Transformação de edifícios modernistas amplia atrações para paulistano 'turistar' no centro de SP

Conjunto tombado está inserido na cena criativa que mantém aquecido o turismo de proximidade no pós-pandemia

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Imagem mostra diversas janelas e um letreico como o nome da boate Tokyo

Fachada dos edifícios Bratke (ABC), na região central de São Paulo; estabelecimentos voltados ao entretenimento, arte e gastronomia deram nova vida ao prédio histórico Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Ponto alto da celebração do aniversário de namoro, o jantar no A Casa do Porco tinha espera de quatro horas por uma mesa naquele 30 de junho de 2019. Hospedar-se no edifício Copan, quase em frente ao restaurante premiado, era só um jeito de evitar que a demora estragasse a noite. Inesperado, porém, seria o deslumbramento com a vista do centro de São Paulo a partir do 28º andar da estrutura de concreto desenhada por Oscar Niemeyer.

"Os olhos marejaram", conta Bruna Ouchi, 34. Ela e o namorado Felipe Coppolaro, 34, tinham na janela a paisagem reconhecida pelo Departamento do Patrimônio Histórico paulistano como representativa da arquitetura modernista que deu forma à verticalização da região central em meados do século passado.

O Copan é o maior deles e tem forma de S e cor azulada devido a uma tela de proteção sobre a fachada. O Hilton tem formato cilíndrico e é tão alto quanto o Copan. O Bradesco tem janelas escuras alinhadas na vertical, que contratam com o branco do concreto, dando aspecto de listrado. O Renata é baixo e tem fachada branca.
Os prédios Bradesco (esq.) Copan (ao centro), antigo hotel Hilton (dir.) e Renata Sampaio Ferreira (à frente) integram o Conjunto de Edifícios Modernos, tombado em 2012 como patrimônio da cidade de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Além do Copan, outros cinco prédios nas quadras próximas à avenida Ipiranga formam o Conjunto de Edifícios Modernos, tombado em 2012 por agregar várias das características que formam a mancha urbana dos arredores da praça da República –em outros tempos chamado de centro novo–, explica a especialista em preservação do patrimônio histórico Ana Marta Ditolvo.

"São edifícios que trazem a incorporação da forma e da arte, uma poesia construída", diz ela.

Inseridos na cena gastronômica que ganhou força nas cercanias nos últimos anos, alguns desses prédios construídos a partir dos anos 1940 passam por transformações que os ajustam às expectativas de pessoas que, assim como Ouchi e Coppolaro, querem experimentar a vida no centro.

Depois da noite no Copan, o casal da Vila Alpina (zona leste) passou a produzir vídeos, fotos e textos que contam na internet como é passar um dia em prédios históricos da capital. São pioneiros entre influenciadores digitais que estimulam paulistanos a turistar na própria cidade.

Cerca de 70 restaurantes, bares e cafés distribuídos nos quarteirões limítrofes dos bairros República, Consolação e Vila Buarque consolidam o lugar como ideal à prática do "staycation", termo em inglês para definir o turismo de proximidade. Esse tipo de atividade ganhou força durante o período mais restritivo da pandemia de Covid, segundo Thiago Allis, professor de turismo da USP.

"O exemplo mais aceito de turismo é o de uma pessoa que passa ao menos 24 horas fora do seu local habitual. Mas isso é relativizado numa metrópole com 20 milhões de habitantes. A sensação de estranhamento e deslumbramento pode ser de turista para quem mora em outras regiões da cidade", diz Allis.

Quatro entre dez locações de curta duração em apartamentos do Copan são feitas por moradores da capital paulista, afirma Judson Sales, 39, administrador profissional de 53 unidades do prédio exclusivamente dedicadas à locação pela plataforma Airbnb.

Paga-se até R$ 750 pela diária no apartamento de 35 m² no 26º andar. Com decoração descolada, o microapartamento é exemplo da transformação que vem ocorrendo de dentro para fora no Copan, com proprietários investindo em reformas para atrair viajantes e curiosos.

A renovação do exterior anda mais devagar. A autorização para restauro da fachada foi requisitada nos anos 2010, mas só recentemente foi aprovada, informou a Secretaria de Cultura da prefeitura.

Apostando no novo perfil de frequentadores do centro, o edifício Renata Sampaio Ferreira está na fase final de uma enorme transformação. Projetado pelo arquiteto Oswaldo Bratke, o prédio passou por um retrofit que transformou lajes comerciais vazias em apartamentos com tamanhos entre 25 m² e 250 m². A partir desta sexta-feira (27), abrirá portas para locações.

