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Ao desencorajar universidades, André Valadão ignora a realidade

Declarações do pastor promovem uma visão de sociedade onde os jovens são mantidos em uma bolha, incapazes de tomar decisões próprias e enfrentar desafios

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Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

Nesta semana, pastor André Valadão, líder da Igreja Batista da Lagoinha em Orlando, publicou em suas redes sociais um vídeo em que critica os crentes que deixam seus filhos irem para a universidade, argumentando que o ambiente universitário pode "mandar os filhos para o inferno". Ele também questiona se gostariam de ver suas filhas se tornarem "rodadas". Recomendação essa que não só parece ignorar a realidade de parte do seu público quanto os próprios ensinamentos do cristianismo.

A decisão de fazer ou não faculdade é complexa e envolve várias considerações. Um dos problemas do conselho de Valadão é partir da premissa de que essa escolha deve ser dos pais. Afinal, para que os jovens enfrentem melhor o início da vida no mercado de trabalho, é essencial incentivá-los a serem autônomos desde antes.

O cantor e pastor André Valadão - Divulgação

Atualmente, mais de 30% dos recrutadores preferem contratar trabalhadores mais velhos aos candidatos da geração Z, segundo um relatório da Resume Builder. Além disso, um levantamento da consultoria educacional Intelligent mostrou que jovens recém-formados estão levando os pais para participarem de suas entrevistas de emprego nos Estados Unidos. No Brasil, essa tendência também está começando a aparecer.

Como esperar que os zoomers sejam bons profissionais se todas as decisões importantes de suas vidas estão sendo tomadas exclusivamente pelos pais? Não dá para reclamar de que a geração atual é molenga, suscetível a perder a fé, pouco profissional, e ao mesmo tempo defender tratá-los como crianças pequenas por toda sua vida. Os anos de faculdade, mesmo nos ambientes mais hostis, serão apenas uma pequena fração das dificuldades que um jovem cristão, conservador ou nenhum dos dois vai enfrentar na vida.

Dados revelam a importância não só do acesso à educação, mas reforçam a relevância de considerar a sua qualidade. Entre 1992 e 2022, a proporção de trabalhadores com ensino médio completo subiu de 20% para 65%. O mesmo vale para o ensino superior: 22,4% dos brasileiros tinham conquistado o diploma em 2022, o recorde. No entanto, a melhoria da produtividade não acompanhou esse aumento de acordo com um estudo do IBRE-FGV. Na prática, além do acesso, a qualidade do ensino é crucial não só para o desenvolvimento individual mas também para a economia como um todo.

Os baixos níveis de aprendizagem prejudicam a renda, mas afirmar que a expansão da escolaridade foi inútil é equivocado. O mesmo relatório mostra que, sem o maior acesso à educação formal desde a redemocratização, a situação do mercado de trabalho seria muito pior. Por exemplo, a taxa de informalidade subiria de 48% para 63% e o rendimento médio cairia de R$ 2.700 para cerca de R$ 1.800. Isso indica que a educação, mesmo com desafios de qualidade, tem um impacto positivo significativo.

Em que pesem essas evidências, cada situação é única. Às vezes, o adolescente tem aptidões para empreender em pequenos negócios, fazer uma formação técnica ou aprender habilidade por conta própria sem precisar ir à faculdade —programação é um exemplo. A decisão do que fazer após o ensino médio precisa ser tomada sem o pânico da família, mas sim com seu apoio. Em sua fala, André Valadão não dá importância para nenhuma dessas considerações de ordem prática.

Já do ponto de vista cristão, lidar com crises de fé não passa por meramente evitar ambientes desafiadores. A missão, conforme ensinada por Cristo, é levar a luz do Evangelho a todos os cantos do mundo, não escondê-la. "Não faz sentido acender uma lâmpada e depois colocá-la sob um cesto. Pelo contrário, ela é colocada num pedestal, de onde ilumina todos que estão na casa." (Mateus 5:15 NVT). Ou seja, jovens cristãos devem ser encorajados a viver seus valores e sua fé em qualquer ambiente, inclusive a universidade, e a lidar cordialmente com pessoas de valores e crenças totalmente distintos dos seus.

Em última análise, as declarações do pastor promovem uma visão de sociedade onde os jovens são mantidos em uma bolha, incapazes de tomar decisões próprias e de enfrentar desafios. Essa estratégia não prepara os jovens para a vida adulta, mas sim para uma existência infantilizada, em que a capacidade de lidar com pessoas diferentes é mínima. Negar-lhes a oportunidade de se desenvolver plenamente, seja na universidade ou em qualquer outro ambiente, é limitar seu potencial individual e de contribuir com a sociedade, inclusive, contradizendo a missão cristã.

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