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Diálogo aberto e acolhimento ajudam pais a apoiarem filhos transgênero

Ampliar o vocabulário de gênero e demonstrar curiosidade são outras formas importantes de manifestar interesse

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Melinda Wenner Moyer
The New York Times

Em fevereiro o governador do Texas, nos Estados Unidos, Greg Abbott, declarou que tratamentos médicos dados a adolescentes transgênero, incluindo drogas e hormônios bloqueadores da puberdade, podem ser considerados abuso infantil segundo as leis estaduais. Opositores da medida reagiram prontamente, entre eles o presidente Joe Biden, que qualificou a decisão de "cínica e perigosa". Investigações sobre suposto abuso, decorrentes da ordem do governador, foram suspensas temporariamente após um tribunal estadual decretar que a política é inconstitucional.

Segundo um estudo de 2019 dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), 1,8% dos adolescentes nos EUA se identificam como transgênero, ou seja, sua identidade de gênero não corresponde ao gênero que lhes foi atribuído quando nasceram.

Quando pesquisadores entrevistaram adolescentes em Pittsburgh para um estudo em 2021, descobriram que quase um em cada dez não se identificava como exclusivamente homem ou mulher. Esses adolescentes vêm se manifestando mais abertamente sobre suas identidades e experiências, conforme descobriu o New York Times em sondagem de 2019.

De acordo com especialistas, há diversas formas de apoiar crianças e adolescentes que estão questionando seu gênero - Derek Abella

Crianças e adolescentes que não se identificam com seu gênero atribuído podem apresentar índices de depressão, suicídio e automutilação mais altos que o restante. Pesquisas indicam que eles têm melhores resultados em sua saúde mental quando têm acesso ao que médicos chamam de atendimento afirmativo de gênero, que pode incluir terapia para cuidar da saúde mental e tratamentos hormonais. Há divergências entre médicos e proponentes do atendimento afirmativo de gênero em relação a quais adolescentes podem se beneficiar mais de determinados tratamentos. Mesmo assim, os especialistas consideram que essas decisões devem ser tomadas por médicos, pacientes e seus pais –não por governadores ou órgãos do poder público.

Entrevistamos profissionais de saúde que atendem crianças e adolescentes, e têm como foco o gênero para entender como os pais e outros adultos podem dar apoio a adolescentes no espectro transgênero.

Se for preciso, procure ajuda especializada

Se você tem um filho que está questionando seu gênero, siga as deixas dele, recomendou o pediatra Daniel Summeres, de North Andover, em Massachusetts. "Alguns adolescentes apenas querem se vestir de modo diferente", ele destaca. Alguns querem praticar atividades que não são habitualmente ligadas ao gênero que lhes foi atribuído no nascimento, contentando-se depois que o fazem. Nesses casos, os pais não precisam fazer muito além de dar apoio a seus filhos.

Mas se um filho parece estar tendo dificuldade em lidar com seu corpo ou encarar ambientes sociais, ou se ele deseja uma transformação mais significativa como mudar os pronomes pelos quais é tratado ou modificar seu corpo com hormônios ou cirurgia, pense em procurar apoio adicional. Uma boa opção é uma clínica de gênero, diz Summers, que pode oferecer atendimento afirmativo de gênero. Este pode envolver diversos serviços, incluindo terapia e clínica geral. Segundo ele, alguns adolescentes que recebem essa assistência não se submetem a nenhum tratamento médico ou cirúrgico. ​

​Amplie seu vocabulário de gênero

"A linguagem é muito importante" quando se trata do gênero de uma pessoa, diz Laura Anderson, psicóloga infantil e de família que trabalha no Havaí e é especializada em desenvolvimento de gênero. Segundo ela, é importante procurar entender e usar os termos que o indivíduo pede que você empregue.

"Não binário" é uma categoria mais ampla que transgênero, na medida em que uma pessoa não binária "pode se identificar como homem e mulher, ou nenhum dos dois", diz Anderson. O termo "genderqueer" pode ser usado de modo intercambiável com o não binário. Já os indivíduos ditos "gender fluid" possuem uma identidade de gênero que é "um pouco mais flexível, na medida em que, com o tempo, pode se deslocar de uma categoria a outra", diz a psicóloga.

