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Cinco usos pedagógicos do celular na escola

Trancar os aparelhos dos jovens a sete chaves é esquivar-se da realidade

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Mariana Ochs

coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta

Sem fazer pouco da importância de tratarmos do bem-estar digital, de regular as redes sociais e de demandar tecnologias mais transparentes e livres de funcionalidades nocivas, é preocupante a escalada de medidas excessivamente restritivas quanto ao uso de celulares em ambiente escolar.

A notícia recente sobre uma escola que adotou pochetes trancadas à chave para os celulares provoca a reflexão sobre qual o limite e a forma de monitorar o uso dos equipamentos. É claro que não queremos telas no lugar de interação no recreio, nem tirando o foco das aulas. Mas retirar os aparelhos de circulação não resolve a principal questão: educar para o uso consciente.

É preciso enfrentar os problemas que os dispositivos trazem, dos aspectos viciantes ao conteúdo negativo a que os jovens são expostos. É justamente na escola que temos a melhor oportunidade de interrogar as tecnologias de forma mediada e exploratória, construindo coletivamente o conhecimento crítico sobre como funcionam e seus efeitos na sociedade –e, mais do que isso, entendendo que podemos propor outras formas de relacionamento com e através das tecnologias, e até mesmo funcionalidades mais desejáveis.

A estudante Sofia Hasbani Schmidit testa pochete que tranca o celular durante o período escolar e será adotada pela escola onde ela estuda, a Alef Peretz, de São Paulo - Divulgação

O preço a pagar por não criarmos essas oportunidades formativas pode ser alto: adolescentes que não sabem como pesquisar online e selecionar informação de qualidade, não questionam os efeitos das tecnologias sobre seu comportamento e não aprendem a autorregulação; jovens que não conseguem identificar comportamentos tóxicos e violações de direitos na internet, ou que são cooptados por movimentos extremistas; adultos que acreditam em teorias conspiratórias, adotam posturas negacionistas e ameaçam as instituições democráticas.

A educação tem o papel fundamental de orientar a entrada dos jovens no mundo da comunicação digital, sobretudo ao examinar as dinâmicas visíveis e invisíveis dos dispositivos e ambientes que eles mais usam. Por isso, a entrada desses temas e práticas no currículo deve acontecer sempre com duração, forma e propósito adequados ao estágio de desenvolvimento do estudante.

Sendo assim, listamos cinco bons motivos para o uso intencional e mediado de celulares e redes sociais na escola:

  1. Aprender a fazer pesquisas qualificadas: Há cada vez mais evidências de que os jovens preferem fazer pesquisas no TikTok ou no ChatGPT, e não nos buscadores. Isso potencialmente os expõe a informações falsas ou de baixa qualidade, mas há outra consequência grave: distanciá-los cada vez mais da fonte das informações. É preciso conhecer as possibilidades e limitações das novas ferramentas para poder fazer uso adequado delas; o ChatGPT, por exemplo, gera textos coerentes e convincentes, mas que podem ser imprecisos.

  2. Aprender a avaliar a informação: Se o celular é o principal ponto de contato com a informação, é preciso saber destrinchar a cacofonia de vozes que ele nos traz. Ao navegar pelas redes, os adolescentes devem entender, por exemplo, que a popularidade de influenciadores não necessariamente lhes confere a autoridade de especialistas; e reconhecer a necessidade de verificar a informação antes de compartilhá-la.

  3. Conhecer o funcionamento dos ambientes algorítmicos: É preciso entender por que vemos o que vemos na internet. Isso significa problematizar o funcionamento das decisões algorítmicas que regem nosso acesso à informação e nossas interações. Adolescentes que consomem conteúdos nocivos podem acabar sendo direcionados para ambientes tóxicos e perigosos. Reconhecer a ação desses algoritmos é o primeiro passo para que possam se defender desses efeitos proativamente.

  4. Observar as relações de poder por trás da tecnologia: os sistemas tecnológicos tendem a reproduzir assimetrias de poder. É o caso, por exemplo, de IAs treinadas com dados pouco representativos da diversidade presente na sociedade. Os jovens devem aprender a questionar seu funcionamento e identificar a que interesses servem essas tecnologias, que podem ampliar desigualdades ou mesmo silenciar determinadas visões de mundo.

  5. Praticar o uso positivo: Além de condenar o bullying e as agressões, podemos ajudar os jovens a identificar os aspectos positivos da internet, e direcionar seu uso para isso. Não devemos subestimar o poder de conexão das redes sociais, que muitas vezes ajudam os jovens a ampliar os seus círculos, afirmar sua identidade, encontrar pertencimento e apoiar causas que lhes são caras.


As dificuldades que vivemos hoje com o uso inadequado desses dispositivos decorrem, em grande parte, do descompasso entre o desenvolvimento acelerado da tecnologia e a morosidade da resposta social aos seus efeitos. Sem dúvida veremos acentuarem-se os esforços regulatórios e os movimentos das próprias empresas de tecnologia, que precisarão adequar o design de seus produtos às demandas sociais. De nossa parte, cabe fortalecer educadores e famílias para que, juntos, possamos conduzir os jovens a um uso mais saudável desses ambientes.

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