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Fundos criados por ex-alunos se espalham por universidades brasileiras

Recursos de 'endowments' são usados para bolsas e apoio a projetos de professores e estudantes

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São Paulo

Com presença cada vez maior no cenário universitário nacional, os fundos patrimoniais criados por ex-alunos têm pipocado em instituições de todo o país, já financiam projetos e colaboram entre si. As iniciativas, no entanto, ainda enfrentam desafios importantes como a falta de estímulos para doação.

Os chamados "endowments" foram regulamentados no país em 2019. Por lei, definiu-se a possibilidade de criação de fundos obtidos por meio de doações cujos recursos são aplicados no mercado financeiro. Os rendimentos vão para, por exemplo, instituições de educação, ciência e tecnologia. É o caso das universidades.

Fora daqui, a ideia é mais antiga que o próprio ensino superior brasileiro. Esse tipo de fundo é utilizado há mais de dois séculos em universidades de países como os Estados Unidos (aqui, para se ter uma ideia, a USP, melhor universidade brasileira em avaliações nacionais e internacionais, ainda não tem nem 90 anos).

Dezenas de jovens sobem passarela azul
Os fundadores do fundo Patronos, voltado à comunidade da Unicamp, se inspiraram em universidades com "endowments" bilionários, como Yale e Harvard, quando estudaram nos EUA - Antonio Scarpinetti/SEC Unicamp

Nos EUA, de acordo com levantamento recente do jornal U.S.News, que elabora um ranking de universidades daquele país há décadas, em universidades de excelência como Princeton e Dartmouth, metade dos egressos doam a "endowments".

"Há uma cultura de doação nos EUA", diz Henrique Duarte, um dos fundadores e presidente do Reditus, fundo patrimonial de alunos e ex-alunos da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). E também há incentivos fiscais.

No Brasil, ainda estamos tateando a nossa capacidade de arrecadação —e o Reditus tem tido sucesso. O fundo arrecadou mais de R$ 10 milhões no primeiro ano de captação, que coincidiu com o início da pandemia de Covid-19​. As doações vieram de mais de 200 pessoas. "Nunca um endowment tinha feito isso no Brasil", diz Duarte.

A ideia começou antes da lei de 2019, há mais de dez anos, com uma espécie de cofinanciamento de bolsas de estudos no exterior. Um egresso da UFRJ pagava a bolsa de intercâmbio de um aluno que, depois de se formar, pagaria a bolsa de alguém que ainda estava estudando. Depois, resolveram escalar a iniciativa com o fundo.

Quem também se inspirou nas universidades dos EUA foi o fundo Patronos, voltado à comunidade da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). A ideia surgiu durante um intercâmbio: os fundadores do fundo estudaram em universidades com "endowments" bilionários, como Yale e Harvard. Resolveram trazer a ideia para o Brasil.

Estudantes na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde os 'endowments' fazem parte da cultura de ensino
Estudantes na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde os 'endowments' fazem parte da cultura de ensino - Brian Snyder - 14.out.21/Reuters

"O Patronos surgiu de um sonho de ser uma fonte de renda alternativa, independente e perene, focada em investir no desenvolvimento e crescimento da universidade", diz Adriana Fu, diretora do fundo. Hoje, tem um patrimônio de R$ 1,6 milhão, arrecadado com cerca de 200 doadores.

A Unicamp, aliás, conta com outro fundo, o Lumina, primeiro no país criado oficialmente pela própria instituição. As doações são geridas e administradas por uma organização gestora, com a qual a universidade firmou parceria e é beneficiária.

De acordo com Cibele Fortuna, responsável pelo fundo no gabinete da reitoria da universidade, a ideia surgiu a partir de um grupo de trabalho da universidade, assistido por uma assessoria especializada, com a finalidade de viabilizar a implantação do fundo patrimonial. Em 2020, o Lumina foi lançado.

O fundo tem CNPJ e conta própria, assim as doações são totalmente segregadas das contas da universidade. A governança se dá por meio de um conselho de administração, presidido pelo reitor da Unicamp, um conselho fiscal e comitê de investimento.

As buscas por recursos começaram há menos de um ano e estão na fase da chamada captação silenciosa. "Mas adianto que contamos com mais de 130 doações. Nossa meta para os próximos anos é chegar a R$ 15 milhões", diz Fortuna.

Desde a regulamentação de 2019, os fundos têm se espalhado em universidades como a PUC Rio —criado no mesmo ano da lei—, Universidade de Brasília (UNB) e UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Também há fundos até em "células" dessas instituições —caso do Sempre Sanfran, da Faculdade de Direito da USP.

Para se consolidar nesse cenário recente, os fundos têm se ajudado mutuamente. A Patronos, por exemplo, oferece consultoria gratuita para a criação de novos "endowments". "A existência de outros fundos patrimoniais universitários nos ajuda a disseminar a cultura da doação", diz Adriana Fu.

As iniciativas, claro, têm enfrentado desafios. Hoje, o repasse a fundos patrimoniais depende exclusivamente da boa vontade do doador. Isso porque os artigos referentes a benefícios fiscais foram vetados da lei do "endowment" —o que, acredita Duarte, do Reditus, deve ser revisto no futuro.

Sem contrapartida, a captação é feita essencialmente com egressos das universidades. Na Patronos, por exemplo, há 24 ex-alunos recentes da Unicamp contribuindo de forma recorrente.

Os fundos também buscam recursos e parcerias com empresas —caso da Grant Thornton (responsável pela auditoria do Patronos) ou do Pinheiro Neto (que assessora juridicamente o Reditus).

E quem recebe os rendimentos? A decisão é de cada "endowment".

Na UFRJ, 17 projetos de professores e alunos das áreas de tecnologia, matemática e ciências da natureza, selecionados por edital, vão receber R$ 300 mil ao longo deste ano. Na Unicamp, os recursos devem ser destinados também para bolsas para permanência na universidade de alunos de graduação com dificuldades financeiras.

Para Elizabeth Balbachevsky, professora associada da USP e coordenadora científica do NUPPs (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas), a governança é um dos principais desafios desses fundos. E ainda há resistência nas universidades.

"Há uma desconfiança grande das universidades públicas em relação a iniciativas que tenham, mesmo que de longe, alguma aparência de privatização", diz. "Há também receio de que esse tipo de recurso possa abrir uma brecha para aumentar o descompromisso das autoridades públicas com a universidade."

Balbachevsky destaca, também, que esse tipo de fundo exige um tipo de governança híbrida, que pode encontrar entraves. "Qualquer tipo de intervenção externa pode ser vista como ruptura de autonomia da universidade pública."

Ela acredita, no entanto, que as iniciativas devem crescer sobretudo em universidades comunitárias e filantrópicas sem fins lucrativos —como a PUC.

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