Principal desafio na educação pós-Bolsonaro é reconstruir o MEC

Estudantes, professores e especialistas defendem que a reorganização do ministério é essencial para que o governo articule a recuperação da aprendizagem

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São Paulo

Com o fim da gestão de Jair Bolsonaro (PL), o novo governo brasileiro vai precisar reestruturar o Ministério da Educação para poder dar início à principal tarefa da área nos próximos anos: conseguir com que alunos recuperem o aprendizado perdido devido à pandemia de Covid-19.

O fortalecimento da pasta é o primeiro passo para salvar essa geração de crianças e jovens afetadas pela crise sanitária, afirmaram estudantes, educadores e especialistas em políticas educacionais consultados pela Folha.

"Ficamos sem o MEC nos últimos quatro anos, no papel de um agente preocupado com o aprendizado, em apoiar Estados e municípios nessa tarefa, em desenvolver políticas nacionais", diz Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann.

Protesto dos universitários contra os cortes de verbas do Ministério da Educação e contra o governo Bolsonaro, em São Paulo, em 18 de outubro - Bruno Santos/Folhapress

O desmonte não é só orçamentário, ressalta Priscila Cruz, presidente da ONG Todos Pela Educação e integrante do grupo técnico da educação da equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O MEC sofreu corte de 96% na linha orçamentária em 2022 da educação infantil, de 95% para a manutenção e o desenvolvimento de ensino. Nos últimos quatro anos, perdeu R$ 20 bilhões", aponta. "Esse é o aspecto mais visível, mas o outro, menos debatido, é o desmonte da gestão."

Professora de português em uma escola estadual de Lagarto (SE), Cleciane Alves diz que sentiu no "chão da escola" a ausência do ministério. "É preciso haver a retomada do MEC, com políticas públicas para a recuperação da aprendizagem", afirma.

Presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz pede a reconstrução urgente do Inep, órgão responsável pelo Enem —que teve em 2022 o seu menor número de inscritos.

Negra, filha de faxineira e de vendedor de frutas da periferia de Fortaleza, a estudante relaciona a queda nas inscrições à alta da evasão escolar nas classes mais pobres, agravada pela pandemia e pela falta de políticas públicas sob Bolsonaro.

Ela defende ainda que seja realizada uma busca ativa por alunos que abandonaram a escola, através de uma ação permanente e articulada pelo MEC, em parceria com as secretarias de educação.

A Ubes defende ainda que o MEC desenvolva um programa emergencial de alfabetização, posição que é também da Fundação Lemann.

"Os números, que já eram muito ruins antes da pandemia, pioraram. Em 2021, só 31% das crianças do 2º ano das escolas públicas sabiam ler", aponta Mizne, citando o percentual dos que obtiveram resultados considerados adequados pelo Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica). "Temos 70% que não se alfabetizaram. São 70% de uma geração. O MEC tem que colocar o foco na recuperação de aprendizagem a partir da alfabetização."

"É possível alfabetizar essas crianças e não custa caro. Não fazer isso é que custará muito caro para o país", afirma ele.

Para o especialista, o caminho é aproveitar modelos bem-sucedidos, como o do Ceará, que, entre as ações voltadas à educação, destina parte dos recursos do ICMS a municípios com bons resultados na aprendizagem —Camilo Santana (PT), anunciado como ministro de educação de Lula, é ex-governador do Ceará, e Izolda Cela, que será a número 2 da pasta, é a atual governadora e já comandou a Secreta ria de Educação do estado.

Priscila Cruz também acredita que devem ser adotados nacionalmente modelos bem-sucedidos localmente. Além do Ceará, ela cita como exemplos o ensino integral de Pernambuco e iniciativas de municípios como Teresina (PI), Sobral (CE) e Coruripe (AL), que colocaram a educação como prioridade, definindo programas, metas e investindo nos professores.

O investimento em avaliações diagnósticas e em um plano de recuperação são essenciais, e isso passa por currículos que definam prioridades. "Não vai dar para ensinar tudo, é preciso escolher bem, além de entender em que ponto do aprendizado cada aluno está", afirma Mizne. "

O sistema educacional tende a considerar, por exemplo, que os matriculados no 7º ano em 2023 realmente estão no 7º ano", critica. "É preciso gritar: ‘Não estão!’ Perderam o 4º e o 5º ano com o fechamento das escolas, então, em 2023, não estão no 7º Ignorar isso só fará a evasão explodir."

A recuperação também exige um aumento do tempo de aula, defende. "Seja com educação em tempo integral, seja com o uso de tecnologia, de atividades no contraturno, o que der para fazer e o mais rápido possível".

Cleciane também defende a expansão da educação em tempo integral. "Sou professora em um colégio com esse modelo, então falo embasada na minha prática. O tempo integral é importante sobretudo para combater os efeitos e as desigualdades agravados pela pandemia", avalia. Investir na formação dos professores de forma continuada também é fundamental, diz ela.

Sobre esse aspecto, Priscila Cruz defende que o MEC deve rever a regulamentação sobre o ensino a distância na formação de professores. Segundo um levantamento do Todos Pela Educação, seis em cada dez docentes formados no país entre 2010 e 2020 fizeram EAD, que tem notas piores do que as do ensino presencial no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).

Por fim, mas não menos importante, Jade Beatriz, da Ubes, menciona o cuidado com a saúde mental dos estudantes e a melhora da qualidade da merenda escolar. "O governo federal repassa R$ 0,36 para a alimentação de cada aluno, e temos 10 milhões de lares com crianças passando fome."

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