Motoboy negro atacado com faca no RS pode ser indiciado por lesão corporal

Polícia trabalha com hipótese de violência recíproca; defesa diz que possibilidade é lamentável

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Curitiba

A Polícia Civil em Porto Alegre (RS) pode indiciar Sérgio Camargo Kupstaitis, 71, e também o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40, por lesão corporal. Os dois foram detidos no sábado (17) depois que Sérgio atacou Everton com uma faca em uma rua no bairro Rio Branco.

A investigação ainda está em andamento, mas, em nota, a corporação apontou nesta segunda-feira (19) que, em um primeiro momento, os fatos "se apresentam como lesões corporais recíprocas". Everton e outras pessoas próximas reagiram ao ataque atirando pedras, mas a Polícia Civil não detalhou qual teria sido a lesão causada em Sérgio.

O motoboy Everton da Silva é algemado e detido pela Brigada Militar após um homem atacá-lo com uma faca no pescoço; ao fundo, o suspeito do ataque, o homem branco sem camisa, que é detido mais tarde - @nietzsche4speed no Instagram

"A investigação que está em andamento determinará quais atos foram de fato praticados, bem como se, eventualmente, houve outro fato delituoso", diz a nota, que é assinada pelo delegado Fernando Antônio Sodré de Oliveira, chefe da Polícia Civil.

O advogado do motoboy, Ramiro Goulart, classificou o possível indiciamento de Everton como lamentável. "Isso não pode virar briga entre vizinhos. Foi uma tentativa de homicídio", diz ele.

Na tarde desta terça-feira (20), a defesa ingressou com um pedido de diligências para ter acesso integral às mídias que já estão com os investigadores. "As imagens do dia dos fatos são fundamentais para desfazer a narrativa de que meu cliente agrediu o seu agressor. Everton foi atacado de surpresa por um homem armado", diz Goulart.

"Como seria uma agressão mútua se o agressor desceu de casa armado e desferiu um golpe em alguém que não estava nem falando com ele? Foi um golpe surpresa por um motivo torpe", continua o advogado.

A reportagem não conseguiu contato com Sérgio Kupstaitis. O caso está na 3ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre.

Em paralelo, a Corregedoria da Brigada Militar também apura a atuação dos policiais que foram chamados para atender a ocorrência. A situação foi registrada em vídeo por pessoas na rua, que apontaram racismo e abuso das autoridades.

Testemunhas contam que Everton estava em frente a uma banca junto com outros motociclistas no sábado e foi surpreendido com o ataque de Sérgio, que mora em um prédio próximo. O ponto funciona como base para motoboys e há relatos de que Sérgio se incomoda com a presença dos trabalhadores no local. Everton conseguiu escapar dos golpes e teve apenas ferimentos superficiais.

Após o ataque, uma equipe do 9º Batalhão da Brigada Militar chegou ao local e, no meio de um bate-boca entre Everton e Sérgio, os policiais algemaram o motoboy, que é um homem negro. Ele foi levado para a delegacia no porta-malas da viatura, enquanto o autor do ataque seguiu no banco de trás de outro veículo.

Everton e Sérgio foram conduzidos à 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento. Após depoimentos e perícias, ambos foram liberados.

O advogado de Everton disse à reportagem que a abordagem policial foi "ríspida, inadequada, violenta, racial, que tratou um homem branco de uma forma e um homem negro de outra".

Já o advogado Fábio César Rodrigues Silveira, que atua na defesa de dois dos quatro policiais envolvidos no caso, se manifestou nesta terça-feira (20), por meio de nota. Ele diz que espera que a apuração dos fatos "observe as garantias dos envolvidos, sem que a questão noticiada sobressaia sobre a técnica empregada".

"Evidentemente que a Corporação precisa proceder essa avaliação com responsabilidade e proporcionalidade, evitando o exacerbamento dos ânimos e apurando com imparcialidade todo o ocorrido. Temos confiança de que a análise imparcial dará ao fato a dimensão real e faremos todo o esforço probatório nesse sentido na sindicância e no inquérito", afirma Silveira.

Ainda no sábado, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que determinou a abertura de uma sindicância na Corregedoria da Brigada Militar "para ouvir imediatamente testemunhas e apurar as circunstâncias da ocorrência, com a mais absoluta celeridade".

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, a sindicância militar deve ser concluída até o final desta semana. Dois dos quatro policiais envolvidos no episódio estão afastados por decisão do Comando da Brigada Militar, devido ao grande estresse sofrido, informou a pasta. Os nomes deles não foram divulgados.

Os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial) apontaram o caso como um exemplo do racismo institucional no país e declararam que acompanharão o caso.

O presidente da OAB no Rio Grande do Sul, Leonardo Lamachia, afirmou que há indícios da prática de discriminação racial e que a entidade irá acompanhar a apuração dos fatos na Brigada Militar.

"É visível pelos vídeos tornados públicos a diferença de tratamento ocorrida na abordagem. É preciso que seja esclarecida a razão pela qual apenas um homem negro foi preso e algemado e o outro envolvido não teve o mesmo tratamento", disse ele.

A Defensoria Pública gaúcha também informou que está apurando o caso e disse que vai propor à Brigada Militar um curso de capacitação em relações raciais.

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