Restaurante no térreo e bar com piscina no terceiro pavimento serão abertos ao público. Estratégias para incorporar o prédio ao turismo urbano do entorno. A ideia é trazer para dentro da fachada de tijolos vazados não apenas os locatários, conta Gustavo Cedroni, sócio da Metro Arquitetos, responsável pelo projeto.

"Queremos recuperar não apenas o prédio, mas um modo de vida, porque a graça do centro é essa mistura de gente", diz Cedroni.

Imagem do alto mostra a piscina com bordas que forma um polígono diante da fachada de tijolos vazados do prédio. Na lateral é possível ler Edífcio Renata Sampaio Ferreira
O edifício Renata Sampaio Ferreira terá bar e piscina sobre o terceiro pavimento; antigo prédio comercial foi modernizado para se tornar residencial com atrações também voltadas ao público externo - Eduardo Knapp/Folhapress

Parte dos atrativos da região é também resultado da transformação de outro dos edifícios modernos, como o Bratke, Gibraltar e Major —mais conhecido pela sigla ABC.

O edifício atraiu restaurantes para as lojas do térreo e atividades ligadas à arte e ao entretenimento para suas salas comerciais. Típico cenário criativo responsável por revitalizações de áreas urbanas degradadas ao redor do mundo.

Administrador do prédio desde 2017, Izo Levin, 58, relata ter assumido o posto quando diversas salas estavam vazias. "O meu trabalho foi de voltar a ocupar o prédio. O nosso próximo projeto é fazer um restauro da fachada", conta.

Vacância é um desafio no Jaçatuba, prédio com fachada côncava também assinado por Bratke (do ABC e do Renata).

Proprietários de consultórios e escritórios resistem ao retrofit, que poderia transformar grandes salas comerciais em unidades residenciais menores, conta Eucario Rebouças, 66, síndico há duas décadas.

"Escritórios com 200 m² têm taxa de condomínio alta e por isso há pouca procura, ainda mais agora que as empresas colocaram funcionários para trabalhar em casa", diz.

Na contramão da nova ocupação residencial e criativa, outros dois edifícios do conjunto moderno seguem dedicados a atividades mais burocráticas.

Imponente vizinho do Copan, o Bradesco permanece como sede de agência e departamentos do banco que dá nome ao prédio. Já o antigo hotel Hilton abriga gabinetes dos desembargadores do Judiciário paulista. É o prédio com mais condições de ser adaptado às novas vocações do bairro, diz Cedroni.

O uso de imóveis históricos como repartição pública é uma solução histórica para evitar a degradação do patrimônio, explica Stela Da Dalt, titular do Instituto de Arquitetos do Brasil no Conpresp, o conselho municipal do patrimônio histórico.

Ela manifesta, porém, preocupação com a construção de novos edifícios no entorno do conjunto, o que poderia descaracterizar a paisagem.

Quatro edificações dentro do perímetro do tombamento ou muito perto foram aprovadas desde 2018 e uma está sob análise, segundo a prefeitura. A resolução de tombamento não determina regras quanto ao tamanho ou proximidade de novas construções.

O interesse imobiliário também desperta temores quanto ao aumento de preços de aluguéis e despejos de famílias de baixa renda. Da Dalt diz que a solução depende de políticas públicas voltadas à habitação, pois os prédios da região já são tradicionalmente ocupados pela classe média.

A requalificação tampouco significa solução para problemas do centro, diz Thiago Allis. "Esse entusiasmo com novos negócios não resolve a questão dos moradores de rua ou das drogas", diz. "Não são problemas do centro. São problemas da sociedade que se manifestam no centro."

Edifícios Modernos

Copan

  • Arquiteto: Oscar Niemeyer
  • Projeto: 1952
  • Pavimentos: 32

Hilton

  • Arquitetos: Ermanno Siffredi e Maria Bardelli
  • Projeto: 1963
  • Pavimentos: 33

Renata Sampaio Ferreira

  • Arquiteto: Oswaldo Bratke
  • Projeto: 1956
  • Pavimentos: 13

ABC

  • Arquiteto: Oswaldo Bratke
  • Projeto: 1949
  • Pavimentos: 7

Bradesco

  • Arquiteto: Carlos Alberto Cerqueira Lemos
  • Projeto: 1964
  • Pavimentos: 19

Jaçatuba

  • Arquiteto: Oswaldo Bratke
  • Projeto: 1942
  • Pavimentos: 10
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