Aplicativo promete remuneração justa e autonomia para entregadores

Em fase de testes, AppJusto terá taxas reduzidas para restaurantes e frotas definidas

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São Paulo

O entregador Aylton Pereira, 46, reservou uma de suas tardes para levar a mãe ao médico e a filha de seis anos ao parquinho. Na volta para casa, em Barueri, tomou uma ducha e se arrumou para a jornada de entrega de refeições até a meia-noite nas imediações de Osasco.

Ele foi um dos primeiros a se cadastrar no AppJusto, aplicativo que promete autonomia para definir o preço das corridas e remuneração justa, se contrapondo ao modelo de negócio de plataformas como iFood, Rappi e Uber Eats.

“Gostei de poder definir minha taxa e escolher a frota”, diz Aylton, que iniciou na carreira há 20 anos; nos últimos dois somente em apps.

A frota a que ele se refere são grupos de corrida com preços e condições que entregadores podem definir no AppJusto. O modelo padrão é uma corrida de R$ 10 até 5 km e mais R$ 2 por km adicional –valor pago integralmente ao trabalhador, descontada a taxa da operação financeira.

“Não vamos definir o trabalho de ninguém, pois esse é o principal problema do modelo atual”, diz Pedro Saulo, um dos criadores do aplicativo. “Nossa inovação está em dar autonomia, ser transparente e ter impacto social”, completa.

Qualquer entregador cadastrado pode criar ou ingressar em uma nova frota, de acordo com seu perfil. “Podem surgir categorias identitárias, tipo frotas de mulheres da periferia ou para transporte de pets”, aposta Saulo.

A ideia surgiu em 2020, quando o cientista da computação e programador assistiu ao episódio “Delivery” do Greg News, série da HBO comandada por Gregorio Duvivier, colunista da Folha.

Atento às demandas de uma classe que se mostra, segundo Saulo, essencial e precarizada na pandemia, ele também se incomodava com a concentração de poder dos aplicativos. “Tudo o que vejo que tem grande monopólio e serviço ruim por falta de concorrência penso em alternativa”, diz.

Com a experiência de ter ajudado a erguer startups como Musea e Allya, Saulo abriu um fórum de discussão sobre o tema. Depois se juntou ao colega Rogério Nogueira e, há um ano, dedica dias e noites ao desenvolvimento do AppJusto.

Conseguiram R$ 350 mil de investidores comprometidos com impacto social. Integram a enxuta equipe um advogado, um programador e um designer. “É difícil voltar atrás em relação à tecnologia, por isso precisamos ter uma plataforma justa”, afirma.

Uma maneira de enfrentar o poderio é liberar o conhecimento empregado na plataforma, deixando o código desenvolvido aberto para que surjam concorrentes. “Nossa tecnologia vai ser livre, e eu cobro administrando essa rede”, explica.

No final de abril, Saulo foi sabatinado em uma live por Ralf Alexandre Elisiari, um dos líderes de paralisações da categoria.

No “canal que não tem medo dos aplicativos de entrega”, Ralf perguntou como o AppJusto lidaria com a criação de frotas com valores reduzidos, já que não há preço mínimo estabelecido. “Vamos fazer de tudo para que isso não aconteça, mas, se for preciso, vamos interferir, pois nascemos com objetivo de fazer o entregador ganhar mais”, respondeu Saulo.

O AppJusto se coloca para resolver outra demanda dos entregadores: o bloqueio automático, prática adotada pelos aplicativos para punir o descumprimento de normas do serviço. “Nosso compromisso inicial é só bloquear com análise e, a médio prazo, formar um comitê com entregadores que se autorregulem”, afirma o programador.

A receita –financeira– para manter o aplicativo virá dos restaurantes. Será cobrada uma taxa de 8% (5% mais custos financeiros), número bem abaixo dos quase 30% exigidos no modelo com entrega que vigora no mercado.

“Nos identificamos com a proposta de ser um app mais humanizado e que pensa na economia local”, diz Raissa de Sene, proprietária do restaurante Empório São João, em Pinheiros. Há 11 anos na região, ela precisou adaptar o negócio ao delivery na pandemia.

Ela conta que tem extravios frequentes de pedidos nos apps tradicionais, o que demandou uma pessoa na equipe só para resolver as reclamações. “Entregadores sem treinamento e ganhando super pouco entregam precariamente os pedidos”, diz.

A proprietária também reclama de taxas que abocanham parte significativa de sua margem de lucro. “Os apps ganham várias vezes em um único pedido com taxas de comissão, cartão, entrega e a mensalidade”, afirma Raissa.

O AppJusto diz que não cobrará mensalidade inicialmente, mas a proposta pode ser revista caso a receita se mostre insuficiente. Na plataforma, restaurantes terão acesso a dados dos clientes, se liberados por eles, o que se converte em moeda de troca.

O novo aplicativo está em fase de testes no entorno dos bairros Pinheiros, Itaim e Jardins, em São Paulo. “Nossa expectativa é que em julho possamos abrir a todos”, diz Saulo.

Nascido em Fortaleza e morador da capital paulista, o programador acredita que sua criação vai ganhar o mundo: “Qualquer pessoa vai poder se cadastrar pelo país e esperamos que o código seja internacional.”

Aylton vê o AppJusto como alternativa. “Por conta da pandemia e do desemprego, a remuneração caiu, tá saturado”, diz. Para cuidar da mãe e da filha, o entregador aposta em maiores rendimentos, mas é cauteloso. “No início vou continuar com todos os apps. Se rolar bem, pretendo ficar só com o Justo.”

O iFood vem tomando uma série de medidas de apoio a entregadores e restaurantes na crise sanitária. Em nota, a empresa diz que evoluiu o diálogo com entregadores, melhorou seu processo de escuta, ampliou ganhos de parceiros e deu melhores condições de atuação na plataforma. Afirma ainda que os ganhos dos trabalhadores no app cresceram.

“Em janeiro, o ganho por hora trabalhada, excluindo os custos do trabalhador, foi de R$ 15,71—151% superior ao salário mínimo por hora. Já se considerar o ganho por hora trabalhada puro, sem os descontos, o valor é de R$ 25,34, 305% superior ao do salário mínimo por hora”, diz a nota.

Para restaurantes, o iFood reduziu de 23% para 18% a taxa de comissão no plano em que o app assume a entrega –ação que deve perdurar até o final de maio– e facilitou linhas de crédito.

O Rappi afirma que o valor do frete no delivery varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. “O app possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo de forma segura e repassa a eles todo o valor pago a título de gorjeta”, diz em nota.

A empresa também anunciou um pacote de auxílio a restaurantes, com antecipação de pagamentos e isenção de taxas nos primeiros 90 dias. Reduziu para 18%, em abril, as comissões cobradas de restaurantes integrantes da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e da Associação Nacional de Restaurantes (ANR) que usam o serviço de entrega da Rappi.

O Uber Eats não se pronunciou sobre as taxas cobradas. Em sua plataforma, consta a cobrança de uma taxa única inicial, que daria direito a um tablet e uma sessão de fotos, e a taxa de serviço que varia de acordo com a opção de entrega.

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