Jardineiros autônomos perdem serviço após concessão de cemitérios de SP

Profissionais e empresas competem por clientes em meio a incerteza sobre renovação de licença; concessionárias dizem manter diálogo

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São Paulo

Jardineiros autônomos que atuam nos cemitérios públicos de São Paulo têm perdido trabalho desde que o Serviço Funerário foi concedido à iniciativa privada. Os profissionais afirmam que passaram a disputar clientes com as concessionárias, resultando em perda de renda e insegurança sobre futuro.

"Por mês eu costumava fazer uns quatro ou cinco jardins, mas desde que trocou a administração quase não peguei serviço novo", diz Edna Maria da Silva, 51, que trabalha há 27 anos no cemitério do Lajeado, na zona leste, instalando gramados em túmulos e produzindo lápides personalizadas.

Ela conta que o Grupo Maya, responsável pela gestão da unidade, tem concentrado a maior parte do serviço, que é negociado no momento em que a família contrata o sepultamento. "Sobraram só os clientes que eu já tinha e me pagam pra fazer limpeza e manutenção dos túmulos, mas isso dá só uns R$ 700 por mês. A maior parte da minha renda foi embora", disse a mãe solteira.

Lápides com a logomarca do Grupo Maya no cemitério da Saudade, na zona leste; jardineiros autônomos que há décadas atuam nos cemitérios públicos da capital vêm perdendo trabalho após concessão do Serviço Funerário - Rubens Cavallari/Folhapress

Procurado, o Grupo Maya disse que apenas acompanha e fiscaliza o trabalho dos jardineiros licenciados e que tem autorização para oferecer produtos como placas e lápides e serviços de jardinagem e zeladoria aos clientes.

Desde o último mês de março, quatro empresas do ramo funerário assumiram a operação dos 22 cemitérios municipais de São Paulo. O contrato de concessão estabelece que serviços de jardinagem podem ser oferecidos como fonte de receita extra pelas concessionárias, mas autônomos também estão autorizados a trabalhar nos espaços.

Segundo a prefeitura, 455 profissionais autônomos estão devidamente credenciados para trabalhar nos cemitérios da capital. A licença tem validade até 31 de dezembro e, embora a gestão municipal afirme que há perspectiva de renovação no ano que vem, a categoria trabalha em meio à incerteza.

"Funcionários das concessionárias estão orientando famílias a não contratarem nosso serviço, dizendo que não vamos continuar no ano que vem. Isso aconteceu em cemitérios de todas as empresas", afirma Adson Carlos, 34, secretário da Atac (Associação dos Trabalhadores Autônomos nos Cemitérios de São Paulo). Segundo ele, a maior parte dos jardineiros atua no ramo há mais de 20 anos e não tem fonte alternativa de renda —a estimativa é que os profissionais tiveram em média 70% dos ganhos comprometidos.

Um jardineiro que atua no cemitério da Saudade, na zona leste, disse sob condição de anonimato que além de concentrar o serviço o Grupo Maya cobra valores mais altos que os praticados por autônomos.

A mesma conduta foi relatada por uma profissional que atua no cemitério Dom Bosco, na zona norte. A profissional, que preferiu não ser identificada por medo de retaliações, disse que tem trabalhado sob pressão, já que funcionários da empresa Cortel, responsável pela administração da unidade, têm orientado famílias a não contratarem os serviços de autônomos.

Na semana passada, a administração do Cemitério São Pedro, da empresa Velar SP, chegou a emitir comunicado interno dizendo que estaria "vedada a abordagem das famílias para oferecimento de serviços e produtos". A concessionária ainda distribuiu a famílias uma orientação por escrito para que contratassem seus serviços de jardinagem.

Segundo Carlos, após mobilização, a empresa se reuniu com os trabalhadores autônomos e se comprometeu a não mais oferecer o serviço próprio, mas intermediar a contratação dos autônomos.

"Esse modelo sugerido pela Velar se torna interessante, pois mantém os trabalhadores, mas não é ideal. O melhor seria uma cooperativa ou nossa associação fazer esse contato com o familiar e se for o caso pagar uma taxa por usar o espaço deles", disse o secretário da Atac.

Interior do cemitério da Saudade, na zona leste, tem restos de lápides e entulho jogados no chão. Cemitério é administrado pelo Grupo Maya desde março. - Rubens Cavallari/Folhapress

Procurada, a empresa disse que mantém relação respeitosa e profissional com os jardineiros e confirmou que está em contato com a associação que os representa para estabelecer parceria. "Já estão sendo discutidas as premissas para um acordo de cooperação que, em breve, poderá ser formalizado", disse a Velar SP por meio de nota.

Procurada, a concessionária Cortel disse que mantém diálogo com os jardineiros e que aguarda definições da SP Regula (órgão responsável pela gestão contratual de concessão) sobre tratamento aos prestadores de serviço após prazo da autorização.

Entre as quatro concessionárias, a Consolare foi a única que disse não concorrer com profissionais autônomos nos cemitérios que administra, embora não descarte fazê-lo no futuro.

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