Só 5% dos jovens terminam ensino médio com aprendizado adequado em matemática

Estudantes saem da escola pública sem conseguir resolver problemas de porcentagem ou usar Teorema de Pitágoras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O Brasil só consegue garantir que 5% dos estudantes terminem o ensino médio em escola pública com o aprendizado adequado em matemática.

Dos cerca de 2 milhões dos jovens que concluem essa etapa do ensino, mais de 1,9 milhão deles deixam a escola sem conseguir, por exemplo, resolver problemas de porcentagem ou usar o Teorema de Pitágoras.

Os dados são de um estudo feito pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) com base nos resultados do Saeb de 2021 (Sistema de Avaliação da Educação Básica), principal termômetro da educação brasileira.

Alunos em escola estadual na zona leste de São Paulo - Zanone Fraissat - 18.out.21/Folhapress

O estudo, obtido com exclusividade pela Folha, destaca que o Brasil apresenta uma dificuldade histórica com o ensino de matemática. Ainda que a pandemia de Covid e o fechamento de escolas tenham piorado o desempenho dos estudantes, antes os resultados também não eram satisfatórios. Em 2019, por exemplo, só 7% concluíram o ensino médio com aprendizado adequado nessa matéria.

Também chama a atenção o fato de que não há nenhuma unidade da Federação que se destaque no indicador. O Espírito Santo atinge o percentual mais alto do país, com apenas 11,2% de alunos com aprendizado adequado. Em quatro estados, o índice não alcança nem 2% dos estudantes.

As redes estaduais de ensino são as principais responsáveis pelas matrículas no ensino médio no país. A cada 10 alunos nessa etapa, 8 estão matriculados em escolas ligadas às secretarias estaduais de educação.

"Mesmo antes da pandemia, o ensino de matemática no Brasil não era efetivo. O fechamento das escolas piorou uma situação que já era muito ruim. Precisamos que haja um olhar urgente para essa tragédia que está acontecendo no país", diz Ernesto Faria, diretor-executivo do Iede.

Em língua portuguesa, o país também não registra uma média satisfatória, mas, ainda assim, fica muito acima do que é observado em matemática. Em português, 31,3% dos alunos saem da escola pública com aprendizado adequado.

"O ensino vai muito mal de uma maneira geral no país, mas em matemática os dados são ainda mais preocupantes. Só ter 5% aprendendo o adequado significa que a política e a estratégia de ensino estão erradas", afirma Faria.

O baixo desempenho em matemática no país começa já nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano), com apenas 36,7% dos estudantes da rede pública alcançando o nível adequado em 2021 —uma queda acentuada em relação ao pré-pandemia, já que esse índice era de 47% em 2019.

Na etapa seguinte, dos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), o índice dos que aprenderam o adequado cai para 15,3% em 2021 —dois anos antes era de 18%.

Katia Smole, doutora em educação na área de ensino de ciências e matemática, diz que a maioria dos países do mundo enfrenta mais dificuldade em garantir o aprendizado adequado em matemática do que na língua materna. No entanto, acrescenta ela, a situação do Brasil é extremamente preocupante.

"Poucos países, só alguns asiáticos, conseguem ter desempenho similar nessas duas áreas. O restante do mundo costuma registrar desempenhos piores em matemática. Mas no Brasil os dados são acachapantes", diz Smole, ex-secretária de educação básica do Ministério da Educação.

Para ela, um dos motivos para a maior dificuldade do ensino de matemática é a familiarização inicial das crianças. "A língua está muito mais presente que os números na nossa formação. A língua é aprendida primeiro em sua forma oral e ocorre de forma muito mais intensa."

É exatamente pela menor exposição da criança com a matemática que a escola precisa nos primeiros anos da educação infantil garantir um aprendizado adequado, o que não tem ocorrido no país.

Faria avalia que uma das explicações para o baixo desempenho já nos primeiros anos da trajetória escolar é a formação dos professores que atuam com as crianças nessa etapa. Em geral, são docentes formados em pedagogia.

"São profissionais não muito afeitos ao ensino de exatas e que não receberam a formação adequada na graduação para ensinar essa disciplina. A partir daí, temos essa sequência extremamente nociva, os alunos não aprendem nos anos iniciais e essa dificuldade vai se arrastando e agravando", diz ele.

Smole explica que a matemática é um dos componentes escolares em que mais pesa a necessidade de conhecimentos prévios. Por exemplo, um aluno que não domina a base para realizar as quatro operações básicas (soma, subtração, divisão e multiplicação) não vai conseguir aprender álgebra ou probabilidade.

"Para avançar, o aluno precisa ter os conhecimentos iniciais muito bem consolidados. No Brasil, a gente só garante essa base para um terço dos alunos. É claro que esse índice vai diminuir ao longo da trajetória escolar."

Ela também defende que o ensino de matemática precisa engajar mais os alunos, uma vez que, a seu ver, a forma como a disciplina é ensinada se distancia dos interesses das crianças e jovens.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.