Descrição de chapéu violência

Rio tem média de três chacinas policiais por mês, mostra levantamento

Estudo do Instituto Fogo Cruzado mostra que região metropolitana teve 283 operações policiais com três ou mais mortos entre 2016 e 2023

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Rio de Janeiro

A região metropolitana do Rio de Janeiro teve média de três chacinas policiais por mês nos últimos sete anos. É o que mostra levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado divulgado nesta segunda-feira (27).

O instituto analisou o número de ações e operações policiais que tiveram três ou mais vítimas entre 1º de agosto de 2016 e 31 de julho de 2023. Ao todo, 1.137 pessoas foram mortas em 283 incursões do tipo.

Embora não haja uma definição legal do que seja chacina, há consenso entre os especialistas de que o termo serve para designar casos em que ocorram três ou mais mortes intencionais em um mesmo episódio. Já a chacina policial é quando esses casos são cometidos por agentes das forças de segurança.

Sangue escorre de caveirão da Polícia Militar
Caveirão da Polícia Militar no hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio de Janeiro. O veiculo blindado da PM trouxe os corpos de dois homens mortos em ação policial no Complexo de Israel, também na zona norte - Eduardo Anizelli-2.ago.2023/Folhapress

As definições de chacina e de chacina policial foram estabelecidas para que fosse possível monitorar esse tipo de ocorrência. Contudo, sem haver tipificação legal, não há dados oficiais sobre esses casos. O monitoramento é feito por instituições da sociedade civil, como o Fogo Cruzado.

"O Estado não faz nem usa os dados produzidos pela sociedade civil para produzir planos eficientes para sua política de segurança pública", afirma a diretora de dados e transparência do Fogo Cruzado, Maria Isabel Couto.

"Ao não fazê-lo, o estado demonstra o descuido em relação à segurança pública e à população que sofre no fogo cruzado enquanto o estado insiste nas mesmas medidas tomadas há décadas no Rio de Janeiro".

Segundo Couto, ao analisar todas as chacinas que ocorreram dentro do período, as cometidas por policiais foram maioria.

"Do total de chacinas registradas pelo Fogo Cruzado, 72% aconteceram em ações e operações policiais. É uma chacina por semana, e quase três em cada quatro foram cometidas por policiais", diz a especialista.

"Estamos falando de uma dinâmica fundamentalmente marcada pela ação do Estado, que deveria garantir a segurança e o direito à vida da população".

Ao longo dos últimos sete anos, as chacinas policiais se tornaram mais letais. No ano passado, a taxa de letalidade foi a maior registrada: 194 pessoas morreram em 41 operações do tipo.

Em 2022, o Rio registrou duas das quatro operações policiais mais letais de sua história: em maio, na Vila Cruzeiro, onde 23 pessoas foram mortas; e em julho, no Complexo do Alemão, que teve 16 vítimas. As duas comunidades ficam na zona norte do Rio.

No topo do rol das incursões mais letais está a operação no Jacarezinho, também na zona norte, que aconteceu em maio de 2021. Na ocasião, 27 pessoas morreram. Em terceiro lugar, atrás da ação na Vila Cruzeiro, de 2007, no Complexo do Alemão, que deixou 19 mortos.

Em 2023, apenas nos sete primeiros meses do ano, a região metropolitana do Rio teve 20 chacinas policiais, com 76 mortes, registradas pelo Fogo Cruzado.

OPERAÇÃO VINGANÇA

O levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado traz o conceito de operação vingança, isto é, quando a chacina policial acontece depois de um agente das forças de segurança ser morto ou ferido.

Segundo o instituto, nos últimos sete anos foram registradas 18 ações motivadas por vingança. Nelas, 117 civis foram mortos. Isso faz com que a operação vingança seja 71% mais letal do que uma chacina em que não houve nenhum policial baleado.

As operações no Jacarezinho, em 2021, e no Alemão, em 2022, são consideradas pelo Fogo Cruzado como operações vinganças.

No primeiro caso, as mortes na operação aconteceram após o policial civil André Frias morrer com um tiro na cabeça enquanto retirava barricadas das ruas. A ação durou mais de dez horas com intensos tiroteios. Os agentes envolvidos chegaram a ser investigados, mas a maior parte dos inquéritos foram arquivados.

Já no Alemão, a operação durou 24 horas e foi feita por agentes do Bope (Batalhão de Operações Especiais), da PM, e pela Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), da Polícia Civil. As duas unidades são conhecidas por serem a elite das forças de segurança do Rio.

Na ação, o cabo da PM Bruno da Paula Costa foi atingido por três tiros nas costas enquanto estava na base da UPP Nova Brasília, uma das comunidades do Alemão. Depois de sua morte, 15 pessoas foram mortas por policiais. As corporações afirmaram que os mortos eram suspeitos de envolvimento com o tráfico, embora, conforme mostra o relatório do Fogo Cruzado, muitas das vítimas sequer tinham anotações criminais.

UNIDADES POLICIAIS ENVOLVIDAS

O Bope e a Core são, respectivamente, as unidades policiais envolvidas em chacinas com o maior número de vítimas. De acordo com o Fogo Cruzado, o batalhão de operações especiais da PM foi a unidade que esteve envolvida com o maior número de chacinas e de mortos. Foram 34 episódios do tipo com 304.

Já a Core aparece em quarto lugar no quesito de casos de chacina; foram 23 nos últimos 7 anos. Mas é a segunda com a maior letalidade, com um total de 155 vítimas.

Nenhuma das duas unidades utiliza câmeras corporais em seus agentes, embora haja uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) para que os equipamentos sejam instalados nas equipes.

A câmera é uma forma de monitorar os casos em que há uso excessivo da força policial e serve como prova quando há morte por intervenção de agentes do estado. Ela também é uma salvaguarda para os policiais provarem que sua conduta foi justificada. No entanto, o governo do Rio alega que os equipamentos atrapalham a atuação das forças.

Em segundo lugar em número de chacinas policiais está o 7º Batalhão, responsável pelo município de São Gonçalo. Sozinha, a unidade esteve envolvida em 33 episódios do tipo que resultaram em 109 mortos.

Segundo Maria Isabel Couto, os números chamam atenção.

"Quando há dados, conseguimos identificar onde estão os maiores problemas. E aí que o 7º Batalhão chama atenção. Não estamos falando de uma unidade especializada da polícia, mas de um batalhão regional, responsável por uma área em que há um claro uso desmedido da força".

Ela completa: "Como justificar 14 chacinas policiais no complexo de Salgueiro [conjunto de favelas em São Gonçalo]. Qual é o impacto disso para o desenvolvimento social e econômico de uma região que já enfrenta problemas graves?"

O Salgueiro é a comunidade que concentrou o maior número de chacinas policiais ao longo dos anos. Foram 14 com 66 mortos. Foi lá que, conforme cita o relatório do Fogo Cruzado, policiais militares do 7º Batalhão fizeram, em novembro de 2021, uma festa em uma piscina a cerca de 500 metros de onde foram encontrados 11 corpos em um mangue.

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