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Diferença entre nota de cotistas e demais alunos na USP cai ao longo do curso

Pesquisa inédita revela que notas dos grupos diferem, no máximo, 1,2 ponto e distância se estreita ao fim da graduação

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São Paulo

Na formatura da primeira turma da Universidade de São Paulo, desde a implementação da política de cotas para estudantes de escolas públicas e para pretos, pardos e indígenas, uma pesquisa inédita obtida com exclusividade pela Folha revela que o desempenho dos cotistas foi pouco inferior ao dos demais alunos e melhorou progressivamente ao longo do curso, tornando a distância entre as notas cada vez menor.

O estudo acompanhou por quatro anos as notas dos cerca de 11 mil ingressantes da capital paulista de 2018, quando começou o programa de cotas. Parte desses estudantes, aqueles das faculdades de quatro anos de duração, graduaram-se no início de 2022, em razão do atraso da pandemia, e estão recebendo agora o diploma.

Imagem panorâmica da praça do Relógio, na Universidade de São Paulo
Praça do Relógio, na Universidade de São Paulo - Adriano Vizoni - 26.03.2021/Folhapress

De acordo com a pesquisa sobre o desempenho desses alunos, mesmo nas faculdades mais concorridas, a distância máxima entre os oriundos de escolas públicas e os de particulares foi de 1,2 ponto na mediana das notas, de 0 a 10. A mediana é a nota central de cada grupo —50% dos alunos estão acima dessa marca e os outro 50%, abaixo.

Essa diferença de 1,2 ponto se deu no 1º semestre de 2018. Já no 2º semestre de 2019, ou seja, no último boletim pré-pandemia, a distância havia sido reduzida para menos de um ponto, 0,9 na média. No fim de 2021, após quase dois anos de aulas online, foi de 0,7.

No início do programa de cotas da USP, em 2018, foram reservadas 37% das vagas de cada uma das unidades, que normalmente oferecem mais de um curso. A inclusão se ampliou de forma gradual, anualmente, e atingiu a meta final em 2021, quando 50% de cada curso e turno foram reservados para alunos de escolas públicas e, dentro desse conjunto, 37,5%, destinados a pretos, pardos e indígenas (PPI) —a porcentagem de 37,5 % equivale à proporção dessa população no Estado de São Paulo, mas, como é aplicada na cota de 50%, ficam garantidas para alunos PPI 18,75% de todas as vagas da USP.

A pesquisa sobre o desempenho dos alunos foi realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole, ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Intitulada Ações Afirmativas no Ensino Superior Brasileiro, é divulgada em um momento especialmente acalorado do debate.

Neste ano, está prevista a revisão da lei 12.711, que estabeleceu a reserva de 50% das vagas de universidades federais para quem fez o ensino médio em escola pública, além de determinar cotas para alunos PPI proporcionais à população de cada Estado. A legislação, na qual a USP baseou a sua política de inclusão, estipulou que as cotas deveriam ser rediscutidas em um prazo de dez anos, que se encerra em agosto.

O estudo na USP partiu do banco de dados de estudantes, e dividiu-os em quatro grupos, considerando onde fizeram a educação básica e a autodeclaração racial: pretos, pardos e indígenas (PPI) de escola pública; brancos de escola pública; PPI de escola privada; brancos de escola privada. Esses últimos dois grupos, de escolas particulares, não são beneficiados por cotas, sejam os alunos brancos ou PPI.

Além disso, a pesquisa de desempenho analisou separadamente os cursos que têm o vestibular mais concorrido (mediana da nota final na Fuvest superior a 600; como medicina e direito) e os menos concorridos (abaixo de 600, como letras e geografia).

Nos mais concorridos, a distância de notas entre cada grupo é um pouco maior do que nos menos concorridos, mas, em ambos, diminui ao longo do curso. Do mesmo modo, nos dois casos, o melhor desempenho é dos alunos brancos de colégios particulares, e o pior, dos pretos, pardos e indígenas de escolas públicas. Essa desigualdade se verifica desde o vestibular até o final de quatro anos de graduação, ainda que se reduza.

A diferença da qualidade de ensino da educação básica na rede pública e na privada, como se sabe, já se evidencia na Fuvest. Registrem-se os resultados do vestibular 2018, quando tiveram início a política de cotas na USP e o estudo do desempenho. A melhor mediana foi a de brancos/escola privada (560,4), seguida de PPI/privada (537). As mais baixas são de escolas públicas, sendo 464 a de brancos e 424,9 a de PPI.

