Descrição de chapéu chuva

'Não é para nos desculparmos, não, o vento foi absurdo', afirma presidente da Enel Brasil

Executivo afirma que concessionária trocou postes, fez investimentos e não foi negligente

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Brasília e Rio de Janeiro

O presidente da Enel Brasil, que opera a distribuição de eletricidade na região metropolitana de São Paulo, Nicola Cotugno, rebate as críticas à atuação da companhia após o temporal da última sexta-feira (3) argumentando que foi um evento extraordinário.

"Não é para nos desculparmos, não. O vento foi absurdo", afirma. Ele diz que a resposta à emergência foi dificultada pela enorme quantidade de árvores que caiu, forçando a empresa a trocar postes e reconstituir quilômetros de rede.

O executivo Nicola Cotugno, presidente da Enel no Brasil, durante evento em São Paulo
O executivo Nicola Cotugno, presidente da Enel no Brasil, durante evento em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 24.jan.20/Folhapress

Cotugno afirma que o corte de pessoal nos últimos anos não teve impacto no tempo de restabelecimento, pois as equipes de campo foram preservadas. Diante de alertas sobre maior frequência de eventos extremos, o executivo diz que o país precisa "de um olhar diferente" para debater soluções que mitiguem os efeitos das mudanças climáticas.

Quando a empresa percebeu o tamanho do problema?

A gente tem um serviço de meteorologia para nos dar uma previsão. É um serviço interno, mas conta com apoio de meteorologista e empresa externa. Nos avisaram: cuidado que à tarde alguma chuva pode vir, e objetivamente, veio um evento extraordinário.

O vento foi absurdo. As medições dão valores diferentes pela cidade, mas foram perto de 104 km/h (quilômetros por hora). Na escala Saffir-Simpson, ventos de 120 km/h são furacões.

A gente ficou de uma a duas horas fazendo um passo a passo para entender o que tinha acontecido em toda a cidade. Contatamos prefeitura, bombeiros, as equipes em campo, e ficou claro que a situação era dramática. Não só no que se refere a rede. Os bombeiros receberam inúmeras demandas.

Duas horas não é muito tempo?

Foram duas horas para a gente ter claro quantas eram as falhas por toda a cidade, quando a gente teve o quadro claro de onde o impacto fora mais forte e para onde direcionar prioridades. Considere que a gente já estava trabalhando antes disso. Nossa resposta foi imediata.

Tivemos muita dificuldade para o deslocamento, e o problema maior foram as árvores. Normalmente, num evento crítico, caem de 20 a 30 árvores. Nos piores, 50. Nesse, foram cerca de 1.400 árvores. As linhas de alta tensão, que chamamos de autopistas da rede, que fazem a distribuição da potência pela cidade, estavam funcionando, mas as falhas ficaram distribuídas por diferentes pontos da cidade, algo de difícil recuperação.

Quantas árvores caíram na rede elétrica?

De 1.400 [que caíram na cidade], umas mil. Mobilizamos todas as equipes. Ficamos no centro de controle para estabilizar o atendimento. Trabalhamos noite adentro. Temos quase 8 milhões de clientes e, desses, 2,1 milhões foram afetados. Nas primeiras 24 horas, 960 mil clientes tiveram o fornecimento de energia normalizado. Quase 1 milhão. Do evento inicial, até este momento [a entrevista foi concedida entre 18h e 19h de segunda-feira] temos 120 mil sem energia.

Mas qual é a dificuldade para restabelecer para esses consumidores?

Essa ventania afetou não apenas as linhas. Tivemos que retirar, recolher e instalar postes. Mobilizar centenas de equipamentos e reconstituir quilômetros de rede. Esse trabalho não é feito por qualquer profissional em curto prazo. E fizemos tudo isso removendo árvores, trabalhando em parceria com bombeiros, com a prefeitura. Intervenções como essas são muito pesadas. Demoram de 10 horas a 14 horas.

Quero lembrar que nas primeiras horas a gente precisa direcionar as intervenções para recuperar serviços vitais. Hospitais, clínicas, famílias que têm aparelhos médicos. No domingo [5], foi preciso garantir o atendimento para mais de 300 escolas que realizavam o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio].

A empresa reduziu em 35% o efetivo desde 2019. Faltou gente?

Não, não faltou. De 2019 a hoje, melhoramos o serviço geral na normalidade do dia a dia. A qualidade geral melhorou, e a na emergência também. Em um evento de 2019, com um milhão de pessoas desconectadas, a gente recuperou 650 mil nas primeiras 24 horas. Em 2023, em um evento maior e mais pulverizado, recuperamos quase um milhão.

