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Professor transforma ruas do centro de São Paulo em sala de aula

Alunos de escola da rede municipal fazem passeio educativo pelo bairro

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O professor Paulo Magalhães durante aula em ruas de São Paulo
O professor Paulo Magalhães durante aula em ruas de São Paulo - Robson Ventura/Folhapress
São Paulo | Agora

Se depender do professor de geografia Paulo Magalhães, 53 anos, 23 na profissão, a velha lousa na sala de aula é coisa do passado. Há dois anos, o mestre idealizou na rede de ensino municipal de São Paulo o Aula Pública, projeto que leva alunos às ruas para adquirirem e multiplicarem conhecimento.

E quer experiência mais enriquecedora do que sair, a pé, pelas vias públicas da região central de São Paulo? Ou mesmo ouvir a história do bairro da escola, com a participação da comunidade? Em geral, as aulas na rua acontecem em intervalos entre 15 e 30 dias.

Na terça-feira passada (30), bastou atravessar a rua para cerca de 30 alunos da Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Duque de Caxias, há 60 anos no Glicério (região central), conhecerem o passado romântico de um bairro que no presente é conhecido como uma das áreas mais degradadas da cidade.

Ali, prédios antigos pichados se dividem com inúmeros cortiços que abrigam população de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social. Há também muito lixo esparramado nas ruas ao redor da escola, além do forte cheiro e de moscas no local, exatamente onde os alunos transitam diariamente.

O professor diz que o projeto nasceu quando percebeu o medo dos alunos de sair pelo bairro. “Antes, aqui era um lugar bucólico. Hoje, temos de recuperar essa história”, afirma Magalhães. E foi além: “O problema é que os governantes não valorizam o passado e vão destruindo. Esse bairro, em especial, tem personalidade”. ​

No percurso da aula aberta comandada por Magalhães, o primeiro ponto de parada foi a rua dos Estudantes, na Vila Suíça, de origem operária e que surgiu no fim do século 19. “Em 1910, aqui era uma chácara e pertenceu à dona Ana Machado”, começou a contar o professor aos atentos alunos, como se fosse um guia turístico. Em 1890, o terreno seria vendido para as autoridades. E assim o professor e a turma seguiram pelo bairro.

Ao final, Karima Eurratime, 9, do 3º ano, disse ter “gostado de tudo” do que viu e ouviu do lado de fora dos muros da escola. Porém, uma coisa foi especial: “Não precisou fazer lição”.

Estudantes são de 22 nacionalidades 

Entre os cerca de 30 alunos que circulavam pelo Glicério, uma chamava a atenção pelas trancinhas no cabelo. Era Joana Georgina Masolo Mabi, 10, que há dois anos deixou Angola e veio com a família para São Paulo.

A Baixada do Glicério, como o bairro também é conhecido, é um dos destinos de imigrantes e refugiados que chegam à cidade. “Só na escola temos alunos de 22 nacionalidades”, afirma o professor Paulo Magalhães.

“A escola fica em uma região de trânsito de pessoas, umas chegam e outras saem, que não conhecem a história do bairro”, disse a professora de inglês Rosângela Kubinhetz, 50, que participou da aula aberta.

Quando o professor entrou na estreita rua sem saída Anita Ferraz, que termina na escadaria de mesmo nome, os olhos de Kevin Pereira da Silva, 11, brilharam.

Não era para menos. Afinal, ele passaria em frente à casa da avó, a cozinheira Noemi Pereira Barbosa, 50, que vive há 13 anos num sobrado na rua e vende pães de mandioca e de batata doce aos vizinhos e à comunidade.

Tímido, mas com um largo sorriso no rosto, o garoto ficou receoso de tocar a campainha. Só o fez depois que o professor o autorizou. Na janelinha da porta, uma surpresa apareceu: a bisavó Isabel Rita de Jesus, 80, que veio de Padre Paraíso, a cidade mineira das pedras preciosas, a 560 km de Belo Horizonte, para passar uns tempos com a família em São Paulo.

“O professor está contando a história das ruas daqui (Glicério)”, disse Kevin, entusiasmado. A avó Noemi aprovou a ideia da aula aberta. “É importante para conhecer os lugares”, afirmou a cozinheira.

'Toda uma história'

“Parece que é uma escadaria normal, onde a gente sobe e desce. Mas, por trás, tem toda uma história”, reflete Vito Gomes da Silva, 14, um dos monitores das aulas abertas do professor Paulo Magalhães.

Aluno do 8º ano na Emef Duque de Caxias, Vito se referia à escadaria da rua Anita Ferraz, com seus longos 26 degraus e que vai até a rua Conde de Sarzedas.

Vito conta que, aos poucos, despertou o interesse em exercer a função de monitor. A cada aula aberta, que ocorre com saídas regulares entre 15 e 30 dias, o adolescente acompanha o professor. Ao seu lado está o também monitor João Victor Araujo, 13. “Achei interessante saber mais do bairro que a gente estuda e mora. Sem falar que ajuda para nossa comunicação.” 

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