Brasil não avança em integração de saneamento e de Defesa Civil para combater eventos extremos

Plano de defesa civil do governo Lula deve ficar pronto em junho, e país precisa integrar melhor a gestão de risco

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São Paulo

Após os desastres no Rio de Janeiro que deixaram 900 mortos em 2011, o Brasil criou a legislação que organiza a defesa civil e as políticas de monitoramento e alerta de desastres. Mas essas medidas, de 2012, já não são mais suficientes.

Entre mudanças em orçamento e falta de atualizações, segundo especialistas ouvidos pela Folha, o país peca ao não avançar na integração entre sistemas de prevenção, saneamento e educação para eventos extremos como os que atingem o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

No último ano, o governo Lula (PT) tem investido prioritariamente na elaboração do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, previsto ainda na lei 12.068, de 2012, mas nunca criado. O documento deve ser lançado em junho, segundo previsão do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.

Pessoas caminham em área inundada próxima ao rio Taquari, na cidade de Encantado no Rio Grande do Sul
Pessoas caminham em área inundada próxima ao rio Taquari, na cidade de Encantado no Rio Grande do Sul - Diego Vara 2.mai.2024/Reuters

Contratado no ano passado pelo ministério e elaborado por especialistas técnicos e acadêmicos e com consulta pública, o documento não tem à frente alguns dos profissionais que têm experiência e tecnológica sobre desastres, segundo a diretora do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) Regina Alvalá.

"O conhecimento aqui do centro deveria estar na vanguarda de toda iniciativa conduzida por ministérios para estabelecer planos e políticas. O Brasil fica muito na gestão do desastre, e precisa centrar esforços na gestão dos riscos de desastres."

A diretora ressalta que a questão não é diminuir o protagonismo da Defesa Civil, tanto a nacional quanto as estaduais e municipais. Mas para gerir riscos, diz ela, o Cemaden, que é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, tem muito a contribuir com 13 anos de alertas, estudos e dados de monitoramento.

Em 2012, foram definidos pelo governo 821 municípios considerados críticos para desastres. A lista cresceu para 1.942 com a publicação de uma nota técnica do ano passado pela Casa Civil do governo Lula e análises de órgãos técnicos —o Cemaden entre eles.

Essas cidades são consideradas prioritárias na gestão de riscos, e reúnem 8,9 milhões de pessoas em situação de riscos geo-hidrológicos, como inundações e deslizamentos.

Para atualizar a lista, foram usados critérios como a vulnerabilidade a inundações, segundo estudo de 2014 da Agência Nacional de Águas, e a análise, em 42 anos, de quais cidades tiveram ao menos 400 dias com chuvas acima de 50 milímetros ou 100 milímetros.

Em paralelo ao plano e às atualizações de cidades e critérios em risco, o país também precisa criar uma política integrada de infraestrutura hídrica, diz o professor Eduardo Mario Mendiondo, coordenador científico do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres (Ceped) da USP.

Para ele, o Brasil evoluiu muito na emissão de alertas, na prevenção e na resposta das unidades de Defesa Civil e em estudos sobre o tema de riscos. Mas para ele, o país ainda esbarra em modelos isolados para gestão de águas urbanas, que reúne abastecimento público, o esgotamento sanitário, o esgotamento de águas pluviais e o manejo de águas pluviais e o manejo de resíduos sólidos.

"O que vemos hoje na tragédia que chega até Porto Alegre [RS] é esgoto se acumulando devido ao represamento das águas altas do Guaíba, que recebem influência extraordinária da região de Jacuí, Gravataí, Taquari e Caí, rios que o alimentam."

Mendiondo aponta que a forma atual de lidar com a infraestrutura da água em cidades vai continuar a causar problemas. "Temos os melhores projetos isolados de drenagem, de abastecimento e de resíduos sólidos."

Para o pesquisador, o Brasil avançou em prevenção e resposta a desastres nos últimos 12 anos, mas ainda tem uma dívida com o saneamento que ainda prejudica a prevenção a desastres.

No Congresso há uma proposta de 2021 enviada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apelidado de "novo marco hídrico", que fala sobre infraestrutura hídrica.

Para Amauri Pollachi, conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), qualquer decisão sobre infraestrutura hídrica precisa ser adaptativa à crise climática.

Um exemplo é a manutenção de áreas verdes que possam servir de pontos de alagamento. Ele cita como exemplo o rio Emscher, já considerado o mais sujo da Alemanha, transformado em uma área de alagamento que ajudou a mitigar danos em chuvas que mataram ao menos 143 pessoas no país em 2021.

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