O número que foi citado [de demissões] é um número geral, onde estão administrativos, todas as pessoas que temos na empresa. Não são pessoas de campo, especialistas. Essa parte da empresa ficou praticamente igual. E temos implantado sistemas de controle, medição inteligente e digital, muitas tecnologias que permitem que os processos sejam mais simples e mais eficientes.

Estamos investindo mais. Antes de 2018, a AES Eletropaulo [antigo nome da empresa, antes da Enel assumir] investia pouco mais de R$ 800 milhões por ano. Em 2022, investimos R$ 1,9 bilhão, e não é qualquer investimento, mas em tecnologia para gerenciar a rede melhor.

As pessoas não ficaram só no escuro no sentido físico, também ficaram no aspecto emocional, faziam contato com a Enel e não conseguiam retorno. O que aconteceu com o call center?

Nas primeiras horas, o call center congestionou. A gente restabeleceu. Ontem e hoje, tudo começou a funcionar melhor. Usamos muito o aplicativo da Enel. Às vezes, o cliente não conseguia se comunicar, mas a gente, por aplicativo, recebia e registrava as reclamações.

A gente foi honesto e transparente quando, no sábado [4], na hora do almoço, admitimos que estávamos com problema, mas que iríamos recuperar [até terça-feira]. A previsão foi humilde, consciente e responsável. O pior é dar uma previsão e não atender aquela previsão.

Há reiterados alertas de que eventos extremos vão se intensificar daqui para frente. O que pode ser feito tanto pela Enel em São Paulo quanto para o setor para mitigar esses impactos?

A rede de São Paulo é 98% aérea. É uma rede construída de forma econômica, então, foi uma boa decisão. No deserto, esse tipo de rede é segura, mas onde há árvores, com muita chuva e vento, ela fica exposta a danos —e São Paulo é uma cidade verde. Isso é maravilhoso, mas é preciso cuidar das árvores e da rede aérea.

No ano passado, podamos de 350 mil árvores. Esse é um trabalho anual. Mas agora, temos que fazer um debate sobre a mudança climática. Em 2021, faltou água em todo país, agora temos muita água e muito vento.

Agora, é preciso um olhar diferente. Já há discussões sobre possíveis ações, entre elas, enterrar a rede. Mas é uma decisão muito forte, que demanda coordenação, investimentos e tempo. A rede de São Paulo tem mais de 40 mil quilômetros.

Inúmeras vezes se falou em enterrar os fios em São Paulo, mas não se chega a consenso de quanto vai custar nem de quem vai pagar…

Tem razão. Por isso tem que ser um projeto de país, com custos compartilhados. Temos que avaliar a abrangência, velocidade, entender quais as áreas mais frágeis. Não é enterrar em qualquer rua. Se começarmos agora, em quatro ou cinco anos já veremos resultados efetivos.

A empresa sai desse evento com uma imagem muito prejudicada. Como vão reagir a isso?

Entendemos isso, porque muitos de nós foram afetados. Ficamos sem luz em casa. Somos parte do sofrimento. Mas o foco agora é tirar o problema da mesa. Daqui a alguns dias, vemos o dano à empresa.

Chegará um tempo em que se avaliará as dificuldades que nós enfrentamos. Não teve negligência nossa. Não é para nos desculparmos, não. Foi algo excepcional. Quando chega um furacão no Texas, o problema não é a empresa elétrica, é o furacão. Aqui estamos acostumados com eventos menores. Mas, se olharmos de uma forma racional e não emocional, a gente está fazendo um trabalho incrível por um fenômeno pelo qual não tivemos controle.

Raio X

Nicola Cotugno, 61

Nascido na Itália, é formado em engenharia mecânica pela Universidade de Roma, com especialização em negócios pela Insead Business School de Fontainebleau (França) e pelo MIT (EUA). Com 27 anos de experiência no setor elétrico, ingressou na Enel em 1991. Comandou a Slovenske Elektrarne, subsidiária do grupo na Eslováquia (2015-2016) e a Enel Chile (2016-2018). É presidente da Enel no Brasil desde outubro de 2018. Também integrou conselhos internacionais da Wano (World Association of Nuclear Operators, entidade de operadores de usinas nucleares) e da Eurelectric (entidade que representa indústria elétrica na Europa)

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