Descrição de chapéu indústria

Se eu sair, vou morrer de fome, diz morador de bairro em risco em Maceió

Defesa Civil apontou que mina na cidade tem risco de desabamento e pediu que moradores deixem a região

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Maceió

Vanio Farias de Araújo, 55, é a única pessoa que resta na rua onde trabalha, em Maceió —todos os outros moradores já foram embora, deixando para trás as casas abandonadas cheias de rachaduras.

No galpão da família, ele diariamente segue montando os móveis que precisa entregar, enquanto aguarda o momento no qual será retirado.

Na quarta (29), a Defesa Civil da capital de Alagoas detectou o risco de desabamento de uma mina da Braskem no município.

Com isso, o órgão emitiu um alerta para quem vive no bairro de Mutange —onde fica a mina— e em regiões vizinhas deixar o local e procurar abrigo. É este o caso do ateliê de Vanio.

A Justiça Federal determinou nesta quinta-feira (30) que novas residências sejam integradas ao mapa de risco por conta do possível afundamento do solo. Na tarde desta quinta, a Defesa Civil emitiu um novo alerta e avisou que a previsão é que o desabamento ocorra por volta das 6h desta sexta (1º).

Em nota, a Braskem diz que movimento do solo está "concentrado na área dessa mina" e que está apoiando a realocação das famílias, que estão sendo levadas para casas de parentes ou para abrigos.

homem do lado de fora em uma casa sem reboco
Vanio ainda trabalha em sua marcenaria em bairro em área de risco de mina da Braskem, em Maceió - Josué Seixas/Folhapress

Vanio trabalha em um local perto do Hospital Sanatório, que começou a ser evacuado por conta do risco de afundamento de terra. A unidade está localizada em uma área de encosta e, por causa disso, a direção resolveu adotar a medida de segurança.

"Garantiremos a continuidade, em outros serviços, dos pacientes submetidos rotineiramente a sessões de hemodiálise nas dependências de nosso hospital", disse a entidade, em nota.

Nas proximidades do hospital, algumas casas foram interditadas durante a madrugada após a visita de técnicos.

A reportagem esteve no local na manhã desta quinta e encontrou imóveis com aviso de interdição. Um deles estava com as portas entreabertas e luzes ligadas, mas sem nenhum morador.

"Eu sigo o meu dia de trabalho normalmente, mas já sabendo que eles vão vir até aqui. O que eu posso fazer? Eu preciso sustentar minha mulher e meus três filhos. Esse sustento vem do meu trabalho, que só posso realizar aqui", disse Vanio. "Do que adianta dizerem que vou ser realocado se não vão me dar as condições de trabalhar? Vou morrer de fome".

faixa de interdição posta em X em janela de casa azul fechada com portão branco
Casas têm faixas de interdição; algumas ainda estão com a luz acesa e portas entreabertas - Josué Seixas/Folhapress

Segundo ele, equipes da Defesa Civil de Maceió estiveram no local na tarde de quarta-feira e alertaram sobre os perigos, mas ele decidiu permanecer. No galpão, diz ele, já houve a tentativa de roubo dos equipamentos e materiais de mercearia oito vezes.

"Ninguém aqui se nega a sair. Essa não é a questão. Queremos justiça nas indenizações e segurança para continuar desempenhando o ofício. Como vou levar isso para uma escola e seguir trabalhando? Não é uma opção. O que me resta é continuar vindo para cá todos os dias".

A visita da reportagem à região de risco foi intermediada por Jackson Douglas, 42, integrante do MUVB (Movimento Unificado das Vítimas da Braskem), que tem ajudado os moradores das áreas afetadas pelo desastre ambiental que atinge a cidade desde 2018.

Em março daquele ano ano, alguns bairros da cidade começaram a sofrer afundamento. O Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, concluiu que as atividades de mineração da empresa em uma área de falha geológica do município causaram o problema. O problema afeta cerca de 20% do território de Maceió, e até hoje nunca foi resolvido.

Durante o trajeto na região afetada, a reportagem passou por praças vazias e novos bloqueios de estrada.

Ronaldo Vicente Ferreira, 50, afirma que a Defesa Civil passou com viaturas e três ônibus para retirar as pessoas da região do Flexal, que fica na área sob risco. Segundo ele, a evacuação não foi compulsória, e grande parte da população indicou que não pretende deixar o local sem garantia do que acontecerá.

"Estamos sem dormir para prestar socorro a um e a outro. Tem que tirar as pessoas para um lugar em que se sintam confortáveis, porque temos crianças, idosos e animais. Pedimos isso desde sempre e nunca fomos atendidos. Querem fazer dessa forma agora?", criticou.

"Prefeito não deu apoio real às vítimas. Ele nunca veio aqui e nunca foi às consultas públicas. Fez promessas durante a época de campanha, mas não cumpriu. Acreditamos que ele ficou contra a população e a favor da Braskem", disse Valdemir Alves dos Santos, também morador da região.

Segundo ele, toda a região já foi afetada pelo problema. "A lagoa aqui está morta. Não tem animais para pesca nem nada disso. Pessoas que tinham o sustento pela pesca só receberam o direcionamento de que deveriam não entrar na lagoa desde esse caso se iniciou."

Procurada, a prefeitura não se manifestou sobre as críticas. Por meio de suas redes sociais, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), afirmou que instaurou um gabinete de crise. Ele também decretou estado de emergência por 180 dias.

"Com o agravamento dos tremores de terra e risco iminente de afundamento de uma mina no Mutange, determinei a criação de um Gabinete de Crise, que vou comandar com profissionais de diferentes áreas, para coordenar a situação, preservar vidas e garantir a segurança de todos."

Em nota divulgada nesta quinta-feira, a Braskem afirmou que "os dados atuais de monitoramento demonstram que o movimento do solo permanece concentrado na área dessa mina".

A empresa também afirma que está apoiando a realocação emergencial dos moradores que resistem em permanecer na área de desocupação. Segundo ela, a realocação preventiva começou em 2019 e 99,3% dos imóveis estão desocupados.

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