a quadra móvel, um kit com duas pequenas traves de gol e lonas que delimitam o espaço para os jogos. É fácil de carregar e pode ser instalado em qualquer terreno. O projeto foi patrocinado pela Sony para ser replicado em comunidades pobres do Brasil e de outros países, além de ter sido exposto no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, durante a Copa de 2014.

Tem também o Pernas Pra Que Te Quero, que organiza atividades de atletismo em comunidades quilombolas. O Olimpíadas do Brincar ao Jogar busca espaços ociosos em escolas que podem ser ocupados com jogos e brincadeiras e aproveita as atividades para formar jovens líderes. No Manobra com Educação, meninas ocupam ruas, praças e outros espaços para praticar o skate e o bicicross, enquanto aprendem sobre equidade de gênero, democracia e antirracismo, entre outros temas.

Muitas das lideranças atuais desses programas foram atendidas por eles quando crianças ou adolescentes. É o caso de Diane. Hoje com 30 anos, ela atua como diretora de projetos do instituto. Formada em direito, possui mestrado em direitos humanos, interculturalidade e desenvolvimento e foi reconhecida em 2018 como empreendedora social pela Ashoka, rede internacional de empreendedorismo social.

Diane continua jogando futebol, como quando era criança. Só que agora as ideias criativas para conseguir bola, traves e o que mais for preciso parecem infinitas.

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