Podemos nos desapaixonar quando quisermos? Parte da ciência diz que sim

Ter pensamentos negativos sobre a pessoa amada é uma das técnicas recomendadas

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Allison Hope
The New York Times

Em maio de 2020, Omar Ruiz estava com o coração partido. "Minha mulher me disse que não estava mais apaixonada por mim." Pouco depois os dois, que estavam casados havia 11 anos, se separaram.

Ele disse que não apenas ficou arrasado, mas como um terapeuta de casais e familias, "todo esse processo desafiou minha identidade profissional", disse Ruiz, que tem 36 anos e mora em Boston. "Como posso ajudar os casais quando meu próprio casamento está desmoronando?"

Então ele decidiu que precisava se desapaixonar.

Parte da ciência diz que é possível se livrar de uma paixão de forma arbitrária - Nahuel Bardi/The New York Times

"As pessoas dizem que o coração partido é normal, então não devemos tentar consertá-lo", disse Sandra Langeslag, professora associada de ciências psicológicas na Universidade de Missouri-St. Louis, que estudou os efeitos das separações no cérebro. Mas ela lembra que existem muitas doenças comuns e até sérias que tentamos curar, então "por que não devemos tentar ajudar as pessoas com o coração partido a tentar seguir em frente?"

A desilusão amorosa já inspirou músicas, poesias, artes visuais, sessões de escuta cheias de sorvete com amigos e até um novo hotel. E, independentemente do motivo –seja morte, deficiência cognitiva, divórcio ou outro–, a maior parte dos que passam por isso esperam se recuperar e talvez até se apaixonar novamente por outra pessoa.

Mas e se realmente tivéssemos algum controle do processo? Pode alguém deliberadamente se desapaixonar? Parte da ciência diz que sim.

"Você pode trabalhar isso", disse Helen E. Fisher, antropóloga biológica e pesquisadora sênior do Instituto Kinsey, em Nova York. Ela estuda a anatomia do amor e, em 2005, analisou imagens cerebrais de cem pessoas usando ressonâncias magnéticas para identificar os circuitos do amor romântico.

​Fisher disse que descobriu que a mesma área do cérebro associada à fome e à sede –conhecida como área tegmental ventral, ou ATV– é ativada quando você está apaixonado, tornando-a "um impulso, não uma emoção". Essa função biológica torna o desapaixonar-se tão difícil quanto tentar não sentir sede. Em outras palavras, não é fácil.

Kisha Mays, 40, que administra uma consultoria de negócios em Houston, continuou a amar seu ex-namorado mesmo enquanto ele esteve na prisão. Eles tiveram uma relação intermitente durante anos, disse ela, e voltaram a se unir dois anos antes de ele ser libertado, em outubro de 2021. Dois meses depois, ele terminou com ela, disse Mays.

"Agora é apenas curar, reconstruir e aprender a confiar novamente", disse ela, observando que o reiki e a cura espiritual –além de jogar fora todos os pertences dele– ajudaram.

Fisher concordaria com a técnica de Mays: ela sugere tratar o processo de recuperação como se fosse um vício e jogar fora os cartões, cartas e lembranças da pessoa. Não mantenha contato ou pergunte a amigos em comum como essa pessoa está. "Você está apenas alimentando um fantasma", disse ela.

Fisher, que colocou 17 pessoas que acabaram de ser descartadas em scanners cerebrais, encontrou atividade no ATV e nas funções cerebrais ligadas ao apego e à dor física. "Não a ansiedade ligada à dor física, mas a dor física", disse ela.

Langeslag também disse que há esperança para os desiludidos. Ela fez dois estudos para ver se as pessoas podiam tentar se sentir menos apaixonadas. As estratégias que funcionaram? Primeiro, ajuda ter pensamentos negativos sobre a pessoa por quem você tenta se desapaixonar. A desvantagem? "Pensar negativamente faz você se sentir menos apaixonado, mas não se sentir melhor", disse Langeslag. "Pior, na verdade."

O que, então? Distração. Pense em coisas que a deixam feliz além da pessoa por quem você está tentando se desapaixonar. Isso tornava as pessoas mais felizes, mas não menos apaixonadas. A solução? O "soco duplo", como Langeslag descreveu, ou: pensamentos negativos sobre a pessoa seguidos de uma dose de distração.

Sua pesquisa descobriu que as pessoas foram capazes de diminuir deliberadamente seu amor, mas não bani-lo completamente. A quantidade média de tempo para curar sentimentos feridos, de acordo com dados coletados entre seus pesquisados, que fizeram relatos pessoais, foi de seis meses, embora o tempo de cura dependesse de vários fatores, incluindo quanto tempo o relacionamento durou.

Rachelle Ramirez, escritora e editora em Portland, no Oregon, ainda se lembra de uma época em que associações negativas funcionavam para ela. Quando tinha 15 anos, sentiu o que parecia ser uma paixão incurável por um colega de classe que estava muito menos interessado por ela.

"Quando digo que o desinteresse dele era excruciante, muitas vezes é visto como melodrama adolescente", disse Ramirez, que hoje tem 47 anos. "Essa suposição não chega nem perto de capturar a dor" que ela sentia ao pensar nele.

Então, como Ramirez a anulou? "Eu o imaginei coberto de vômito e segurando gatinhos mortos", disse ela. "Sei que foi radical e não sugeriria que todos tentassem isso, mas funcionou para mim."

Alguns não acreditam na ideia, seja apoiada pela ciência ou não, de que é possível deixar de amar voluntariamente.

Bethany Cook, psicóloga clínica de Chicago especializada em avaliação neuropsicológica, desconfia da ideia de uma pessoa ser capaz de controlar o desapego do amor.

"Amor e carinho são necessidades humanas básicas. Não podemos nos negar deliberadamente a isso. Seria como dizer que podemos escolher conscientemente parar de respirar", disse Cook. "Nós não temos esse poder, e fingir que temos é uma maneira de a psique se enganar pensando que tem controle, é um mecanismo de enfrentamento doentio."

"Os humanos podem deixar de amar alguém, mas não deliberadamente", acrescentou. "Sugerir que os humanos agem deliberadamente de uma maneira que esgota uma necessidade básica é contrário à natureza básica do que nos torna humanos e do que a ciência nos diz sobre nossa espécie."​

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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