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Valdinei Ferreira

Meditação se faz com a bunda

Além do silêncio da mente, aprendemos que existe também o silêncio corporal

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Valdinei Ferreira

É sociólogo, pastor e professor da Faculdade de Teologia da Igreja Presbiteriana Independente (Fatipi) e pesquisador na área de espiritualidade e saúde mental

A inscrição no templo de Delfos "Conhece-te a ti mesmo" tornou-se uma missão cada vez mais difícil numa época em que somos constantemente convidados, por meio das telas, a olhar para fora. Estamos cada dia mais conectados ao mundo externo e desconectados de nós mesmos. E o momento é oportuno para falar sobre isso.

O Setembro Amarelo foi pensado para destacar a importância do cuidado com a saúde mental. A meditação se insere nesse contexto como uma prática de autocuidado. Não é um luxo ou modismo de executivos da Faria Lima para melhorar o desempenho no trabalho. Meditar tornou-se uma necessidade para viver com paz interior nos dias de hoje.

Nosso rastro digital está sendo constantemente monitorado. Algoritmos nos observam a cada clique, compra e passo, para que as big techs e governos saibam mais sobre nós do que nós mesmos. Por isso, vivo e ensino a meditação como um ato político de resistência à invasão da mente e manipulação do comportamento humano na era digital.

Imagem mostra uma pessoa ajoelhada de costas em um lago alaranjado pela luz do sol. Ao fundo, aparece neblina sobre a água e os raios de sol aparecendo entre as nuvens
Anja/Pixabay

Sou pastor e ensino sobre meditação dentro da tradição cristã, que é diferente da budista e da hinduísta. Ao saber disso, um velho amigo —estudamos juntos no seminário teológico— fez algumas perguntas. Depois de responder, propus que fizéssemos um exercício de meditação de 15 minutos.

Ao final, ele confessou, surpreso e intrigado: "Achei que fosse pensar em Deus e sentir algo durante a meditação. Nada disso aconteceu, mas foi ótimo."

Ri da sinceridade do comentário e lembrei de Lawrence Freeman, um dos mestres da meditação cristã. Ele enfatiza que, quando meditamos, "nada acontece, mas tudo muda". Meditar é isso: nada acontece e tudo muda. Coisas demais já congestionam o nosso pensamento todos os dias, e a mágica da meditação é a autoconcessão de alguns minutos de silêncio interior.

A mente humana produz ruídos incessantes como uma orquestra sem maestro. Becky S. Korich, colunista da Folha, lembra que "falta saber quando silenciar, porque o silêncio é tão importante quanto tocar as notas certas". A meditação, qualquer que seja o método adotado, põe ordem nesse barulho mental e abre caminho para a transformação pessoal.

Muitas pessoas têm curiosidade sobre a meditação, mas nunca tentaram meditar. Seja porque acham muito complicado, porque não têm paciência ou porque não acreditam que trará benefícios. Algumas até tentam com aplicativos, mas desistem. Aliás, lembre-se: o propósito da meditação não é substituir abordagens clínicas ou terapêuticas no cuidado da saúde mental. Recomendo que seja praticada com um instrutor experiente e em sintonia com o universo de crenças e valores de cada pessoa.

Se você quer começar a meditar, a primeira coisa que precisa saber é que a meditação se faz mais com a bunda do que com a cabeça. Começamos a meditar em busca da paz trazida pelo silêncio da mente, mas, no processo, aprendemos que existe também o silêncio corporal. Aprender a sentar e aquietar o corpo é a porta para essa experiência. Ao silêncio corporal somam-se o silêncio visual e o silêncio auditivo.

A meditação é praticada por meio da auto-observação da mente e seu fluxo de pensamentos e emoções. Mas a mente não é, como muitos imaginam, uma luz que plana no espaço porque corpo e mente são inseparáveis. Com a meditação, descobrimos que não podemos ser reduzidos aos nossos pensamentos e emoções. Ao aprender a observá-los, percebemos que os pensamentos se tornam mais claros e as emoções, mais equilibradas.

"Hoje eu vou me visitar, tomara que eu esteja em casa", escreveu o teatrólogo Karl Valentin. A meditação nos devolve à casa que é nosso corpo e mente. Ela nos devolve a nós mesmos. É simples e revolucionário.

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