Também é importante procurar usar o nome e os pronomes corretos da pessoa, diz Anderson. Quando a identidade de gênero de uma pessoa não corresponde a como são tratadas por outros, isso pode provocar sofrimento psicológico. Pesquisas já mostraram que, quando jovens transgênero não podem usar os nomes que escolheram para si em casa, na escola, no trabalho ou com amigos, são mais propensos a apresentar sintomas de depressão, cogitar e tentar o suicídio.

Em vez de julgar, demonstre curiosidade

Se o adolescente não trouxer à tona a questão do gênero, não force, aconselha Summers. Mas se ele quiser falar disso, não reaja julgando ou demonstrando preocupação imediata, e sim com curiosidade, ele sugere. Os pais e outros adultos na vida do adolescente devem evitar falar "qualquer coisa que faça o adolescente se sentir rejeitado, inseguro ou que estão querendo calar sua voz", ele diz.

Anderson sugere que você comece pedindo mais informação a seu filho. Pergunte "quando você começou a pensar nisso?" ou "como faço para descobrir mais sobre esse assunto?", ela recomenda. "Crie condições para continuar se comunicando com seu filho e não armar uma disputa pelo poder com ele, seja qual for o rumo que a conversa siga".

Para Summers, tampouco há problema em pedir algum tempo para pensar. "Tudo bem dizer ‘isto é uma informação nova a seu respeito que eu desconhecia. Fico contente por você compartilhar comigo, mas quero refletir um pouco sobre isso, ok?", diz o pediatra. Mas não deixe de puxar o assunto novamente em um momento posterior, quando você estiver mais calmo.

"O mais importante é seu filho saber que você o ama, aconteça o que acontecer", afirma Jack Turban, psicólogo infantil e de adolescentes na Escola de Medicina da Universidade Stanford e estudioso da saúde mental de jovens transgênero. "O apoio à identidade de gênero de um adolescente tem sido consistentemente vinculado a desfechos de saúde mental melhores."

Pesquise todos os tratamentos

Se sua família optar pelo tratamento médico, existem várias opções a pesar, disse Turban. Os bloqueadores de puberdade são medicamentos para adolescentes "que suspendem a puberdade para dar mais tempo ao adolescente para explorar sua identidade de gênero e refletir sobre os próximos passos", ele disse.

Summers explicou que as alterações físicas que acompanham a puberdade não são desfeitas facilmente, de modo que os bloqueadores de puberdade podem ser úteis para adolescentes que querem um pouco mais tempo para decidir sobre sua identidade de gênero antes de ficarem presos a ela. Se a pessoa para de tomar os bloqueadores, a puberdade continua; logo, nesse sentido, disse o médico, eles são plenamente reversíveis.

São necessárias mais pesquisas sobre como essas drogas podem impactar o desenvolvimento cerebral e a fertilidade. E elas podem provocar efeitos colaterais, incluindo ondas de calor, dores de cabeça e ganho de peso.

Os adolescentes transgênero mais velhos também podem tomar hormônios, como estrogênio ou testosterona, que "podem ajudar a alinhar o corpo do jovem com sua identidade de gênero", diz Turban. A terapia hormonal nem sempre é reversível. Se é dada a meninas transgênero que não passaram pela puberdade, pode provocar perda de fertilidade. E alguns estudos sugerem que mulheres trans que tomam hormônios têm um risco aumentado de efeitos colaterais tais como perda óssea e coágulos sanguíneos, embora as pesquisas não sejam conclusivas –mulheres e adolescentes que usam anticoncepcionais hormonais também podem apresentar esses efeitos colaterais.

Um novo esboço de diretrizes lançado no ano passado pela WPATH (Associação Profissional Mundial Para a Saúde Transgênero, em português) recomenda que adolescentes passem por uma triagem psicológica antes de terem acesso a tratamentos hormonais. Mas alguns médicos discordam dessa exigência.

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