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Pós-graduação

Mestrado e doutorado a distância não devem massificar programas

Relação com orientador é fundamental, mas docente só pode atender número limitado de alunos ao mesmo tempo

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São Paulo

Quase três anos depois da regulamentação da oferta de mestrado e doutorado a distância nas universidades brasileiras, nenhum curso foi aprovado pelo governo. Agora, uma nova chamada pode impulsionar cursos inéditos na modalidade no país -- sem, no entanto, uma explosão no número de alunos.

A liberação para que instituições como universidades e faculdades criassem cursos de pós-graduação acadêmica e profissional a distância foi publicada em abril de 2019 -- mesmo ano da única convocação de propostas de cursos desse tipo concluída até agora.

Na época, uma portaria da Capes, agência do MEC voltada à pós-graduação no Brasil, regulamentou uma resolução de dois anos antes, do Conselho Nacional da Educação, que começava a flertar com a ideia de mestrados e doutorados a distância no Brasil.

Colagem de imagens com o detalhe de uma mão segurando uma pilha de livros e sobre os livros um homem sentado mexendo no computador. Ao lado esquerdo uma tela de computador com 3 projeções, um professor dando aula, uma aluna utilizando óculos de realidade virtual e uma reunião virtual com várias pessoas online
Maicon Silva

A iniciativa dividiu opiniões na academia. Torceu nariz de quem apostou em uma avalanche de novos cursos de pós-graduação online sem qualidade; por outro lado, foi elogiada pela possibilidade de descentralizar a pós-graduação stricto sensu pelo país e de viabilizar a internacionalização de alunos e de professores.

Gostando ou não, a expectativa era de cursos remotos de pós-graduação operando pelo país já no começo de 2020 (concomitante ao início da pandemia de Covid-19, mas não se sabia disso ainda).

Não foi o que aconteceu. Chegaram à Capes 17 propostas de mestrado a distância em áreas como ciências da vida e humanas vindas de instituições privadas como a Universidade Estácio e de associações de universidades públicas.

A federal do Mato Grosso (UFMT), por exemplo, propôs cursos de mestrado a distância com instituições como a federal de Campina Grande (UFCG) e a federal de Santa Maria (UFSM) --algo bastante inovador.

Nenhum dos projetos, no entanto, foi aprovado pela agência governamental (duas não atendiam às orientações da Capes e as outras 15 foram julgadas e indeferidas).

As ofertas têm esbarrado em questões estruturais e de regulamentação. Para começo da conversa, a instituição de ensino superior proponente precisa ter boas notas nas avaliações oficiais e deve ter autorização prévia do governo para oferta de cursos a distância.

Além disso, a oferta de mestrado a distância depende de existência pregressa de curso presencial na mesma área. E o doutorado remoto só pode ser proposto se o programa já tiver o mestrado a distância (que ainda nem existe no país) bem avaliado pela Capes.

A agência também define, entre outras coisas, que as chamadas "pesquisas de campo" e as atividades que demandam laboratório na pós sejam presenciais mesmo nos cursos a distância. Então o que muda? As aulas e as interações acadêmicas se dão remotamente com base em novas tecnologias.

Acontece que, assim como nos programas de pós-graduação presenciais, a espinha dorsal dos cursos de mestrado e doutorado a distância é o trabalho de cada professor com seus orientandos.

O aluno de mestrado e de doutorado desenvolve uma pesquisa durante sua formação como cientista sob supervisão de um docente vinculado ao programa de pós-graduação. É uma relação tão próxima que os resultados científicos tendem a ser publicados em coautoria por professor e estudantes.

Em alguns países, inclusive, o cientista em formação recebe um salário pelo trabalho que desenvolve --é o que, no Brasil, chamamos de "bolsa de pesquisa", paga por agências de fomento à ciência.

Há, claro, um limite de mestrandos e doutorandos com os quais cada professor consegue trabalhar simultaneamente. Em áreas como medicina tropical, patologia e psiquiatria, por exemplo, a recomendação é de até dez estudantes de pós por orientador.

Trocando em miúdos, não dá para expandir significativamente a quantidade de pós-graduandos com a modalidade a distância. A conta não fecha.

Agora, a Capes abriu de novo uma nova chamada de propostas de cursos presenciais e a distância na pós-graduação, que recebe demandas até abril. Criou um grupo de trabalho voltado às avaliações de entrada e de permanência de programas de pós-graduação stricto sensu a distância com um pessoal renomado.

Ainda que deva ter um número tímido de propostas, a iniciativa da Capes é bem vinda -- e se depara com um novo cenário.

A pandemia acelerou as tecnologias que permitiram manter remotamente os programas de pós-graduação presenciais. Também foram facilitados os processos de conclusão de mestrados e doutorados com defesas remotas. Isso tem sido elogiado.

Pós-Covid, fala-se mais em modelos híbridos de graduação e de pós-graduação, que combinem experiências in loco e remotas, sem uma proposta binária do presencial versus online. É algo para ser debatido pelo governo.

Há, no entanto, novas questões.

A chamada da Capes surge em um momento em que a própria agência está na berlinda, com o ciclo de avaliação dos programas de pós atrasado e com debandada de coordenadores e de pesquisadores de áreas como química e física, que pediram desligamento da agência. Fala-se, inclusive, que a Capes estaria sob pressão para aprovação justamente de cursos de pós a distância de instituições do setor privado.

Para dar um passo importante no sentido de ter mestrados e doutorados a distância no país, é preciso garantir, primeiramente, que a agência governamental que avalia as propostas esteja operando plenamente e em diálogo com a academia.

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