Juiz anula escuta de números inoperantes usada pela polícia do RJ em investigação

Defesa de réu aponta suspeita de fraude no sistema de gravações da Polícia Civil, que afirma que responderá à Justiça

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Rio de Janeiro

"Como foi possível extrair informações de dois números desativados?", indagou o juiz Marco José Mattos Couto, da 1ª Vara Criminal de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, na decisão em que tornou nula, no dia 4, parte de uma interceptação telefônica feita pela Polícia Civil em investigação sobre tráfico de drogas.

As gravações de voz e SMS de dois aparelhos telefônicos pelo sistema Guardião da polícia tinham autorização judicial. No entanto, a companhia telefônica explicou, após pedido da defesa, que ambos os terminais estavam inoperantes no período em que a polícia aponta ter captado, por intermédio deles, provas que embasaram a denúncia contra um dos réus.

Cabine policial na Cidade de Deus.Réu por tráfico de drogas na comunidade teve parte da interceptação telefônica anulada - Ricardo Moraes - 16.fev.2018/Reuters

À Justiça, em um primeiro momento, a polícia respondeu que houve uma falha. A Promotoria, por sua vez, acatou a explicação de equívoco dos policiais. Mas a resposta não convenceu o magistrado, que declarou nula a interceptação telefônica.

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil disse que "recebeu demanda da Justiça e responderá dentro do prazo estipulado". "Vale ressaltar que a Sepol (Secretaria de Polícia Civil) não faz juízo de valor sobre decisões judiciais, limitando-se a cumpri-las", declarou.

O sistema Guardião foi adquirido em 2007 pela extinta Secretaria de Segurança Pública e é capaz de gravar conversas telefônicas de alvos interceptados.

Naquele mesmo ano, na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Escutas Telefônicas Ilegais, na Câmara dos Deputados, os diretores de empresas telefônicas explicaram que a interceptação telefônica é feita pela companhia a partir de uma ordem judicial.

Essa interceptação é realizada pela empresa telefônica com um software chamado Vigia. O programa desvia a ligação para a autoridade que tenha solicitado a escuta e memoriza somente os números que participaram da conversa, assim como sua duração e localização geográfica.

O Vigia, que não tem acesso ao áudio da conversa, transfere as ligações para o Guardião, operado pelos policiais, que funciona como uma espécie de gravador de voz. O policial, então, em seu relatório de inquérito, registra o que ouviu na gravação e quais telefones foram utilizados.

Para defender o réu Deilson Ribeiro Silva, apontado como um dos chefes do tráfico da Cidade de Deus, na zona oeste do Rio, o advogado criminalista Igor de Carvalho solicitou à operadora uma cópia dos números que foram desviados ao Guardião.

O documento apontou que dois telefones que constavam na escuta estavam desabilitados no momento em que o Guardião afirma ter feito as gravações. Com base nisso, em sua ação, Carvalho afirmou que houve fraude no sistema operado pelos policiais.

Um agente explicou à reportagem que o sistema Guardião pode ser editado pelo usuário que faz o relatório policial, inclusive com a inserção de números de telefones. Mas o mesmo não é possível com o Vigia, que é de acesso somente da operadora telefônica. Assim, o sistema da operadora serve também para auditoria.

O processo segue sob sigilo. A reportagem teve acesso somente à decisão judicial. Procurado, a assessoria do Tribunal de Justiça informou que o juiz não poderia conceder entrevista, seguindo o disposto na Lei Orgânica da Magistratura.

Ainda em sua decisão, o juiz afirmou que não irá trancar os autos do processo já que "a interceptação telefônica, agora declarada nula, não consiste no único elemento probatório neles existente, de modo que a sentença será proferida com base nos demais elementos probatórios que não se relacionem à interceptação telefônica".

No documento, o juiz indica que o caso das escutas de aparelhos desativados deve ser investigado pelos órgãos com atribuição para "esclarecer se houve uma fraude propriamente dita ou algum equívoco capaz de encontrar uma justificativa razoável".

Investigação apurou avanço do tráfico para áreas de milícia

O processo que teve parte da interceptação anulada decorre de uma investigação de 2020. No dia 28 de julho daquele ano, policiais civis da 41ª DP (Tanque), juntamente com a Polícia Militar, tentavam identificar criminosos que estariam envolvidos em uma expansão da facção Comando Vermelho para regiões de milicianos.

Na ação, um policial militar e uma moradora morreram baleados, na Estrada da Covanca. Nessa operação, dois homens que pertenceriam ao tráfico deixaram cair um aparelho de telefone celular, além de dois cadernos de anotações contendo informações contábeis do tráfico de drogas e outros contatos telefônicos.

Com base nesses contatos, a delegacia solicitou as interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.

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