Programa de moradia para sem-teto será ampliado em SP em meio a resistência de vizinhos

Prefeitura quer abrir duas unidades da Vila Reencontro ainda neste ano e mais 11, distantes do centro, em 2024

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São Paulo

Principal resposta da gestão Ricardo Nunes (MDB) ao aumento da população em situação de rua em São Paulo, o programa Vila Reencontro, que oferece moradia temporária a famílias com crianças, vai ser ampliado com duas novas unidades até o fim do ano, no Pari (centro) e em Santo Amaro (zona sul). A prefeitura também tem projetos em andamento para a criação de mais 11 vilas em 2024, a maioria em bairros distantes do centro.

Lançado no início do ano, o projeto tem hoje duas unidades em funcionamento, no Canindé e no Anhangabaú, ambas com capacidade para atender 40 famílias ao mesmo tempo. Os equipamentos são compostos por casas modulares de 18m² organizadas em vilas. Segundo a prefeitura, 28 famílias já conseguiram "saída qualificada" do programa —com autonomia econômica e alternativa de moradia.

Apesar de avaliado como "promissor" pela atual gestão, o programa, ainda no início, tem enfrentado resistência de vizinhos. A criação de novas vilas já foi motivo de abaixo-assinados, manifestações e até boatos de que os equipamentos levariam a cracolândia para os bairros em que são implementados.

Crianças brincam na primeira unidade da Vila Reecontro, na avenida Cruzeiro do Sul. Equipamento oferece moradia temporária a famílias em situação de rua. - Danilo Verpa - 25.jan.2023/Folhapress

A próxima Vila Reencontro vai ficar no Pari, na região central da capital, e será a maior do programa, com capacidade para atender até 100 famílias. O local onde serão instaladas as casas modulares, com previsão de abertura ainda em setembro, fica em uma área pouco povoada do bairro, a cerca de 200 metros de distância da marginal do rio Tietê.

O terreno está localizado ao lado do Shopping D, centro comercial que firmou parceria com a prefeitura para oferecer capacitação aos futuros moradores. Vizinhos do bairro, porém, receberam a notícia com apreensão e chegaram a pedir que a prefeitura reconsiderasse os planos, alegando risco à segurança.

Segundo o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social Carlos Bezerra Júnior, que esteve reunido com representantes da comunidade, não há nenhum indicador que associe o projeto ao aumento da criminalidade.

"Os dois principais obstáculos que a gente tem para ampliar o programa são a dificuldade para encontrar terrenos públicos e o preconceito, fortalecido muitas vezes por pessoas oportunistas que lançam boatos mentirosos e falam as piores coisas das pessoas em situação de rua", afirma o secretário.

A gestão municipal enfrenta a mesma resistência na região de Santo Amaro, na zona sul, onde já existe uma vila com obras avançadas e inauguração prevista para outubro. Em agosto, Bezerra chegou a gravar um vídeo no local dizendo que vizinhos estavam xingando e atirando objetos nas equipes.

"Nós estamos buscando formas de diálogo, mas até o presente momento a gente ainda enfrenta barreiras fortíssimas de muito preconceito", disse o secretário.

Um abaixo-assinado virtual lançado em abril reuniu cerca de 700 assinaturas pedindo a proibição da Vila Reencontro no bairro, citando como justificativa a falta de uma consulta pública à população. Segundo a presidente do Conseg de Santo Amaro, Luciana Vieira, moradores a procuraram relatando apreensão com o projeto e buscando alguma forma de barrá-lo, influenciados por desinformação que circulou na internet. Mas a maioria, segundo ela, já se conformou.

A Vila Reencontro de Santo Amaro será a primeira fora do centro da cidade, região que reúne a maior parte dos sem-teto da capital –40% estão na Subprefeitura Sé, de acordo com o último censo da população de rua, lançado em 2021.

De acordo com a prefeitura, o bairro é considerado adequado para o programa pois concentra número significativo de famílias morando nas ruas, perfil considerado prioritário para a atual gestão.

"O que o último censo nos mostrou é que o grupo [de sem-teto] que mais aumentou, que teve um crescimento de 111% em dois anos, foi o de pessoas que relataram ter vínculos familiares com alguém que está em situação de rua. Ou seja, esse aumento foi no número de famílias. Então nós fizemos uma escolha prioritária", disse Bezerra.

A ampliação do programa no ano que vem deve seguir essa mesma lógica. A prefeitura quer dar início ainda neste mês às obras de uma nova vila em Guaianases, na zona leste, e tem projetos em fase final para a implementação de outras cinco unidades —entre elas duas no Jabaquara (zona sul) e uma em Itaquera (zona leste).

Há ainda estudos em diferentes regiões da cidade para selecionar terrenos onde serão construídas outras cinco vilas. A expectativa do secretário responsável é que, concluída essa etapa, a cidade terá condições de atender a todas as famílias em situação de rua (cerca de 5.000 pessoas).

Nesta terça (19), a gestão Nunes abriu licitação para contratar 1.050 módulos para a construção das casas que serão instaladas no ano que vem. O valor estimado da contratação é de R$ 145 milhões. O pregão será realizado no dia 2 de outubro.

A economista Silvia Maria Schor, professora da USP e coordenadora do Centro de Estudos sobre População em Situação de Rua da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), avalia que o Vila Reencontro teve um bom começo e tem oferecido condições satisfatórias de habitação, ainda que para poucas famílias. "É um projeto de moradia transitória. A ideia é que as famílias se reinsiram enquanto estiverem lá", pondera.

Nesse sentido, a pesquisadora diz acreditar que a localização das novas unidades pode prejudicar os resultados do programa. "O ideal seria todo mundo na área central, porque você tem maior possibilidade de geração de emprego, inclusive empregos temporários ou em mercado informal. Há mais oportunidades na área central do que nas periferias", acrescentou Schor.

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