Vila para sem-teto em SP tem horários controlados e visitas proibidas

Restrição foi pedida por moradores, diz gestora contratada pela prefeitura para casas provisórias; modelo internacional prevê mais autonomia

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São Paulo

De pé na cozinha da casa modular de 18 m², Stefanie do Nascimento, 18, lembra do dia que soube que iria deixar o abrigo da prefeitura para morar numa recém-inaugurada vila de moradias provisórias. "Fiquei feliz porque poderia finalmente pedir pizza", lembra. "Antes, não tinha endereço nem geladeira."

Moradora do módulo 8 da Vila Reencontro com a mãe e a irmã mais nova, Stefanie passou por cinco endereços em três anos desde que se mudou de Salvador com a família. A mãe, Jacira Santos do Nascimento, 40, chegou a São Paulo para trabalhar em um restaurante e descobriu que a vaga tinha sido fechada por causa da pandemia. Desde então, ela e as duas filhas já passaram por ocupações e abrigos.

Casal carrega carinho de bebê ao passar pela Vila; ao fundo, aparecem casas padronizadas
Moradores da Vila Reecontro no Canindé, centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

A família é uma das selecionadas para ocupar o endereço construído para abrigar moradores de rua por até 24 meses no bairro do Canindé, no centro de São Paulo.

Apesar de finalmente ter acesso a uma cozinha, equipada com fogão e geladeira, além de endereço com número da unidade para cadastrar no aplicativo de entregas, Jacira e as filhas, assim como todos os moradores da Vila Reencontro, obedecem a regras típicas de centros de acolhida. Elas não podem, por exemplo, receber visitas e têm que pedir uma autorização especial para entrar e sair da vila fora do horário permitido.

Anunciada pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) como uma "iniciativa inspirada no modelo internacional housing first" (moradia primeiro, na tradução direta), a Vila Reencontro não confere autonomia total aos ocupantes, um dos princípios do conceito.

O modelo foi criado na década de 1990 nos Estados Unidos e é considerado um avanço nas políticas públicas para os sem-teto a partir da ideia de que é preciso, primeiro, oferecer moradia a quem vive nas ruas e, depois, acesso a educação e trabalho.

Além disso, o modelo inverte a lógica de que a habitação definitiva só é conquistada após passar por diversas etapas dentro do sistema tradicional de assistência social.

Nesse sentido, o regime deve diferente dos de abrigos, para que as pessoa sigam uma rotina mais próxima possível de uma vida domiciliada e autônoma, como dormir e acordar na hora que escolher e cozinhar as próprias refeições.

Na Vila Reencontro, as refeições são servidas em marmitas prontas. Há uma cozinha comunitária onde serão organizados cursos de culinária, segundo o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra.

"Temos grupos com variados graus de autonomia, por isso, é preciso construir um regimento de regras compactuadas entre todos", afirma.

As regras de convivência são definidas pelos próprios moradores. A mediação é feita por uma entidade internacional contratada pela administração municipal e que geriu o centro de acolhida de imigrantes venezuelanos em Boa Vista, criado durante a crise imigratória iniciada em 2017.

De acordo com Eliceli Bonan, gerente da Avsi Brasil, a restrição das visitas foi um pedido dos moradores que estão aguardando adaptações na portaria. "As demais regras são básicas, de não violência, respeitar o horário de silêncio, manter cuidado com os pertences. É como uma vida em condomínio", diz.

A maioria dos moradores veio do CTA (Centro Temporário de Acolhimento) 18, criado para abrigar famílias. Mesmo com as regras, Gilmara Gonçalves, 35, considera seu módulo na Vila Reencontro mais sua casa do que um abrigo. "As regras não interferem no dia a dia", diz ela, que mora com o marido e as duas filhas.

A família foi parar no CTA 18 há cerca de um ano após seu marido perder o emprego. Gilmara conta que enfrentou o pós-parto da filha Maria Ísis, de oito meses, no centro de acolhida antes de ser selecionada para ocupar um dos módulos da Vila Reencontro.

Ao chegar à vila, cada família tem a capacidade de autonomia avaliada e recebe um conjunto de panelas para preparar as próprias refeições, além de ter acesso às marmitas. Gilmara recebeu seu jogo assim que chegou. "Eu organizo melhor a rotina das minhas filhas desse jeito", diz ela, que retomou os afazeres de dona de casa após 14 meses em centros de acolhida.

Por enquanto, a maioria dos moradores da Vila Reencontro tem perfis semelhantes ao de Gilmara: está há menos de dois anos sem moradia e enfrenta dificuldades financeiras para retomar o pagamento do aluguel.

Segundo o secretário Bezerra, uma família que viva nas ruas foi chamada para morar na Vila Reencontro, mas não se adaptou às regras. Outra desistiu de ir e nem chegou a se mudar.

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