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Aos 7, menino da Maré sonha em construir robôs agrícolas após curso de programação de Harvard

Morador de complexo de favelas do Rio fez aulas online e conseguiu bolsa para pagar certificado; ele também se interessa por xadrez e agricultura

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Rio de Janeiro

O jogo é simples: para ganhar é preciso clicar nas balas que voam em frente a uma escola. Na tela, uma criança está deitada no chão para se proteger dos tiros. Ela conta que já passou mais de cinco horas escondida em sala de aula à espera do fim de operações policiais.

Apesar de o roteiro parecer de um jogo de ação, é na verdade a história real de seu criador, um menino de apenas sete anos morador do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.

Na imagem, Álvaro aparece atrás de peças de xadrez. Ele é um menino negro, de cabelo raspado e magro. Ele sorri e pisca um olho para a câmera
Adriano Álvaro de Melo, 7, aprendeu inglês e foi atrás de um financiamento com a própria universidade para poder pagar a taxa de inscrição do curso - Eduardo Anizelli/Folhapress

Adriano Álvaro de Melo fez seu primeiro jogo neste ano em um curso online da universidade americana Harvard. Em inglês, que aprendeu sozinho por um aplicativo, ele conta a história do Super Alvinho, um supercientista.

"Agora posso usar os meus superpoderes para aprender mais. Quero construir robôs agrícolas e fazer pesquisas para melhorar a produção e distribuição de alimentos no mundo", diz Super Alvinho no jogo.

Álvaro foi avaliado com AH/SD (altas habilidades/superdotação) durante a pandemia. Ele tinha apenas quatro anos e estava começando a ler e escrever através do aplicativo GraphoGame, do Ministério da Educação, indicado para crianças do 1º e 2º ano do ensino fundamental.

"Uns 15 dias depois de instalar o aplicativo, ele já estava lendo e diferenciando letra maiúscula de minúscula. Ele dizia que o bonequinho tinha ensinado ele", conta Priscila de Melo, mãe de Álvaro.

O curso de Harvard é gratuito, mas o certificado de conclusão custa U$ 299 (cerca de R$ 1.500 na conversão atual, sem contar taxas). Sem condições financeiras para arcar com o gasto, o menino conseguiu uma bolsa através do programa de assistência da universidade, voltado para alunos de baixa renda.

Para isso, teve que responder em inglês qual era sua situação financeira e como aproveitaria o curso dentro de seus objetivos de vida —um questionamento complexo para a idade dele.

Com três semanas de duração, as aulas eram todas em inglês e ensinavam a fazer jogos e animações usando Scratch, uma linguagem de programação em que o código é escrito através de blocos gráficos, que são encaixados como um quebra-cabeça.

O curso não exige idade específica, mas o Scratch é indicado para quem tem mais de oito anos. Além de aprender essa linguagem, o curso ensina os fundamentos de Java e Python, que são linguagens mais complexas, e serve como uma porta de entrada para o mundo da programação.

Interesse no agro

Desde que descobriu as altas habilidades, Álvaro começou a estudar programação, inglês, xadrez, robótica e agricultura. Apesar de sua pouca idade, já tem certificados em seis cursos agrícolas do Sebrae, incluindo um de 32 horas sobre "jovem empreendedor no campo".

Segundo Priscila, o interesse surgiu ao visitar a família em Santana do Manhuaçu, cidade mineira com pouco menos de 9.000 habitantes e que fica a 300 km de Belo Horizonte.

A história de Álvaro foi descoberta pelo portal Maré de Notícias, sobre a rotina do conjunto de favelas da zona norte do Rio. A região é alvo frequente de ações policiais e confrontos com criminosos, que atrapalham o funcionamento das escolas e interrompem aulas. A cena descrita por Álvaro no jogo não é apenas fruto de sua imaginação, mas a realidade vivida na comunidade.

Outro entrave para o ensino, segundo sua mãe, é a falta de atendimento para quem tem AH/SD. A escola e a creche frequentadas pelo menino não tinham suplementação adequada para Álvaro, que acabou desenvolvendo um quadro de estresse.

A Secretaria Municipal de Educação informou que orientou pela transferência do menino para um ginásio tecnológico e levá-lo a um centro de educação especial da prefeitura. A mãe, porém, relata que em nenhum desses lugares Álvaro conseguiu atendimento desejado.

"Me responderam que nenhuma escola é completa, sempre vai estar faltando algo", diz Priscila.

A mãe decidiu tirar o filho da rede pública até achar uma nova solução. Desde julho, o menino está fora da escola —o que, na idade dele, é proibido por lei.

Hoje, ele vai a uma escola bíblica três vezes por semana à noite e faz parte de um projeto de xadrez para crianças. Neste ano, Álvaro entrou para um curso particular de inglês. Durante o dia, sem ter a rotina de um ensino formal, estuda no laptop em casa.

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