Com pandemia, crianças de até 5 anos podem ter perdido 25% da renda que teriam na vida adulta

Relatório do Banco Mundial alerta para a necessidade de políticas públicas que revertam perda de capital humano

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São Paulo

As crianças pequenas acumularam um déficit cognitivo durante a pandemia que pode significar uma queda de 25% na renda que teriam na vida adulta. O impacto foi calculado pelo Banco Mundial e divulgado na manhã desta quinta-feira (16).

O relatório "Colapso e recuperação: como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito" aponta que as crianças de 0 a 5 anos são as que tiveram maiores perdas com a crise sanitária e podem sofrer a repercussão mais severa ao longo da vida.

O Banco Mundial calcula que, para a população de 6 a 14 anos, as perdas desse período podem representar uma queda de 10% de rendimento ao longo da vida.

 Menina de 5 anos, aluna de escola municipal de São Paulo, tenta escrever o próprio nome
Menina de 5 anos, aluna de escola municipal de São Paulo, tenta escrever o próprio nome - Marlene Bergamo 18.dez.2020/Folhapress

"O risco é maior para as crianças menores porque o desenvolvimento humano é cumulativo. Elas tiveram perdas significativas no início da vida, que podem se arrastar por toda a trajetória escolar e culminar em piores oportunidades de trabalho", disse Joana Silva, economista sênior do Banco Mundial e uma das autoras do estudo.

Segundo Joana, as crianças dessa faixa etária sofreram com perda crítica de investimentos em saúde e pré-escola, o que afetou o desenvolvimento cognitivo. Esse prejuízo se reflete de forma imediata, por exemplo, na dificuldade de aquisição de vocabulário e aprendizagem inicial em matemática e linguagem.

"As crianças mais velhas e os jovens também sofreram perdas que podem ter consequências para toda a vida, mas elas foram menos impactadas porque já tinham desenvolvido habilidades, acumulado algum conhecimento. Ainda que possam ter regredido em alguns deles", explica a economista.

O estudo avalia que, com as escolas fechadas, as crianças não apenas deixaram de aprender como também esqueceram o que já haviam aprendido. O relatório calcula que, a cada 30 dias de fechamento das escolas, os alunos perderam cerca de 32 dias de aprendizagem.

BRASIL

A situação do Brasil é ainda mais crítica, já que foi um dos países com o maior tempo de escolas fechadas. Segundo o estudo, na média mundial as aulas presenciais foram suspensas por 5,9 meses —o que representa uma perda de aprendizagem de 6,2 meses. Já no Brasil, as escolas ficaram fechadas por dez meses, em média.

"Esta é a dura realidade em muitos países, especialmente os de renda baixa, e é prenúncio da magnitude do desafio que temos pela frente", destaca o relatório.

Joana Silva afirma que o objetivo do relatório é alertar os países para a importância e a urgência da implementação de políticas públicas voltadas para reverter as perdas que crianças e adolescentes sofreram durante a pandemia.

"As perdas individuais que essas crianças estão vivendo hoje vão influenciar o futuro da economia. Os países devem entender que precisam investir agora para evitar perdas coletivas de grande magnitude", disse.

O estudo aponta algumas ações que podem reverter esse quadro, evitando que esse começo ruim cause maior perda de capital humano durante a vida dessas crianças. O documento recomenda, por exemplo, que as políticas públicas priorizem transferência de renda para famílias com crianças pequenas e programas parentais para incentivar maior estímulo cognitivo e socioemocional em casa.

Recomenda, ainda, campanhas de atualização da carteira de vacinação e suplementação nutricional, além da ampliação da cobertura da educação infantil.

O documento chama atenção também para a evasão escolar, que aumentou após a reabertura das escolas. Dados do Censo Escolar de 2022 mostram que a proporção de crianças matriculadas em pré-escola (de 4 a 5 anos) caiu durante a pandemia no Brasil. Em 2019, 92,9% da população dessa faixa etária estava na escola. Em 2022, a cobertura caiu para 91,5%.

Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) mostram que 400 mil crianças e adolescentes em idade escolar (dos 4 aos 18 anos) deixaram de ir à escola após a retomada das aulas presenciais em 2021.

Ainda que alerte para consequências mais severas para as crianças pequenas, o estudo também destaca que é preciso desenvolver políticas para apoiar os adolescentes. A entidade ressalta que, durante a pandemia, aumentou em todo o mundo o número de jovens de 15 a 24 anos que deixaram os estudos, mas também não conseguem trabalho.

Em outubro do ano passado, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgou um relatório em que o Brasil aparecia como o segundo país com a maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que não conseguem nem emprego nem continuar os estudos.

"O declínio no emprego não acompanhado por aumento da taxa de escolaridade gera grande preocupação. O tempo fora da força de trabalho é tempo gasto sem adquirir experiência de trabalho, o que em si é uma forma de construir capital humano. Esses efeitos negativos podem persistir por uma década", diz o relatório.

Políticas prioritárias recomendadas pelo Banco Mundial para reverter perdas de capital humano

Primeira Infância

  • Apoiar campanhas direcionadas para vacinação e suplementação nutricional
  • Expandir a cobertura de transferências de renda para famílias com crianças pequenas
  • Aumentar a cobertura dos programas de educação dos pais/parentalidade
  • Expandir a cobertura da educação infantil


Crianças em idade escolar

  • Manter as escolas abertas e aumentar o tempo de instrução
  • Avaliar o aprendizado, adaptar a instrução ao nível dos alunos, lançar campanhas de recuperação para os alunos que ficaram mais atrasados
  • Concentrar esforços nos conhecimentos fundamentais e simplificar o currículo
  • Acompanhar os alunos em risco de evasão
  • Aliviar as restrições financeiras e fornecer incentivos para os alunos frequentarem a escola

Jovens

  • Para os jovens (de 15 a 18 anos), apoiar programas de transferências de renda condicionadas e campanhas de informação
  • Para os jovens mais velhos (de 19 a 24 anos), tornar o ensino técnico e superior relevante e envolvente e fazer parceria com provedores de serviços e o setor privado para oferecer credenciais práticas de curto prazo
  • Campanhas e ações para evitar a gravidez na adolescência
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