O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais) anunciou nesta quarta-feira (20) o adiamento do Enem 2020. As datas serão postergadas de 30 a 60 dias em relação ao previsto nos editais. Assim, a prova deve ocorrer em dezembro ou janeiro.
As aplicações estavam marcadas para 1º e 8 de novembro (em papel) e 22 e 29 de novembro (no computador).
O adiamento das provas tem sido defendido por secretários de Educação e especialistas por causa do risco de aumento de desigualdades com a interrupção de aulas provocada pela pandemia. O exame é a principal porta de entrada para o ensino superior público.
Criado em 1998, o Enem foi reformulado em 2009 e passou a ser adotado como vestibular nacional. O exame tem 180 questões e é aplicado em dois dias. Com os resultados, os participantes podem acessar a vagas no ensino superior por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada).
O sistema reúne as vagas de instituições que selecionam alunos a partir da nota do Enem. Praticamente todas as universidades federais estão no Sisu. A USP, que é estadual, preenche parte de suas vagas pelo mecanismo. No primeiro semestre de 2020, 237.128 vagas de graduação foram oferecidas no Sisu, em 128 instituições de ensino superior.
O Enem também é critério para acesso a bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos) e contratos do Fies (Financiamento Estudantil).
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, era contra o adiamento e vinha se esforçando para dar cores ideológicas às demandas pela remarcação da prova —argumentava que os pedidos de adiamento era feitos por aqueles que se opõem ao governo. Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) havia defendido "esperar um pouquinho mais" para se definir sobre o tema, mas, pelas redes sociais, escreveu no meio da tarde sobre o adiamento.
"Por conta dos efeitos da pandemia de Covid-19 e para que os alunos não sejam prejudicados pela mesma, decidi, juntamente com o presidente da Câmara dos Deputados [Rodrigo Maia, DEM-RJ], adiar a realização do Enem 2020, com data a ser definida", escreveu em sua conta no Facebook.
A Folha mostrou na terça-feira (19) que o Inep, órgão ligado ao MEC e que organiza o Enem, já analisava novas datas para as provas a pedido do próprio Weintraub. A nova postura do ministro ocorreu após avaliação de que o Congresso aprovaria o adiamento.
O Senado aprovou na terça projeto para o adiamento de forma praticamente unânime —o único senador contrário à medida foi Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente. O tema precisa passar pela Câmara, onde também há forte apoio pela aprovação.
Segundo líderes da Câmara, o adiamento foi concretizado nesta quarta depois que o próprio Bolsonaro, ciente de que perderia no Congresso, deu o sinal para ministro anunciar a mudança.
Na Câmara, Rodrigo Maia desconsiderou a decisão do Inep e do MEC e manteve na pauta do dia a votação da urgência do projeto que adia o Enem, aprovado pelo Senado.
No início da sessão, Maia afirmou que pretendia votar a urgência do Enem, “da qual o presidente da República ficou de sinalizar ou não pelo seu adiamento”.
Ao ser alertado sobre o anúncio do Inep, Maia alfinetou Weintraub e disse que não podia "acreditar nesse ministro”. A seguir, propôs a votação da urgência e que os deputados esperem “a posição do presidente da República”.
O anúncio de adiamento neste momento já era visto como uma possibilidade por parlamentares, o que seria, segundo a avaliação de congressistas, uma forma de tentar esvaziar o protagonismo da Câmara e Senado no tema.
O ministro havia sido avisado na terça de que haveria dificuldade em barrar a aprovação do projeto na Câmara.
Além da perspectiva de derrota no Parlamento, a posição do ministro sofria resistência dentro do próprio governo.
Segundo o Inep, tanto as provas em papel quanto as digitais, que ocorrerão em projeto-piloto, serão adiadas.
O governo Bolsonaro manterá a previsão de uma consulta pública com os participantes. Segundo relatos de técnicos ouvidos pela Folha, uma nova data só será definida após a consulta, mas a ideia é que haja na consulta as opções de adiamento entre 30 e 60 dias.
Ainda há receios dentro do Inep sobre a produção logística do exame em meio as restrições atuais de circulação.
O MEC havia confirmado no fim de março a realização do Enem 2020 nas datas previstas desde o ano passado. Já no início de abril, o Consed, conselho que representa os secretários estaduais de Educação, criticou a manutenção das datas do Enem por temer prejuízos para os estudantes da rede pública, sem aulas por causa das restrições de circulação impostas pela pandemia de coronavírus.
A insistência do governo em manter as datas do Enem, apesar da pandemia de coronavírus e do fechamento de escolas, vai na contramão do que ocorre no mundo.
A maioria dos países adiou exames de acesso à universidade, como é o caso do Enem. Só 5 países, entre 19 com provas similares, mantiveram o cronograma.
Apesar de cada país ter calendário escolar e panorama da doença diversos, a perda de aulas por causa do fechamento de escolas —e o prejuízo dos alunos— está no centro das preocupações da maioria dos países.
Em nota, o Consed, que representa secretários estaduais de Educação, reforçou que sempre se posicionou pelo adiamento do Enem em meio à pandemia.
"Foi um avanço, e reduz um pouco da angústia e da pressão que os estudantes estão sentindo nesse contexto de pandemia", diz nota da entidade. "A preocupação é maior com aqueles mais prejudicados, os alunos do último ano do ensino médio, especialmente da rede pública." Mais de 80% dos alunos de ensino médio do país estão nas redes estaduais.
O órgão defende ainda que a consulta aos participantes, anunciada por Weintraub, deve ser estendida às redes de ensino e instituições de ensino superior.
Para educadores, 30 dias não é prazo suficiente
Educadores ouvidos pela Folha aprovam a decisão de adiar do Enem, mas avaliam que o prazo de 30 dias, aventado pelo Inep para a realização da prova, não é suficiente para reduzir a desigualdade de condições entre os candidatos.
