Descrição de chapéu Quilombos do Brasil

Vizinho de Palmares, quilombo Muquém luta para evitar êxodo de jovens

Comunidade é lar de Mestre Irinéia, ceramista que se tornou Patrimônio Vivo de Alagoas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vista aérea da comunidade quilombola Muquém, localizada a cerca de 10km do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, em Alagoas Adriano Vizoni/Folhapress

União dos Palmares (AL)

Diz a lenda que o Muquém, no município de União dos Palmares (AL), foi criado por remanescentes do quilombo dos Palmares. Embora não exista comprovação na historiografia e pesquisadores afirmem que essa versão é improvável, o mito segue em relatos orais como forma de fomentar o turismo ou de alimentar a autoestima de quem mora por lá.

O lugar está localizado a cerca de 10 quilômetros da entrada da Serra da Barriga, que foi o lar da famosa comunidade de Zumbi. O quilombo teria sido fundado por cinco irmãs que sobreviveram a destruição de Palmares em 1695, e construíram ali perto uma nova comunidade.

A possível origem lendária tem sido um dos trunfos usados pelas atuais lideranças do quilombo do Muquém para lidar com o êxodo dos jovens. A baixa autoestima e a falta de oportunidades de emprego são considerados alguns dos principais problemas para a juventude local. Uma boa parte prefere deixar a região em busca de novos caminhos.

Vencedora do último concurso de beleza do Quilombo Muquém ensaia com o grupo de dança afro na comunidade - Adriano Vizoni/Folhapress

Os mitos que envolvem a ligação entre os ancestrais de Muquém e os guerreiros de Palmares são contados para as crianças em escolas, na busca de valorizar a tradição e o orgulho de ser quilombola. Na comunidade, também surgiu o projeto Beleza Negra, que todo ano elege a jovem mais bonita da região.

A escolhida ganha uma premiação em dinheiro e passa a integrar o grupo de dança afro do quilombo. A companhia faz apresentações nas cidades alagoanas.

"A comunidade não tem trabalho, não oferece opção para os nossos jovens. Muitos vão para outras cidades, para outro estado procurar emprego. Isso nos deixa muito tristes. A gente tenta buscar a oportunidade de emprego para os nossos jovens e hoje a gente já consegue manter alguns deles aqui", diz Dorinha Cavalcanti, presidente da associação quilombola de Muquém desde 2010.

Segundo ela, além do grupo de dança, outro projeto foi resgatar a agricultura familiar para manter o sustento das famílias dentro da comunidade.

Algumas políticas públicas chegaram em Muquém nos últimos anos o que tem ajudado a aumentar o número de pessoas com acesso à educação.

"Não é fácil. Temos vários jovens. Hoje muitos conseguem estudar alguns já conseguem concluir um curso superior, o que era praticamente impossível em uma comunidade quilombola. A gente tem um índice de analfabetismo muito grande. A gente tá conseguindo avançar, mas o que nos deixa triste é quando eles terminam [o estudo] e vão embora porque não tem trabalho".

Além da empregabilidade, as meninas de Muquém ainda precisam enfrentar um aspecto diferente, o assédio sexual.

A questão é trabalhada no grupo de dança, que busca conscientizar e aumentar a autoestima das crianças e adolescentes.

"Leva para elas uma visibilidade de mundo. Não é só a mulher ser um instrumento sexual de alguns que acham que por ser umas meninas pobres, de comunidade negra, periférica, que podem chegar e persuadir", diz Dorinha.

Já os meninos da comunidade têm sido alvo de outro tipo de tentativa de persuasão, a de criminosos. Segundo a líder do quilombo, atividades ilegais, normalmente mais associadas com cidades grandes, chegaram a região.

A falta de oportunidade de trabalho e de perspectivas de futuro tem dificultado manter este tipo de problema fora de Muquém. Alguns jovens acabaram se envolvendo com crimes. A luta é para evitar que o número cresça.

Outro caminho buscado pela comunidade é tentar manter a tradição do artesanato com barro. A atividade é antiga no quilombo, ajudou no sustento de muitas pessoas. Entretanto, não desperta muito interesse dos mais jovens e é exercida por poucas mulheres mais velhas.

Há muitas décadas, os utensílios domésticos de Muquém eram feitos com argila. E a construção das casas com tijolo batido. Com o tempo, a população desenvolveu a habilidade de fazer artesanato de barro com as próprias mãos.

Uma dessas pessoas é Julieta Maria, 64, conhecida como Preta. Mãe de 13 filhos, ela afirma que somente uma filha se interessou em aprender a fazer as esculturas de barro. Mesmo assim, a única herdeira da arte já deixou o quilombo e foi morar em Minas Gerais.

Irinéia Rosa Nunes da Silva, 76, conhecida como Mestre Irinéia é a mais famosa das artesãs locais. Ela é considerada Patrimônio Vivo de Alagoas. Em agosto de 2023, foi condecorada pela Assembleia Legislativa por seu serviço na promoção cultural do estado.

"Tem 43 anos já que eu mexo com essa arte e graças a Deus eu estou contente. Tem me dando grande ajuda. Eu comecei aceitando encomendas de pessoas que estavam pagando promessa. As pessoas adoeciam e vinham me pedir para fazer alguma parte do corpo com o barro".

Apaixonada pela arte que pratica, ela reclama da falta de interesse dos familiares, entre eles 11 filhos e uma dezena de netos. Segundo ela, somente uma das filhas se interessou, mesmo assim, não leva muito jeito.

"Já falei para meus netos. Tem que estudar, mas precisa ter uma arte. Mas eles não querem saber".

Suas obras chegaram a diversas capitais brasileiras e até algumas cidades do exterior, como Milão, na Itália. Sua obra mais famosa, "O Beijo", foi reproduzida em tamanho gigante na Lagoa da Anta, em Maceió. A réplica tem cerca de seis metros.

Não é incomum encontrar algumas das peças de barro feitas por mestre Irinéia em galerias ou hotéis de São Paulo ou Rio de Janeiro.

Ela costuma vender as esculturas por aproximadamente R$ 150, a depender do tamanho e da quantidade comprada. Na revenda, as peças da alagoana chegam a custar até R$ 3.000.

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.