Bancas para identificar cotistas negros chegam a todas as universidades federais

Levantamento do MEC mostra que, neste ano, a heteroidentificação atingiu as 69 instituições de ensino mantidas pelo governo federal

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São Paulo

As bancas de heteroidentificação, formadas com o propósito de conferir se os estudantes que se beneficiaram de cotas para negros são realmente pretos ou pardos, chegaram neste ano a todas as universidades federais brasileiras.

Relatório do MEC obtido com exclusividade pela Folha aponta que, em 2024, esse mecanismo de verificação chegou à totalidade das 69 instituições de ensino superior mantidas pelo governo federal. De acordo com o levantamento, em 2018 eram apenas 16 universidades federais que faziam a heteroidentificação.

No ano passado, quando o levantamento do MEC começou a ser feito, as bancas já haviam sido implementadas em 66 universidades federais, e agora chegaram a todas.

Da esq. à dir, os estudantes Glauco Livramento, 17, e Alison Rodrigues, 18, que tiveram a autodeclaração racial negada pela banca de heteroidentificação da USP - Leitores

As três últimas que ainda não haviam adotado as bancas e o fizeram neste ano, segundo a pesquisa, foram a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a Universidade Federal de Rondônia (Unir) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

O levantamento, feito em parceria com a Unesco, aponta que há "uma profusão" de modelos de averiguação, bem como de regras para a composição das bancas e critérios para decisão. A avaliação é sempre fenotípica, ou seja, baseada no conjunto de traços observáveis, como cor da pele, cabelos e o formato da boca ou do nariz, mas há critérios que podem diferir, por exemplo, se o candidato, para ser aprovado, precisa da maioria dos votos da banca ou da unanimidade, dentre outros.

As avaliações são feitas também de forma variada –por foto ou vídeo enviado pelo candidato, por entrevista via videoconferência ou presencial ou ainda combinando esses modelos. O relatório não tabula esses dados, mas aponta resoluções e editais que criam as bancas e, nesses documentos, é possível conferir os modelos de verificação.

Na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), por exemplo, o candidato deve enviar um vídeo em que fala seu nome, RG, curso, se autodeclara preto ou pardo e cita características fenotípicas que, em sua opinião, justificam a autodeclaração.

Já na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), as bancas são presenciais. Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), são analisadas fotografias enviadas pelos estudantes e, mediante denúncias ou suspeita de fraudes, o aluno é convocado para verificação presencial.

A pesquisa foi feita pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC.

Em nota, o ministério afirmou que, "em 2024, 12 anos após a Lei de Cotas, as comissões de heteroidentificação tornaram-se o principal mecanismo de implementação das ações afirmativas na modalidade reserva de vagas para subcotas raciais nas universidades federais".

Assessor do gabinete da Secadi, Cleber Santos Vieira afirmou à Folha que foi "uma feliz surpresa" o fato de as bancas terem chegado a todas as universidades federais e que isso mostra como "as instituições estão buscando mecanismos para garantir a eficácia das políticas públicas de ações afirmativas".

A partir do levantamento, segundo ele, o MEC, "respeitando a autonomia das universidades, que é protegida pela Constituição, quer construir orientações para as bancas, as mais harmônicas possíveis".

"O Brasil é grande, a complexidade regional incide na racial, mas temos em comum o desejo de fazer valer a Lei de Cotas, então vamos buscar um diálogo", afirmou Vieira, que é professor do Departamento de Educação da Unifesp e ex-presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).

A Lei de Cotas prevê a reserva de metade das vagas nos cursos de graduação das universidades federais para estudantes que fizeram os três anos do ensino médio em escola pública. Dentro desse número, deve ser reservada uma porcentagem para alunos PPI (preto, pardo e indígena) equivalente a essa população em cada estado.

Nos primeiros anos de implementação das cotas nas universidades, a autodeclaração dos candidatos bastava. Mas, com o surgimento de denúncias de fraudes, essas instituições deram início à implementação das bancas de heteroidentificação.

Recentemente, a polêmica em torno dessas comissões se acirrou com a revelação, pela Folha, do caso de dois estudantes aprovados em cursos dos mais concorridos da USP, um em medicina e outro em direito, que tiveram a matrícula cancelada porque a banca de heteroidentificação afirmou que eles não eram pardos, como haviam se autodeclarado –posteriormente, a Justiça determinou que eles fossem rematriculados.

Pesquisadores e membros de bancas entrevistados pela Folha afirmam que os estudantes que se autodeclaram pardos são os que normalmente geram dúvidas no preenchimento de cotas para negros (pretos + pardos). E os pardos se tornaram, nos últimos anos, a maioria da população brasileira (mais de 45%). Diante disso, tem crescido nesse universo da heteroidentificação uma corrente que defende que o melhor caminho é o da tolerância e que, na dúvida, os alunos devem ser aprovados.

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