Descrição de chapéu Dias Melhores

Padrinhos bancam atrações culturais para crianças órfãs em São Paulo

Programa do TJSP mira viabilizar lazer para 8.300 menores que vivem em casas de acolhimentos

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São Paulo

De olhos arregalados, Gabriel (nome fictício) explorava cada detalhe do teatro Sérgio Cardoso, na Bela Vista, centro de São Paulo. Aos sete anos, ele tem a esperança de se tornar ator.

Gabriel e dezenas de crianças e adolescentes que estão em casas de acolhimentos, afastados dos pais biológicos e algumas já na fila de adoção, vivenciaram naquela noite a rara chance de contemplar um espetáculo. No caso, Bob Esponja, o Musical.

Crianças se encantam com o musical do Bob Esponja no teatro Sérgio Cardoso
Crianças se encantam com o musical do Bob Esponja no teatro Sérgio Cardoso - Paulo Santana/TJSP

Um grande sucesso da Broadway e com megaprodução brasileira, a peça tem duração de duas horas e meia e o ingresso vai de R$ 75, meia-entrada para estudantes, professores da rede pública e maiores de 60 anos, a R$ 280. Valores inacessíveis para parte da população.

A ida ao teatro só foi possível graças ao programa ApadrinhARTE, lançado pelo TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em abril de 2022 e com objetivo de proporcionar aos mais de 8.300 meninos e meninas acolhidos no estado e internos da Fundação Casa acesso à cultura e ao lazer.

Pessoas físicas e jurídicas podem patrocinar ingressos, como também o meio de transporte e alimentação, para que crianças e adolescentes de todos os municípios paulistas vão, por exemplo, ao cinema, espetáculo de dança, exposição de arte, teatro, sarau e oficinas culturais.

Os padrinhos e madrinhas também podem oferecer cursos voltados às artes, como balé e de música, assim como bancar o material didático, se necessário.

Neste programa, os patrocinadores não precisam ter vínculos com os acolhidos e não há necessidade de passar por um processo de habilitação no Fórum. Agentes do TJ acompanham e supervisionam o passeio, enquanto os padrinhos só vão se quiser.

"Cultura no Brasil é visto como um luxo, e crianças e adolescentes de casas de acolhimentos, na vasta maioria, pertencem às classes sociais mais baixas, as camadas mais vulneráveis da população", afirma Iberê de Castro Dias, juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça na área da Infância e da Juventude.

O acesso, como destaca Dias, está previsto, inclusive, na Constituição Federal, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescentes) e na convenção internacional sobre os direitos da criança.

Segundo o artigo 215 da Constituição Federal de 1988, "o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais".

"Muitos nem sonham com a hipótese de ir ao teatro, não se enxergam pertencentes a esses ambientes, sendo que é um direito deles e deveria ser um passeio rotineiro", diz o juiz.

Uma das colegas de Gabriel na plateia, Laura, 14, disse que nunca havia ido ao teatro. Padrinho daquela noite, o designer de interiores Júlio César Rodrigues Braga, 44, foi adotado aos três meses de vida, assim como a sua irmã.

"Quando a gente descobriu, eu tinha 33 anos, minha mãe ia fazer uma cirurgia e nos contou. Continuam sendo minha mãe e meu pai, sou adotivo, ok. Mas, depois dessa informação, vou tentar ajudar essas crianças de alguma forma", conta Braga.

Há dez anos ele passou a apadrinhá-los e, em 2022, aderiu ao modelo cultural. "O sorriso e a gratidão das crianças são meus presentes. A felicidade de ver todo mundo nessa brincadeira, sorrindo, fazendo bagunça", afirma Braga.

Primeiro padrinho do programa, o advogado Evaristo Martins de Azevedo é especialista em direitos à arte e passou a incentivar os produtores culturais a aderir ao programa.

"As leis de incentivo cultural obrigam que um percentual de 10% dos ingressos sejam doados às pessoas de baixa renda. Eu junto essas pontas, resolve a obrigação do proponente do projeto e oferece cultura às crianças", afirma o advogado

Geralmente, os padrinhos priorizam eventos com leis de incentivos ou, quando não conseguem esta cota de entradas gratuitas, pedem descontos com a produção.

"Para arcar com os gastos, às vezes, um voluntário doa dinheiro ou a própria instituição [casa de acolhimento] arrecada", disse Braga.

Dados do TJ apontam que o ApadrinhARTE realizou 79 eventos, obteve 2.225 ingressos e tem entre seus padrinhos Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o Corinthians, além de bandas e companhias de teatro.

Andrea Lins dos Santos, assistente judiciária e quem acompanha as crianças e adolescentes nos eventos, fica entusiasmada com a reação do público a cada espetáculo.

"Eles ficam eufóricos, com os olhinhos brilhantes no teatro. Chegam a dizer, ‘tia, é gente de verdade’ e há quem fala que um dia quer estar no palco", afirma a funcionária do TJ. "Depois, eles vão discutindo a peça, relembrando e isso reverbera dentro da casa de acolhimento por semanas."

Andrea jamais se esquece das lágrimas de um menino de dois anos em um peça teatral sobre patins. "Era tanto encantamento que, quando ele voltou para o Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), falava a todo tempo deste espetáculo", recorda ela, emocionada.


Como participar do ApadrinhARTE

Pessoas e empresas interessadas devem enviar e-mail para apadrinharte@tjsp.jus.br, indicando:

  • Nome do interessado ou empresa

  • Responsável e telefone de contato

  • Evento/curso que pretendem oferecer

  • Região ou cidade do evento/curso

  • Quantidade de ingressos/vagas disponíveis

  • A equipe do Programa ou da Vara da Infância mais próxima entrará em contato.

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