Essa diferença se reflete na graduação, especialmente no início, mas os de escolas públicas conseguem, com o passar dos semestres, se aproximar das notas daqueles das particulares, e isso vale tanto para brancos quanto para pretos, pardos e indígenas.

Vejamos a evolução nos cursos mais concorridos (veja gráfico acima). No 1º semestre de 2018, a mediana mais baixa, a de pretos, pardos e indígenas de escola pública, foi 6,5, e a mais alta, de brancos/particular, 7,7 —diferença de 1,2 ponto.

No 2º semestre de 2019, na pré-pandemia, a mediana de PPI/escola pública subiu um pouco, para 6,6, enquanto a de brancos/privada, caiu ligeiramente, para 7,5. Nos dois anos de pandemia, as notas de todos subiram, e a diferença, ao final de 2021, foi de 0,7 —mas é cedo para entender os reflexos das aulas online no desempenho.

A diferença nas notas é menor nos cursos menos concorridos. Pretos, pardos e indígenas de escola pública, no 1º semestre de 2018, tiveram mediana 6,4, ante 7,1 de brancos de escola privada. No 2º semestre de 2019, a mediana de PPI/pública subiu para 6,8, e brancos/privada, para 7,2. Houve, portanto, uma distância de apenas 0,4 ponto entre os grupos até o início da pandemia. Ao final de 2021, as medianas foram de 8 e 8,3, respectivamente.

Para a coordenadora da pesquisa e professora da FFLCH, Marta Arretche, os dados demonstram que a inclusão dos cotistas não compromete a excelência da USP. A hipótese de que as cotas poderiam reduzir a qualidade da universidade costuma ser aventada por críticos das políticas de inclusão. "Essa é uma preocupação legítima, mas que se baseia em suposições", afirma.

"Agora temos esse retrato do desempenho mostrando que a diferença de mediana entre cotistas e não cotistas não é tão grande, o que significa que a excelência da universidade não está ameaçada", avalia Arretche.

Na sua opinião, entre as explicações para isso está a alta competitividade da Fuvest. "Embora a educação básica pública seja, de fato, um comprometedor no desempenho dos alunos na universidade, o vestibular seleciona os melhores, a elite de cada grupo."

Além disso, Arretche lembra que há diversas iniciativas na USP, algumas da própria reitoria, como bolsas de estudo, e outras que surgiram espontaneamente nas faculdades, oficiais ou não, de apoio acadêmico aos alunos cotistas. Entre elas, na Poli, há um programa de reforço aos estudantes de escolas públicas, que têm um déficit significativo de matemática, disciplina base para as engenharias. Na FFLCH, alunos de pós-graduação dão aulas de reforço de leitura, interpretação de texto e redação.

Reitor da USP e professor de medicina, Carlos Gilberto Carlotti Junior afirma que a pesquisa sobre o desempenho dos estudantes comprova que "o programa de cotas acerta ao acreditar no potencial das pessoas".

"São alunos que não tiveram uma educação da mesma qualidade que os de escolas privadas, mas têm potencial para superar essa diferença e chegar ao final da graduação com as mesmas condições."

Arretche e Carlotti não acreditam na possibilidade de que a exigência nas aulas e nas provas tenha sido reduzida. A coordenadora da pesquisa aponta que, muitas vezes, há diferença grande de notas em cada grupo. "Há alunos escolas particulares, brancos ou PPI, que tiram 10 e os que tiram zero, da mesma forma que os de escolas públicas."

Ela pondera que "notas nunca são perfeitas para avaliar alunos", mas são "o instrumento mais aproximado para observar empiricamente o desempenho". Por isso, ressalta, é importante que o estudo seja prolongado.

Há que se considerar que nem todos os cursos se encerram em quatro anos, como direito, engenharia (cinco anos) e medicina (seis), e que é preciso ler com muita cautela os dados dos anos de ensino remoto.

A USP precisa mostrar para a sociedade que o programa de cotas é interessante, aumenta a diversidade e qualifica ainda mais as nossas pesquisas

Carlos Gilberto Carlotti Junior

reitor da USP e professor de medicina

Para o reitor, "não há, desde a implementação das cotas, nenhuma sinalização de queda de prestígio da USP, da produção acadêmica, científica".

"A USP precisa mostrar para a sociedade que o programa de cotas é interessante, aumenta a diversidade e qualifica ainda mais as nossas pesquisas, porque temos alunos de diversas realidades, vivências e pensamentos", afirma. "As grandes universidades internacionais têm programas de inclusão altamente fortalecidos. Se a universidade brasileira ficar fora disso, estará excluída do mundo acadêmico", complementa o reitor.

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