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Aldeia de MS é berço da primeira língua indígena de sinais oficial do Brasil

Língua Terena de Sinais (LTS) foi criada por mãe indígena para educar três filhos surdos

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Campo Grande

A aldeia Cachoeirinha, em Miranda (207 km de Campo Grande), é berço da primeira língua indígena de sinais oficializada no Brasil. Do quintal da casa de uma família terena em Mato Grosso do Sul, uma mãe preocupada com a educação de três filhos surdos recorreu à linguagem de gestos já comum na etnia terena para desenvolver um idioma próprio, diferente da Libras (Língua Brasileira de Sinais), oficial no país desde 2002.

A professora da etnia terena Ondina Antônio Miguel criou a LTS (Língua Terena de Sinais). Dos seus sete filhos, Elcio, 33, Everton, 26, e Maria Eliza, 24, são surdos.

Em 2017, a língua terena falada foi oficializada em Miranda. Em junho deste ano, uma lei sancionada pelo prefeito Fábio Florença (PDT) definiu a LTS como cooficial no município.

duas mulheres e um jovem indígena; ele usa camisa com dizeres: terceiro encontro dos terena surdos
A professora Ondina Antônio Miguel, da etnia terena de Mato Grosso do Sul, entre os filhos Elcio, 33, que é surdo, e Edmara - Álvaro Rezende/Governo de MS

A iniciativa de Ondina começou há 30 anos. Após três dias na escola da comunidade, o filho mais velho Elcio, então com sete anos, deixou de estudar por falta de profissional especializado.

A mãe, que não sabia Libras, decidiu elaborar uma língua de sinais a partir de palavras que já eram faladas na aldeia para que os filhos tivessem acesso à educação.

"Passei por muitos obstáculos junto aos meus filhos. Já passei frio e fome, e já chorei muito", diz. "Fui discriminada junto com eles e sei o quanto a sociedade tem um olhar preconceituoso contra eles, ainda e infelizmente, principalmente por eles serem surdos e indígenas."

Elcio concluiu ensino o médio em Campo Grande e hoje vive em Dourados (MS). Everton também se formou e mora com a mãe, e Maria Eliza se casou com outro surdo, com quem tem dois filhos na capital.

"Meu sonho é vê-los na universidade, eles são capazes e independentes. Eles falam através das mãos e ouvem com os olhos", diz a mãe, orgulhosa por conhecer quatro línguas (terena, português, LTS e Libras).

"Há anos a língua existe e é falada pela família, amigos e comunidade. Ela foi criada pela necessidade comunicacional e representa a força da mulher terena, de uma mãe que não desistiu que os filhos tivessem acesso ao estudo", diz Karina Orué, professora de apoio para surdos que acompanhou dois dos filhos de Ondina na escola estadual Caetano Pinto.

A professora e pesquisadora Priscilla Alyne Sumaio Soares, que ajudou a descrever a língua indígena de sinais, dá exemplos da diferença entre Libras e a LTS.

O sinal de "professor" em Libras, por exemplo, reproduz a letra P, em referência ao português —são dois dedos abertos, como em um V deitado, com mãos que balançam para o lado. Na LTS, a referência icônica são os óculos que um professor usava em uma escola indígena, que formam dois círculos com os dedos polegar e indicador, colocados sobre os olhos.

"Água" em Libras é em formato de L, com o indicador e o polegar encostado na boca, como o gesto de beber. Na LTS, a mesma palavra é representada com a mão em formato de um zero, dedos encostando no polegar, em contato com a boca, como segurando um copo.

De acordo com o Censo de 2022, há 8.866 indígenas em Miranda, 34,7% do total de habitantes, com 3.399 na aldeia Cachoeirinha.

O próximo passo é reconhecer a LTS como língua de instrução, para ser ensinada. A presidente do CEE (Conselho Estadual de Ensino) de MS, Celi Corrêa Neres, diz esperar a inclusão da LTS no rol de disciplinas em menos de 60 dias. "Criaremos uma norma política para oficializar a língua no âmbito do ensino estadual."

O MEC (Ministério da Educação) afirma que não há pedidos de oficialização de outras línguas de sinais, indígenas ou não. A pasta diz que coordena a política educacional nacional, mas esclarece que estados e municípios têm competência para definir uma série de normas, tais como a oferta de disciplinas em suas redes de ensino.

Presidente da ONG Ipedi (Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural), Denise Silva defende que o Brasil não é um país monolíngue, já que existem no território centenas de diferentes idiomas indígenas, de imigração, de fronteira e de sinais.

Para ela, a situação pela qual passou a família de Ondina reflete condições linguísticas vividas também por outros grupos, como imigrantes venezuelanos e haitianos ou moradores de zonas rurais, por exemplo.

No ano passado, a ONU (Organização das Nações Unidas) definiu o período entre 2022 e 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas. "Há cerca de 6.000 línguas faladas no mundo, com muitas ameaçadas de extinção devido a línguas majoritárias", afirma Silva.

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