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mudança climática

O 1,5°C é urgente, necessário e possível

Com crise do clima, fenômenos extremos serão comuns e Brasil tem potencial para fazer diferença

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Luis Fernando Guedes Pinto

Diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais

Marcia Hirota

Ambientalista e diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica

O sexto relatório do grupo de trabalho de ciência do clima do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), lançado em 9 de agosto, é categórico: “É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, oceano e biosfera.”

Antes de mais dados e análises do relatório, é importante relembrar que o IPCC foi criado em 1988 sob coordenação da ONU para revisar pesquisas sobre ciência do clima, aquecimento global e mudanças climáticas.

Com uma rigorosa e robusta governança, e contando com o trabalho de centenas de cientistas de todo o mundo, o IPCC sintetiza o conhecimento e o disponibiliza para tomadores de decisão na forma de relatórios —aprovados pelos 195 países que fazem parte do Painel.

As duras conclusões do sexto relatório do grupo de ciência do clima foram aprovadas consensualmente por todos os países.

“Cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer década que a precedeu desde 1850”, diz outro trecho do relatório. A temperatura do planeta no período entre 2001 e 2020 foi 0,99°C mais alta que entre 1850 e 1900, com maior aquecimento da temperatura dos continentes do que dos oceanos.

Assim, o estudo aponta que “a mudança climática induzida pelo homem já está afetando muitos extremos climáticos em todas as regiões do globo.” Enfim, toda a população humana e todos os ecossistemas do planeta são impactados de alguma maneira por um clima em rápida mudança.

Mas se o planeta está se aquecendo como um todo, essas mudanças são diferentes regionalmente. Enquanto algumas ficarão mais secas, outras ficarão mais úmidas.

O certo é que eventos extremos —ondas de calor, frios severos, chuvas intensas, secas, ciclones tropicais— serão mais intensos e comuns. Isto é, as secas serão longas e acontecerão em intervalos de tempo cada vez menores. O mesmo ocorre para tempestades e outros fenômenos climáticos extremos.

É importante entendermos que os eventos extremos que estão acontecendo agora no mundo, como crise hídrica no Brasil, altas temperaturas no Canadá, incêndios nos EUA e alagamentos na Europa, são somente a ponta do iceberg. Eles serão cada vez mais comuns e fortes, pois estamos somente no primeiro grau centígrado de aquecimento.

Além disso, o relatório afirma que algumas mudanças já são irreversíveis, como o aumento do nível do mar, o derretimento de geleiras e a extinção de espécies.

Para se imaginar o que pode acontecer no futuro, o IPCC traçou cinco cenários para as trajetórias de emissões de gases de efeito estufa e o aquecimento do planeta para as próximas décadas. Se tudo continuar como está, chegaremos ao aquecimento entre 1,5°C e 2°C ao longo do século 21.

Nos piores cenários, podemos chegar ao aumento de 5,7°C. O estudo estima que a última vez que a temperatura do planeta foi maior que 2,5°C do que entre 1850 e 1900 aconteceu há mais de três milhões de anos.

Se a situação atual é preocupante, cada 0,5°C faz muita diferença. Passar do intervalo 1,5-2°C pode ser catastrófico para a vida no planeta, com consequências ainda imprevisíveis. Por isso, é urgente agirmos agora para não passarmos do cenário seguro, mas já preocupante deste limiar.

A boa notícia é que ainda é possível limitarmos o aumento da temperatura a 1,5°C. Para isso, medidas radicais e urgentes precisam ser tomadas, principalmente em relação ao fim da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento.

Se nada fizermos, cidades, produção de alimentos, regiões litorâneas, ecossistemas naturais e toda a vida na terra serão fortemente impactados e ameaçados pelos eventos extremos, afetando cada vez mais populações e a economia. Além de diminuir bruscamente as emissões de gases de efeito estufa, o IPCC deixa claro que também é fundamental se adaptar a um planeta já em rápida mudança.

O relatório do IPCC traz como novidade um atlas interativo com séries históricas e previsões a respeito do clima da Terra. E detalha as mudanças climáticas previstas para cada uma das regiões em um cenário de aquecimento de 2°C.

O Brasil está em quatro delas. A Amazônia terá maior frequência e intensidade de chuvas extremas e enchentes, além do aumento de secas, o que favorece maior risco de incêndio.

O semiárido do Nordeste terá secas cada vez mais longas. O Centro-Oeste será mais seco e quente e o regime de chuvas deve se alterar, com grande risco para produção de commodities agrícolas.

Parte do Sudeste e do Sul enfrentará aumento nas chuvas extremas e enchentes, exatamente na Mata Atlântica, onde vive grande parte da população brasileira nas metrópoles e cidades costeiras.

Outra boa notícia é que o Brasil tem potencial e pode fazer diferença para o alcance do urgente e necessário cenário do 1,5°C.

Nossa vocação são as chamadas “soluções baseadas na natureza”, tanto para a mitigação quanto para a adaptação às mudanças climáticas.

O fim do desmatamento na Amazônia e em todos os nossos biomas é alcançável. A restauração das florestas naturais e a proteção de nascentes e rios, principalmente da Mata Atlântica, resulta em um "ganha-ganha" nacional e regional.

Contribui para a mitigação e adaptação ao clima, para a proteção da biodiversidade regional e é fundamental para a segurança hídrica, energética e alimentar em nosso país.

Uma mudança em grande escala pode transformar a agricultura de fonte para uma sequestradora de emissões de gases estufa, com potencial gigantesco de armazenar carbono no solo, com alta produtividade.

As florestas urbanas e áreas verdes também podem fazer diferença decisiva nas cidades para o bem-estar das pessoas, a adaptação e resiliência para um clima mais seco e quente, assim como para amenizar chuvas extremas e evitar enchentes.

O 1,5°C é urgente, necessário e possível. Basta vontade política e liderança. Já!

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