Descrição de chapéu funk Rio de Janeiro

Funkeiros dos anos 1990 se dividem entre nostalgia e brigas em bailes 'retrô'

Encontros reúnem ex-brigões que hoje levam famílias para bailes em clima amistoso, mas eventos de pancadaria ainda acontecem em bailes clandestinos

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Rio de Janeiro

Funkeiros da década de 1990 voltaram a se encontrar para matar a saudade. Alguns sentiam falta das danças e músicas que embalaram amizades e romances. Outros estavam com saudades da violência.

Os bailes funk de corredor, famosos nos anos 1990 pelas brigas, voltaram a acontecer nos últimos três anos em ginásios e campos do Rio de Janeiro, especialmente nas zonas nortes e oeste e na Baixada Fluminense.

A geração apaixonada por esses bailes envelheceu e se dividiu. A maioria deixou a pancadaria de lado e leva a família em reuniões em que tocam os mesmos funks daquela época, mas agora sem briga. São os bailes da antiga, criados para celebrar as amizades feitas na época —e a própria sobrevivência deles. Eventualmente, ex-oponentes se reencontram e passam a noite lado a lado.

Frequentadores curtem 'Baile Funk das Antigas', no anexo do estádio Nilton Santos, na zona norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

"Na maioria dos eventos a gente coloca pula-pula para as crianças. Vai gente de todas as faixas etárias", afirma o DJ Júnior Costa, que discoteca desde 1992.

Mas os bailes de pancadaria seguem acontecendo secretamente. Muitos frequentadores, hoje nas casas dos 40 e 50 anos, continuam à procura do tumulto e se misturam aos jovens que desejam sentir a adrenalina do corredor. Os encontros são anunciados em grupos restritos nas redes sociais, para evitar que as autoridades sejam alertadas.

O Disque Denúncia afirma que não recebeu nos últimos anos relatos sobre bailes do tipo. A Polícia Civil do Rio também não localizou registros em delegacias.

DJ Júnior Costa toca no 'Baile Funk das Antigas', no anexo do estádio Nilton Santos, na zona norte do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Nestes bailes, o salão é dividido em dois grupos, separados por um ou mais seguranças que circulam por um pequeno espaço, o corredor, e tentam evitar tragédias maiores, como grupos inteiros batendo em uma só pessoa.

Como antigamente, os lados A e B dividem moradores de bairros e favelas do Rio. A divisão geográfica não é óbvia e localidades vizinhas podem ser adversárias. Há 30 anos, torcidas organizadas de futebol, grupos de bate-bola e academias de artes marciais levaram aos bailes outros tipos de rivalidades. Também havia rixas entre moradores de favelas dominadas por facções diferentes.

Nesses eventos, o DJ toca funks que exaltam as comunidades presentes, com letras repletas de intimidações ao rival. São as chamadas montagens. É famoso o refrão do grupo de Belford Roxo: "Baixada é cruel/Os sinistros são de Bel". Outro, de uma turma de Laranjeiras, dizia: "Nostradamus quem falou/O mundo vai se acabar/Zona sul chegou no baile/O terror vai começar".

"Tem gente que tem um hobby doido, como pular de bungee jump ou acampar em ambientes selvagens, até perto de urso. Ali é nosso hobby. Gostamos do 'mano a mano' rolando. Depois, quando acaba, nos abraçamos. Tenho amigos no outro lado", diz o youtuber Fernando Henrique, 28, frequentador da nova encarnação do baile de corredor.

A vontade de participar foi alimentada em Henrique na infância e adolescência, quando ouvia de tios e primos histórias de brigas nos clubes de Madureira.

"Muita gente vê o baile como uma selvageria. Mas para quem vai é como se fosse uma luta, um esporte. A diferença é que não tem luvas. No máximo colocamos uma atadura na mão, um protetor bucal e vamos para cima."

Os bailes de corredor mais famosos da década de 1990 eram os da ZZ, equipe de som de José Carlos da Silva Braga, o Zezinho, morto em 2001. Personagem tão controverso quanto querido pelos fãs de funk, ele não evitava as brigas e até as estimulava: os seguranças do baile usavam chicotes e porretes para separar os lados quando a confusão saía do controle. Em alguns clubes havia uma sala para primeiros socorros, com maca e equipe de enfermagem.

Para os saudosos, a ZZ de Zezinho era a versão marginalizada da Furacão 2000 de Rômulo Costa e Verônica Costa, que no fim dos anos 1990 já tinha programa de televisão e rádio.

"Quem era do lado A não ia em bairro do lado B, e vice-versa. Se o cara pegasse um ônibus e passasse em um bairro em que embarcassem três ou quatro caras da galera rival, a briga acontecia", diz Tripa, antigo DJ de Zezinho.

Tripa ainda toca em bailes, mas somente nos de ambiente familiar. "A emoção é a mesma de 1994, 1995. É muito gratificante a pessoa te ver e reconhecer depois de tanto tempo."

Os grupos que participavam dos bailes de corredor começaram a desmobilizar a partir de 1999, quando mortes por pancadas, pisoteamentos e até tiroteios fizeram a opinião pública pressionar autoridades contra a realização dos bailes.

O período deixou traumas em algumas pessoas, que sequer conseguem ouvir as músicas daqueles tempos.

Se antes os bailes eram anunciados no rádio, a discrição é a tática da nova fase do corredor. São chamados apenas aqueles comprometidos em não repassar a informação. Fotos e vídeos são divulgados na internet dias depois, jamais em tempo real.

Os bailes já não são em clubes recreativos em ruas movimentadas do Rio de Janeiro, mas em campos, galpões e ginásios, distantes de vizinhos e curiosos.

Alguns ex-frequentadores não veem com bons olhos a redescoberta do corredor. Argumentam que a expansão das facções, o surgimento das milícias e o crescimento das armas em circulação tornaram as brigas ainda mais perigosas. Durante a pandemia, um baile de corredor em Belford Roxo terminou com três mortos.

Apesar dos riscos, o motorista de ônibus Marcelo Mendes, 49, diz que se sente "adolescente de novo" quando está em um baile de corredor.

"Somos motoristas, funcionários públicos, empresários, faxineiros que gostam dessa adrenalina. Vamos fazer de tudo para manter os bailes acontecendo. É nosso clube da luta."

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