Anúncio de novo ministro da Educação é visto com ceticismo e esperança de moderação

MEC tem que cuidar das crianças, e não do que pensa Olavo de Carvalho, diz Maia

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São Paulo e Brasília

As reações ao anúncio de Carlos Decotelli, 67, como novo ministro da Educaçao do governo Jair Bolsonaro são um misto de cetismo sobre o futuro da pasta e crença de que seu perfil mais moderado possa aliviar as tensões e os problemas de falta de gestão no ministério.

Carlos Decotelli, novo ministro da Educação, ao lado de Ricardo Velez Rodriguez, ex-titular da pasta
Carlos Decotelli, novo ministro da Educação, ao lado de Ricardo Velez Rodriguez, ex-titular da pasta - Pedro Ladeira/Folhapress

Nesta quinta-feira (25), Decotelli, ex-presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), foi anunciado como sucessor de Abraham Weintraub, demitido na semana passada após uma série de desgastes com o STF (Supremo Tribunal Federal).

Decotelli é oficial da reserva da Marinha e será o primeiro ministro negro do governo Bolsonaro. É a terceira pessoa em um ano e meio a ocupar a pasta da Educação.

Para o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o anúncio de Decotelli foi uma surpresa. No entanto, ele diz que o nome não desagrada a nenhuma das alas do governo.

"Foi surpreendente, mas essa tem sido a regra do governo Bolsonaro. Ele não desagrada ao olavismo [ala ligada ao escritor Olavo de Carvalho, espécie de guru de Bolsonaro], tem vínculos fortes com a política econômica de Paulo Guedes [ministro da Economia] e não desagrada ao 'centrão'", diz Cara.

"Ele tem dito que vai fazer uma gestão técnica. Mas gestão técnica no MEC é uma gestão pedagógica, e ele não entende nada dessa área", afirma.

Segundo Cara, Decotelli deve se alinhar a um projeto de privatização da educação, como pretendido por Guedes. "Concretamente vai representar um desmonte da educação, mas com menos estardalhaço que o Weintraub", diz. "Mais preparado que o anterior para a gestão pública qualquer cidadão é."

Para a colunista da Folha Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais, da FGV e ex-diretora de educação do Banco Mundial, o fato de Decotelli ser considerado mais moderado que seu antecessor já é um bom sinal. "Tivemos um minstro militante, e o MEC não é lugar para isso", diz. "Por um ano e meio precisamos da ação coordenadora do ministério e nao tivemos."

Costin lembra que o momento é ainda mais delicado devido à pandemia do novo coronavírus. "Estamos com as crianças longe das escolas há três meses. Teve toda uma ação dos secretários dos estados para que elas continuassem tendo aulas, mas isso seria mais fácil se tivesse havido ajuda do MEC", afirma. Ainda assim, ela se diz otimista. "É bom que prevaleça o lado da gestão", diz.

Desafeto declarado do ex-ministro Weintraub, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o novo titular do MEC tem um bom currículo, e defendeu que o ministério cuide das crianças, e não do “Olavo da Virgínia (EUA)”.

Maia se referia ao escritor Olavo de Carvalho, responsável pela indicação de Weintraub e por outros nomes da chamada ala ideológica do governo. As declarações foram dadas no início da noite desta quinta-feira (25).

Maia disse que esteve com Decotelli quando ele estava no FNDE. “Ele veio só uma vez aqui no gabinete, mas não tenho nenhuma informação e conhecimento sobre o trabalho dele”, afirma.

O deputado disse que o novo ministro “tem um bom currículo” e “certamente vai ser melhor que o ex-ministro”. “Tem que ter uma pessoa equilibrada, com a cabeça no lugar”, afirmou.

“Acho que o Ministério da Educação tem que cuidar das nossas crianças, do futuro das nossas crianças, e não cuidar do que pensa o Olavo de Carvalho nos Estados Unidos”, criticou.

Questionado sobre se o nome seria uma sinalização de que o presidente estaria procurando uma aproximação com o Congresso e com o STF, constantes alvos de ofensas do ex-ministro, ele afirmou que “quem foi ofendido pelo Weintraub foi o Brasil”.

Entre os deputados mais ligados ao tema da educação, o nome de Decotelli foi bem recebido. Relatora da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que renova o Fundeb, a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO) afirmou à Folha que a escolha foi positiva.

“Tive contato com ele quando era presidente do FNDE. Era uma pessoa acessível, bem preparada e logicamente tive mais aproximação pelo Fundeb. Logo ele montou uma equipe e uma coodenação para estudar o tema. Ele também colocou técnicos à disposição. Acho que foi uma boa escolha”, avaliou a deputada.

Para ela, o Fundeb já não tem mais problemas com o MEC, mas dificuldades com a situação econômica do país, e para que a área econômica entenda que o fundo é estruturante para a educação no país.

Segundo Dorinha, a chegada de Decotelli vai facilitar as converdas sobre o tema. “Eu acho que nosso diálogo pode ampliar bastante porque ele é uma pessoa que tem essa disposição para o diálogo”.

Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), integrantes da comissão de Educação da Câmara, foram cautelosos na avaliação do novo ministro do MEC. Rigoni disse que a pasta passou um ano fazendo uma “cruzada ideológica” que não fez bem ao Brasil.

“O Ministério da Educação perdeu um ano em uma cruzada ideológica que só atrapalhou o país. Desejo sucesso ao novo ministro Carlos Alberto Decotelli. Que reabra as portas do MEC para o diálogo e consiga fazer nossa educação mais eficiente”, disse Rigoni.

A deputada paulista também reforçou a crítica aos ex-ministros Vélez e Weintraub. “Decotelli chega com o desafio de reestruturar um MEC paralisado por dois ministros que nunca tiveram a educação como prioridade. Desejo que ele reconheça que o MEC precisa mudar de rota e esteja disposto ao diálogo para superarmos a crise.”

A deputada não respondeu à provocação da colega Carla Zambelli (PSL-SP), feita nas redes sociais. A deputada bolsonarista citou Tabata em uma publicação, questionando-a se a pedetista teria coragem de criticar Decotelli.

Zambelli destacou nas redes o currículo do novo ministro, incluindo os títulos de mestre e doutor, as entidades de ensino por onde Decotelli já passou e as obras em que é autor ou coautor. ​

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