Cientistas criticam acordo entre Capes e Ministério Público sobre avaliação da pós-graduação

Acordo permite que programas com nota mais baixa na nova avaliação utilizem classificação anterior

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São Paulo

A SBPC (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência) publicou nesta quarta-feira (14) uma nota em que critica o acordo firmado entre a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o MPF (Ministério Público Federal).

O acordo diz respeito à avaliação quadrienal dos anos de 2017 a 2020 feita pela Capes. Essa avaliação é realizada para indicar as notas dos programas de pós-graduação do Brasil. Por exemplo, é com base nela que um programa pode deixar de ter bolsas disponíveis para estudantes ou até mesmo ser descredenciado.

A decisão é criticada pela SBPC por causa de uma passagem que permite aos programas de pós-graduação utilizarem a nota da avaliação quadrienal anterior, dos anos de 2013 a 2016, caso tenham sua nota rebaixada na mais recente classificação.

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A presidente da Capes, Cláudia Queda de Toledo, durante entrevista em seu gabinete em Brasília (DF) - Pedro Ladeira - 10.dez.2021/Folhapress

O processo avaliativo é resultado de informações fornecidas pelos programas de mestrado e doutorado. A partir de então, são feitas análises desses dados por comissões de diferentes áreas do conhecimento e ainda ocorrem deliberações por parte de um conselho técnico da Capes.

Até então, a avaliação do quadriênio de 2017 a 2020 se encontrava em um imbróglio jurídico. Uma decisão da procuradoria do Rio de Janeiro impediu que a Capes publicasse os resultados. Segundo os argumentos do MPF (Ministério Público Federal), havia critérios ilícitos no ranqueamento dos programas de mestrado e doutorado do país.

O caso foi um dos motivos da debandada de dezenas de pesquisadores ligados à Capes no final de 2021. O grupo afirmava que a presidência do órgão teria demonstrado descaso para brigar na Justiça pela retomada da avaliação, o que a direção da entidade sempre negou. Agora, a Capes recebeu a autorização para publicar a avaliação mediante um termo firmado com o MPF.

De acordo com o documento, os programas só estão impedidos de utilizar a nota da avaliação anterior se o parâmetro que causou o rebaixamento da nova nota estiver previsto em lei, não fosse existente na classificação de 2013 a 2016 ou se o programa de pós-graduação já tivesse conhecimento desse parâmetro no início da nova avaliação.

"Segundo esse acordo, não se pode fazer a avaliação de um programa e sinalizar que ele está errado, que está fazendo um trabalho mal feito ou mesmo que pode acarretar danos aos seus alunos", afirma Renato Janine, presidente da SBPC.

Para Janine, a avaliação não deve ser encarada como punitivista, mas como um processo pedagógico que indica os pontos positivos e negativos dos programas de pós-graduação.

"Se um programa estiver indo bem, deve subir de nota. Mas se estiver indo mal, vai ter rebaixamento de nota ou até mesmo ser encerrado se a manutenção dele for prejudicial aos alunos de mestrado e doutorado."

À Folha, a Procuradoria da República do Rio de Janeiro afirma que "não é e nunca foi contra o sistema de avaliação por pares, realizado quadrienalmente pela Capes".

A procuradoria explica que o termo assinado não regula a a avaliação da Capes. "O que foi acordado, porém, é que nenhum parâmetro de avaliação novo poderá ser aplicado a período anterior à sua criação", completa.

Segundo a procuradoria, a avaliação realizada entre 2017 e 2020 contou com a aplicação retroativa de novas regras —ou seja, não seguia o acordo de aplicação de parâmetros somente para momentos posteriores.

"Evidente que novas regras podem prejudicar PPGs (programas de pós-graduação), mesmo que criadas de boa-fé", diz a nota.

Outro ponto criticado por Janine é a comunicação da Capes com a comunidade acadêmica acerca do acordo. A SBPC diz ter tido acesso ao termo apenas quando ele já havia sido firmado.

"Nós tínhamos ouvido que ia acontecer esse acordo, mas não sabíamos que já estava assinado e menos ainda quais eram os termos", afirma Janine.

Para ele, seria necessário que a Capes revisse o termo e estreitasse a comunicação com os cientistas.

Já a procuradoria entende que a decisão não foi tomada de forma apressada e que contou com a realização de uma audiência pública com participação da comunidade científica.

Também procurada pela Folha, a Capes comentou as críticas em uma nota assinada pela presidente do órgão, Cláudia Queda de Toledo, e enviada após a publicação da reportagem.

O texto afirma que a presidência da Capes prezou pelo contato com a comunidade acadêmica quanto à avaliação de 2017 a 2020. De forma semelhante, a nota também diz que isso ocorreu com os procuradores.

"Esta presidência desenvolveu intensa comunicação com os procuradores da República responsáveis pela ação, no sentido de esclarecer-lhes as especificidades do sistema de avaliação da pós-graduação brasileira, bem como para encontrar soluções construídas em conjunto, com vistas a pôr fim à ação judicial."

A presidente ainda diz que o acordo firmado com o MPF não significa interferência nas atividades da Capes e não afeta o caráter da avaliação quadrienal. "Nenhuma das obrigações assumidas no acordo importa intromissão indevida nas competências legais da Capes."

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