"Mais uma vez não olhamos as experiências internacionais", diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV e colunista da Folha. "Outros países têm adiado seus exames para que alunos tenham ao menos quatro meses de contato com aulas presenciais. Não é o suficiente para acabar com as desigualdades educacionais, mas dá um pouco mais de chance aos mais vulneráveis de terem contato com conteúdos e com o papel motivador que a escola tem."
Levantamento do Instituto Unibanco mostrou que apenas 5 de 19 países com avaliações similares ao Enem mantiveram o cronograma.
Para Costin, o ideal é que a aplicação seja adiada o máximo possível, de preferência para uma data.
Diretor da Faculdade de Educação da USP, Marcos Neira também avalia que o prazo de adiamento deveria ser maior.
"Que condições teremos em dezembro para colocar 40, 50 pessoas em uma sala para fazer o Enem? E na prova digital, como fica o acesso do aluno?", questiona.
Ele cita não só a desigualdade de condições de estudo mas também a fragilidade emocional dos candidatos na atual crise, principalmente dos mais atingidos pela pandemia.
"O Enem normalmente já reforça desigualdades, porque quem tem mais oportunidades de formação tem muito mais chance. Agora, temos o jovem que tem todo o tipo de suporte e o que está sem acesso algum à educação", afirma.
Como a Folha mostrou, após duas semanas de implantação do ensino remoto na rede estadual de São Paulo, metade dos alunos não havia feito nem sequer login no aplicativo de aulas online.
Diretor de estratégia política do Todos pela Educação, João Marcelo Borges classificou a decisão do Inep como correta, mas tardia, incompleta e equivocada na forma.
"Correta porque a necessidade de adiamento era óbvia. Tardia porque o atraso ja custou ao país, tanto em desgaste como em dinheiro —a Justiça, que está com ações relativas ao tema, e o Senado, que votou o adiamento, têm coisas muito mais urgentes para lidar. Equivocada porque, embora seja importante ouvir os estudantes, eles não são os únicos atores. É preciso ouvir gestores, representantes de escolas particulares e instituições de ensino superior", afirma. "De nada adiantará adiar o Enem se isso não for coordenado com o adiamento do ano letivo de 2021."
Números do Enem
4 milhões
de pessoas já se inscreveram para a prova deste ano; inscrições vão até o dia 22
Em 2019:
237.128
vagas de graduação foram oferecidas no Sisu para o 1º semestre de 2020
128
instituições de ensino superior de todo o país ofereceram vagas nesta última edição
R$ 537,6 milhões
foi o custo estimado
1.727
municípios com aplicação do Enem
10.133
locais de prova
10.338.542
de provas impressas
31.600
pessoas envolvidas no transporte, segurança e distribuição das provas
Enem sob Bolsonaro
Erro nas notas
Um dia após liberar consulta ao desempenho individual do Enem 2019, primeiro realizado sob o governo Bolsonaro, o ministro Abraham Weintraub (Educação) admitiu em 18 de janeiro de 2020 erros nas notas. As falhas, iniciadas na gráfica, atingiram 5.974 participantes, segundo o MEC
Sisu
Justiça chegou a cancelar abertura do Sisu, sistema que reúne as vagas em universidades que usam o Enem como vestibular, mas governo conseguiu reverter. Candidatos enfrentaram sequência de falhas no site e também na divulgação de aprovados
Questionamentos
Para apressar resposta, governo dispensou novo cálculo para verificar parâmetros dos itens do exame após erros nas notas. Funcionários afirmaram à Folha que resultados do Enem 2019 não eram 100% confiáveis
Interrupção de aulas
Por causa da pandemia de coronavírus, governos estaduais e prefeituras passam a determinar interrupção de aulas a partir de março. O cancelamento de aulas atinge todos os estados, o que também ocorreu em ao menos 157 países
Manutenção do Enem
MEC publica edital do Enem 2020 em 31 de março e mantém datas antes previstas. Secretários de Educação questionam manutenção de cronograma por causa de prejuízos de interrupção de aulas para alunos mais pobres.
Tribunais
Decisão da Justiça de SP, de abril, cancela Enem, mas governo consegue reverter. TCU indica, já em maio, adiamento do exame por causa da pandemia
1a mudança
Em abril, governo muda datas do Enem digital. Passa de outubro para novembro, mas datas de prova em papel são mantidas para 1º e 8 de novembro
Gráfica
Inep chegou a suspender, em abril, licitação para escolha da gráfica que vai imprimir provas. Edital foi republicado no início de maio
Injustiças
Weintraub insiste em manter a prova e, pelas redes sociais, esforça-se para dar cores ideológicas às demandas de adiamento. Em reunião com senadores, em 5 de maio, ministro diz que Enem não foi feito para corrigir injustiças
Contra mão do mundo
Folha mostra que manutenção do Enem deixa Brasil na contramão do mundo. Só 5 países, entre 19 com provas similares, mantiveram cronograma.
Recuo
Senado aprova projeto para adiar Enem na noite de terça-feira (19). Mais cedo, técnicos do Inep já avaliavam novas datas, a pedido de Weintraub, diante da derrota no Congresso. Ministro anuncia consulta para ouvir participantes sobre mudança de data.
Adiamento
Com cenário de derrota certa no Congresso, Inep divulga nota na quarta-feira (20) em que anuncia adiamento para 30 dias ou até 60 dias. Provas devem ocorrer em dezembro ou janeiro.
Inscrições
Abertas dia 11 de maio, as inscrições vão até dia 22 de maio. Até a terça (19), o Inep já havia registrado 4 milhões de inscritos
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