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Literatura, corrida de rua e música ajudam na ressocialização de presos

Iniciativas facilitam o convívio entre detentos e derrubam taxa de reincidência

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São Paulo

Uma série de projetos tem introduzido atividades esportivas e artísticas para ajudar na ressocialização de pessoas presas no Brasil.

Algumas dessas iniciativas têm conseguido, inclusive, diminuir a reincidência criminal. Dados divulgados em maio pelo Instituto Ação Pela Paz mostram que 84% dos beneficiados pelos projetos da entidade não voltaram a cometer crimes.

Imagem mostra grades. Ao fundo, o escritor Paulo Milhan está sentado sobre um colchonete posicionado no chão. Ele lê um livro
Paulo Milhan, 49, é escritor e possui seis livros publicados, três deles escritos enquanto estava dentro da prisão; imagem mostra trecho do filme "Prelúdio da Liberdade", que conta a história do autor - Divulgação/ViisionFilm

Para a advogada Adriana Nunes Martorelli, 57, esse tipo de ação ajuda a criar um ambiente de maior acolhimento para os presos. "O aprisionamento é um processo muito dolorido para todos os envolvidos. No momento em que a pessoa fica restrita, sua autonomia e capacidade de reflexão vão sendo eliminadas", diz ela, que tem experiência com projetos artísticos para mães presas com bebês.

Preso por três vezes sob suspeita de tráfico de drogas, Paulo Milhan, 49, começou a ter contato com a literatura em um desses projetos dentro da prisão.

Na ocasião, ele estava em uma penitenciária em Andradina (a 600 km de São Paulo) quando a unidade teve um concurso de poesias realizado pela Funap, entidade ligada ao governo paulista que atua na ressocialização de presos.

Milhan escreveu um poema, mas acabou não incluindo ele na disputa. "Mesmo assim, a poesia fez sucesso na prisão. Fiz um poema em homenagem a Jaqueline, por quem era apaixonado. Pude inspirar os outros a escreverem também."

Os versos foram base do seu primeiro livro, "Tarde Demais Para Acreditar No Amor" (2013). Hoje ele já escreveu outras quatro obras e vive da literatura, com uma editora própria. "Nunca pensei em escrever um livro. Achava que era algo de outro mundo", afirma.

Imagem mostra Eder Sabino, um homem negro, correndo na prova de rua Correndo Para Vencer 2023
O estudante de educação física Eder Sabino durante a corrida de rua Correndo Para Vencer 2023 - Jean Carlos Mariano Sobrinho - 26.mar.2023/Divulgação/Foco Radical

Em Vila Velha (ES), a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do estado também mantém projetos ligados ao esporte e à cultura. Idealizado pela juíza Patrícia Faroni, 50, o Correndo Para Vencer incentiva desde 2020 a prática de corridas de rua por detentos e egressos, o que contribui com a remição de pena.

"Fazemos treinos e trilhas internas. É acolhedor. Detentos, agentes penitenciários, policiais reformados correm juntos. Cria-se uma família e há sensação de pertencimento", diz. Os treinos ocorrem às segundas e quintas, e as saídas dos detentos para participar das corridas são autorizadas pela Justiça.

Os detentos passam por exames cardiológicos e físicos antes de entrar no projeto. Participam de corridas de rua do calendário esportivo estadual.

O custo de inscrições e materiais esportivos é coberto com doações. "As famílias também fazem camisas, faixas e ficam na linha de chegada para recepcionar os corredores", afirma Faroni. "Nenhum dos detentos voltou para uma unidade prisional ou a cometer delitos. O esporte traz benefícios físicos e sociais." A Vara de Execuções Penais estima que cerca de cem pessoas já passaram pelo projeto.

Em 26 de março, estreou a corrida de rua própria do projeto, a Correndo Para Vencer 2023. Eder Sabino, 40, e Severino Soares, 39, estão em regime semiaberto e participaram da competição. Os dois conseguiram bolsas para estudar educação física e farmácia, respectivamente, em uma universidade privada.

Sabino diz que correr ajudou na qualidade de vida e na reinserção social. "Sempre gostei de esporte e voltei a amá-lo, já que sou professor de capoeira. [O projeto me fez] ter contato com a natureza nos treinos e ver a vida de outra forma. Nunca imaginava que seria uma ponte para eu trabalhar nessa área", afirma.

Já Soares teve contato com o esporte por ter jogado futebol quando jovem. "Quando fui convidado, achava que não ia conseguir. Evoluí e peguei gosto. Hoje, sinto falta se não treino", diz ele.

Esse não é o único projeto comandado por Faroni. O Tocando em Frente trabalha uma banda de mesmo nome, composta por pessoas encarceradas.

O grupo musical é conhecido na comunidade de Vila Velha. Já se apresentou em formaturas e seminários em universidades e em congressos da OAB.

A Fundação Casa, de SP, é outra instituição com projetos voltados à ressocialização de menores infratores. Carlos Alberto Robles, 59, superintendente pedagógico da entidade, explica que há um calendário esportivo e artístico anual na instituição, com integração entre as áreas de educação física, cultura, ensino e educação profissional.

"Antes, a Fundação Casa se voltava muito a basquete, vôlei, futebol e handebol. Hoje, há também festivais de dança, competições de dama e xadrez, festival de skate, ginástica e basquete 3x3", afirma Robles. Em 4 de julho, foi feita uma competição feminina de futebol em alusão à Copa do Mundo da modalidade, disputada entre julho e agosto na Austrália e na Nova Zelândia.

Colaborou Lucas Monteiro, de Sorocaba (SP)

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